Gleisi faz defesa de Lula ao “mundo árabe”, provoca guerra de versões no Congresso e vira alvo de fake news

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Parlamentares da base e da oposição protagonizaram uma guerra de versões, durante toda esta quarta-feira (18), sobre a entrevista em que a presidente nacional do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), diz ao grupo de televisão árabe Al Jazeera  que o ex-presidente Lula é um “preso político”. Em sua fala (vídeo abaixo), Gleisi critica duramente o Judiciário e outras instituições brasileiras, diz que o petista foi um “grande amigo do mundo árabe” e pede engajamento dos povos estrangeiros em favor da libertação do cacique petista.

Além de confrontos verbais e discursos enfurecidos nos plenários do Senado e da Câmara, as declarações da petista renderam protocolos de processo por suposta quebra de decoro parlamentar e até distribuição de conteúdo falso – as famigeradas fake news – nas redes sociais (leia mais abaixo). A versão de que a senadora estaria a insuflar grupos terroristas para defender Lula em território brasileiro, algo que até adversários do PT não levaram a sério, foi rebatida e até ridicularizada por parlamentares.

“Perdoe a ignorância desse… É muita ignorância”, disse o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), dirigindo-se ao senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que presidiu parte da sessão plenária, e referindo-se a José Medeiros (Pode-MT), que falava ao microfone e criticava o “recado muito estranho” de Gleisi à Al Jazeera.

“Nós temos respeito por todas as religiões. Agora, nós também somos um país que não tem contato com nenhum radicalismo, com nenhum fundamentalismo”, disse Medeiros, antes de ser interpelado por Lindbergh, e acrescentando que a mensagem da petista parecia “um recado subliminar”. “A quem era dirigido aquilo?”

Pouco antes do encerramento da sessão, quando o plenário já estava quase vazio, a questão levantada por Medeiros foi ironizada na tribuna. “A Gleisi não incitou nada. Eu acho que há aí ignorância ou má-fé. Estão confundindo Al Jazeera com Al-Qaeda. Pode ter certeza”, comentou a senadora Regina Souza (PT-PI), depois de serenados os ânimos, mencionando a organização fundamentalista islâmica. Ela falou rapidamente sobre o encontro que teve com o Lula, ontem (terça, 17), na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde o ex-presidente está preso desde 7 de abril.

“Encontramos um Lula sereno, mas indignado. A gente sabe em que circunstâncias ele foi condenado. Sem provas”, lamentou Regina.

Veja o que disse Gleisi Hoffmann:

“Hostilidade” e “xenofobia”

No começo dos debates, a senadora Ana Amélia (PP-RS), uma das principais críticas do PT no Senado, fez fortes críticas sobre a mensagem Gleisi. Em discurso feito na tribuna no início da tarde (vídeo abaixo), a senadora gaúcha chegou a cogitar desrespeito à Lei de Segurança Nacional, uma vez que a presidente do PT denunciou instituições brasileiras. E, ao falar, Ana deu início a uma forte troca de acusações em plenário.

“Só espero que, dada a gravidade do conteúdo dessa exortação publicada pela TV Al Jazeera, essa convocação ao apoio dos países do mundo árabe não tenha sido também um pedido para que o exército islâmico venha ao Brasil atuar aqui e que aqui não estejamos tratando de uma possível incursão na Lei de Segurança Nacional”, disse a senadora do PP, reclamando da “hostilidade” de Gleisi.

Nesse ponto da sessão, um rápido bate-boca entre senadores tomou conta do plenário. Gleisi pedia a palavra para rebater Ana Amélia, com base no artigo 14, que garante defesa a quem é citado com fala ofensiva. Mas o senador João Alberto Souza (MDB-MA), que presidia os trabalhos em plenário na ocasião, negou a intervenção oral alegando que o nome da petista não havia sido citado, embora não houvesse dúvida quanto à destinatária da fala de Ana Amélia.

“Só há uma presidenta do PT, e só há uma presidenta que deu entrevista à Al Jazeera”, reclamou Gleisi. Depois de alguns protestos em plenário, João Alberto concedeu a palavra à senadora Ângela Portela (PDT-RR), que mudou de assunto e o alvo de críticas passou a ser “o teto de gastos que foi proposto e implantado pelo governo ilegítimo de Michel Temer”.

