Por que as auditorias dificilmente detectam corrupção em uma empresa.

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Auditores não têm instrumentos suficientes nem mandato para investigar fraudes a fundo, diz professor; PwC deve ficar livre de responsabilização por prejuízos na Petrobras

Escândalos de corrupção recentes envolvendo grandes companhias, como os revelados pelas operações Zelotes e Lava Jato, indicam brechas nos sistemas públicos de controle. Essas falhas foram exploradas para reduzir o valor devido em impostos ou desviar verbas para políticos e operadores.

No universo das maiores companhias brasileiras, contudo, há uma segunda camada de controle, feita pela própria iniciativa privada e também insuficiente para identificar fraudes: a auditoria independente.

Por lei, empresas com ações negociadas em bolsa, grandes grupos de capital fechado (controlados por poucos acionistas) e companhias que atuam em setores sensíveis (como as que oferecem consórcios) são obrigadas a pagar por uma fiscalização externa de suas contas e práticas.

Esse serviço é conduzido pelas empresas de auditoria independente, que ao final do trabalho apresentam um relatório sugerindo melhorias e aprovando ou não as finanças da contratante.

A prática tem como objetivo ampliar a confiabilidade dos números divulgados pelas empresas, mas fica aquém de apontar desvios. A Petrobras, por exemplo, teve seus balanços aprovados por auditores independentes enquanto a estatal enfrentava esquemas de corrupção posteriormente revelados pela Lava Jato.

Como funcionam as auditorias independentes

QUE COMPANHIAS DEVEM REALIZÁ-LAS

Todas as empresas de capital aberto, com ações negociadas em bolsa de valores, e as empresas limitadas de grande porte, que não são listadas em bolsa, mas têm ativos acima de R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões, segundo disposto em lei. Há também empresas de determinados setores da economia que precisam fazer auditoria externa independentemente do seu faturamento ou modelo societário, como empresas de serviços financeiros que realizam consórcios.

PARA QUE SERVEM

O objetivo é aumentar a confiabilidade dos balanços das empresas. No caso das companhias de capital aberto, cujas ações podem pertencer a milhares de pessoas físicas diferentes, a auditoria funciona como um olhar externo que relate sua situação financeira e contábil.

No caso das empresas limitadas, que não negociam ações em bolsa, a auditoria dá mais confiabilidade aos números apresentados à Receita Federal ou aos bancos na hora de analisar a liberação de empréstimos.

As empresas de capital aberto são obrigadas a publicar os relatórios de auditoria uma vez por ano. As limitadas de grande porte, não.

A auditoria de empresas de setores financeiros que oferecem serviços a clientes pessoa física com caráter de longo prazo, como consórcios, deve ocorrer para que o consumidor possa analisar a sustentabilidade do negócio no futuro.

O QUE OS AUDITORES FAZEM

Checam as demonstrações financeiras das empresas, analisam os sistemas de controle interno, apontam falhas e fazem recomendações. O relatório pode incluir alertas leves e graves e fazer ressalvas às contas das firmas auditadas. Segundo o jornal “Valor”, o número de pareceres com alertas graves ou ressalvas no Brasil cresceu 34% de 2014 para 2015, por causa da crise econômica e dos escândalos de corrupção, que aumentaram a desconfiança dos auditores em relação aos balanços das empresas.

QUEM SÃO OS AUDITORES

As empresas de auditoria precisam ser registradas na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão que regula o mercado de ações no Brasil (além do de títulos, debêntures e outros). Na quarta-feira (27), havia 357 empresas e 49 pessoas aptas a realizar esse serviço, segundo o cadastro do órgão

Há quatro grandes empresas influentes no setor, conhecidas como “Big Four” (as quatro grandes): Ernst & Young, PwC, Deloitte e KPMG.

As companhias que negociam ações em bolsa são obrigadas a trocar a empresa de auditoria a cada cinco anos, para evitar que a familiaridade entre auditor e auditado resulte em um controle menos rigoroso.

Limites para apontar corrupção

Guillermo Braunbeck, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e especialista em auditoria, afirma ao Nexo que a corrupção é um dos itens que podem resultar em riscos para as empresas, mas o profissional da área não tem como principal objetivo localizar esse tipo de fraude.

