(Ainda) Precisamos falar sobre previdência .

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A perspectiva de uma derrota fez o governo retirar a Reforma da Previdência da pauta – do Congresso Nacional e da mídia. O esforço realizado ao longo do último ano, porém, deixa lições importantes, principalmente porque o tema necessariamente precisará voltar a ser discutido, uma vez que o comprometimento da Receita Corrente Líquida é insustentável.

O governo acertou ao tentar mobilizar, pela primeira vez, a opinião pública sobre o assunto. Errou, porém, ao não atacar pontos importantes, como o Regime de Previdência dos Servidores Públicos (RPSP), a confusão entre benefícios previdenciários e de cunho assistencial e a falta de um modelo que gere poupança de longo prazo.

  
  

Pelas contas dos economistas Fernando de Holanda Barbosa Filho e Bruno Ottoni, o Brasil teria que crescer 3,7% ao ano e os benefícios precisariam ser congelados para que as despesas com previdência se estabilizassem no nível que estão hoje, que já é deficitário.

Em outra conta, Rogério Nagamine, especialista do Ipea para o tema, informa que a alíquota de contribuição previdenciária de equilíbrio, ou seja, o que tem que ser descontado de empregados e empregadores para custear o atual modelo, será de mais de 30% da folha total em 2025, se nada for feito. Isso acontece porque o envelhecimento da população e a falta de uma regra de idade mínima estão fazendo com que o Brasil caminhe para ter um contribuinte para cada beneficiário. Hoje são dois para um.

Em estudo recente, o Banco Mundial apontou sete fragilidades na previdência. A reforma que estava em tramitação endereçaria duas. Acabaria com a aposentadoria por tempo de contribuição nos setores público e privado e reduziria a taxa de reposição (proporção da aposentadoria em relação ao último salário). O sistema permaneceria generoso, com uma taxa de reposição de cerca de 90%, muito acima da média praticada nos países da OCDE (70%).

Na prática, do ponto de vista social, a reforma abandonada contribuiria pouco para aumentar a equidade social no Brasil. No modelo em vigor hoje, os subsídios previdenciários, ou seja, a parcela de recursos que sai do orçamento público porque não é coberta pelas contribuições, acabam sendo direcionados às classes mais altas, principalmente de servidores. A estimativa é que cerca de 35% dos subsídios ficam com os 20% mais ricos.

Trata-se de uma discussão que precisa ser encarada porque há diversas distorções que levam a isso. No RGPS, Nagamine cita o programa de Microempreendedor Individual (MEI), que estipula uma contribuição previdenciária fixa em 5% do salário mínimo e permite que pessoas com renda média que pode ser de mais de R$ 6 mil/mês, acima do teto, estejam em um modelo que é quase não contributivo.

Um outro olhar (necessário)

A experiência de outros países mostra que é preciso uma análise profunda do perfil social e demográfi co da população, mas também um novo pacto social. A Grécia resistiu – e resiste – à reforma e quebrou. O Chile fez na década de 90, praticamente extinguiu a rede de proteção social, voltou atrás e hoje adota um modelo de renda mínima combinado com repartição e capitalização que está entre os mais bem avaliados do mundo nos quesitos adequação, sustentabilidade e integridade, de acordo com estudo divulgado pela consultoria Mercer no ano passado.

Já nos Estados Unidos, aspectos de raça e gênero começam a entrar no debate. Estudos sobre a reforma aprovada lá, em 2015, indicam que o aumento da idade mínima faz com que as parcelas mais ricas da sociedade americana se apropriem proporcionalmente de quase o dobro da poupança previdenciária em relação à parcela mais pobre da população. Isso ocorre porque a expectativa de vida não é a mesma para todos os segmentos da sociedade. Os mais ricos vivem mais e tendem a receber o benefício por mais tempo.

Em um estudo apresentado no Dieese, a pesquisadora Denise Gentil, apontou impacto semelhante na adoção de uma idade mínima padrão em todo o Brasil. Ela lembrou que mesmo nos grandes centros, a expectativa varia consideravelmente entre as regiões mais ricas e mais pobres. Em uma comparação dentro do município de SP, a expectativa de vida pode variar 20 anos de um distrito para outro. Em 2010, era de 79 anos no Alto de Pinheiros, um dos bairros mais nobres da cidade. Já em algumas áreas da Zona Leste, não passa dos 55 anos.

A pesquisadora fez um exercício simples. Comparou dois jovens de 20 anos, um de Alagoas (homem) outro de Santa Catarina (mulher). Cumpridas as estatísticas, ele viveria 14 anos menos que ela. Chegaria até os 69 anos. Só iria usufruir de 4 anos de aposentadoria. Ela teria 18 anos de benefício.

Idade mínima, o principal gargalo

Entre 177 países, apenas 13 não adotam nenhum critério de idade mínima para a aposentadoria. O Brasil, além de ser um deles, está entre os que exigem menor tempo de contribuição. Também não impõe nenhuma outra condicionante, como poderia ser a inatividade, por exemplo.

Mas nem sempre foi assim. Entre 1960 e 1962, a Lei Orgânica da Previdência Social, estabeleceu a idade mínima de 55 anos. Na época, era maior que a expectativa de vida (50 anos), o que explica sua revogação. O problema é que a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição em 2016 ficou abaixo disso, em torno de 53 anos, quando a expectativa de vida é de cerca de 70 anos.

Muita gente se aposenta por tempo de contribuição, mas permanece no mercado de trabalho, o que também contribui para tornar o sistema menos equitativo. Na faixa etária considerada como aposentadoria precoce (antes dos 65), quando se compara a renda média do trabalho (sem contar com outras fontes) com a renda média total (de todas as fontes), o pagamento da aposentadoria mais que triplica a desigualdade de renda.

Artigo publicado no JB Online – disponível na internet 16/03/2018

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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