Segundo ele, a corrupção está no “radar” dos auditores e deve ser indicada no relatório se identificada, mas eles não têm ferramentas institucionais e tecnologia para localizar esse tipo de fraude, tendo em vista a atual regulamentação da atividade. “Via de regra, fraudes como essas são feitas para não serem identificadas e não aparecem facilimente durante o típico caminhar do trabalho de auditoria. O auditor não vai para dentro de um cliente com esse risco colocado de antemão”, afirma.

“A ideia de que o auditor é um caçador de fraudes é distorcida e não reflete a realidade”

Guillermo Braunbeck

Professor da USP e especialista em auditoria

Um exemplo de como o trabalho de auditoria pode ser útil para relatar fraudes, mas depende de estruturas da própria empresa, se dá quando a companhia auditada tem canais para receber denúncias de funcionários ou fornecedores. O auditor pode solicitar acesso às denúncias e perguntar se a empresa tomou ou não medidas para apurar os casos, e registrar isso no seu parecer. “Mas é a companhia quem tem os melhores elementos para tentar pescar e capturar alguma evidência”, diz Braunbeck.

Além disso, mesmo com o rodízio da empresa de auditoria a cada cinco anos, Braunbeck afirma que a posição do auditor dentro da empresa está sujeita a situações de conflito, já que o controlador pode revogar o contrato quando quiser.

“Há situações em que o auditor pode se ver em situações com menos independência, e isso vai se refletir em menor qualidade da auditoria. O serviço depende da competência do auditor e da sua disposição para contar à sociedade o que encontrou”

Guillermo Braunbeck

Professor da USP e especialista em auditoria

O serviço mais indicado para localizar corrupção, segundo Braunbeck, é o de contabilidade forense, que pode ser contratado pelas empresas para apurar especificamente fraudes desse tipo e dispõe de conhecimento e recursos que se assemelham aos de investigações criminais.

O caso Petrobras e PwC

Às vezes empresas de auditoria veem seu nome ligado a casos de fraudes e corrupção nas companhias auditadas. Um caso recente é o da PwC, que audita as contas da Petrobras desde 2012, mas apenas em outubro de 2014, quando diversas denúncias de crimes já eram públicas, se recusou a aprovar o balanço do 3º trimestre daquele ano da companhia.

Advogados de fundos de pensão que investiram dinheiro na Petrobras e foram prejudicados pelos casos de corrupção, com a queda do valor das ações, pediram que a PwC também fosse responsabilizada pelo prejuízo, sob o argumento de que ela teria feito vista grossa a fraudes.

Contudo, o juiz Jed Rakoff, da Corte de Nova York, onde tramita ação coletiva que pede indenização aos acionistas prejudicados, decidiu em fevereiro deste ano que a PwC não deveria ser responsabilizada, pois não teria conhecimento das fraudes e, quando soube delas, se recusou a assinar o balanço. A PwC argumentou que os escândalos ocorreram antes de sua entrada na estatal e que as propinas eram pagas em contas alheias à petroleira.

Em 2014, a Petrobras pagou à PwC R$ 22 milhões pelo serviço de auditoria, e renovou o contrato para 2015 e 2016 por mais R$ 47 milhões.

A responsabilização dos auditores

Assim como ocorreu no caso da Petrobras, há outros exemplos em que empresas de auditoria foram alvo de tentativas de responsabilização por fraudes ocorridas nas empresas auditadas.

Em agosto de 2013, a PwC foi condenada em primeira instância a pagar R$ 25 milhões em indenização a acionistas do antigo Banco Noroeste, por suposta negligência em auditoria que não identificou fraudes de US$ 242 milhões — a empresa recorreu.

Supremo ainda não se manifestou sobre a responsabilidade das empresas de auditoria em relação a fraudes em balanços auditados

Em março de 2015, a KPMG também foi condenada em primeira instância a pagar R$ 3,5 milhões a um investidor do banco BVA por não ter relatado falhas de que teria conhecimento no balanço da instituição financeira. A KPMG também recorreu.

Em ambos os casos, o Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou sobre a responsabilidade das empresas de auditoria em relação a fraudes nas empresas auditadas.

 

Texto publicado na página da internet do Nexo Jornal  – disponível na web 28/07/2016

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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