Gleisi esperou a vez de falar e, quando pôde discursar, devolveu os ataques a Ana Amélia. “Penso que o incômodo com essa entrevista com aquela senadora do Rio Grande do Sul, que veio aqui à tribuna para falar a esse respeito, não foi com o conteúdo da minha fala, mas foi com o veículo de comunicação em que ela se deu. Só posso reputar isso à ignorância, ao preconceito, à xenofobia contra o povo árabe. Aliás, mais do que isso, chega a ser má-fé, desvio de caráter o que essa senadora – aquela mesma que incentivou a violência contra a caravana do presidente Lula, mandando erguer o relho contra nós todos – em relação ao que está fazendo nas redes sociais”, fustigou a petista.

Foi a vez de Ana Amélia tentar rebater as acusações, mas João Alberto também teve de interromper sua fala graças à interferência do líder da Minoria no Senado, Humberto Costa (PE), em nome da isonomia, e diante de protestos da própria Gleisi. Mas, antes que a fala lhe fosse negada, os microfones captaram a provocação da gaúcha a Gleisi, ré na Operação Lava Jato.

“Não tenho desvio de conduta e não estou na Operação Lava Jato”, disse Ana Amélia, prontamente rebatida por Gleisi. “Não vou permitir isso! Eu ouvi essa senhora falar…”, protestou a senadora petista, também impedida de seguir adiante.

Mas para o fim da sessão, em que senadores também aprovaram matéria referente a atribuições do Banco Central e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), coube ao senador Magno Malta (PR-ES) relatar o que havia falado com a própria Gleisi a respeito da polêmica. Também crítico feroz do PT, Magno acabou por revelar que não se trata de uma entrevista exclusiva à  TV Al Jazeera.

“Até porque a senadora Gleisi me disse que a entrevista que ela deu para a Al Jazeera foi dada para as outras televisões do mundo que estavam lá para cobrir. O meu medo pessoal é que eles [fundamentalistas] entendam que estão pedindo auxílio para uma reação. Esse é medo pessoal, meu”, declarou o senador.

Pedido de cassação e fake news

A entrevista de Gleisi também foi alvo de protestos e defesas no plenário da Câmara, onde o governo novamente não conseguiu ver aprovado o chamado “cadastro positivo”. Mas teve quem foi além dos discursos e pediu providências formais contra a senadora. Aliado do pré-candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro (RJ), o deputado Major Olímpio (PSL-SP) bradou contra Gleisi em plenário e a acusou de infração à Lei de Segurança Nacional, legislação que entrou em vigência nos estertores da ditadura militar, em 1983.

Policial militar aposentado, Olímpio diz ver motivos para cassar o mandato de Gleisi e protocolou representação contra ela no Conselho de Ética do Senado, na Procuradoria-Geral da República (PGR) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “A senadora do PT agiu de forma incompatível ao decoro parlamentar ao praticar diversos crimes que atentam contra a Soberania Nacional, o Estado Democrático Direito, o Respeito aos Poderes Constituídos, principalmente o Poder Judiciário e a Ordem Política e Social do País, de forma a incitar, em nome do seu partido, através da maior rede de televisão do ‘mundo árabe’ […] que todos os países ali alcançados se juntem a eles para lutar para que o condenado Luiz Inácio Lula da Silva esteja livre”, argumentou o deputado nas representações (respectivamente, veja as íntegras aquiaqui e aqui).

Coube a Magno, opositor do PT, ajudar Gleisi sem querer: entrevista para “outras televisões do mundo”

Em contraponto ao universo formal das leis, no mundo informal das redes as versões falsas já se alastraram. Entre textos apócrifos e ilustrações com frases inverídicas espalhadas por plataformas como Twitter, Facebook e WhatsApp, o aplicativo de mensagens por celular, multiplica-se no mundo virtual a informação de que a senadora pediu a intervenção de grupos terroristas no Brasil. A fake news mereceu a publicação de um fact checking, ou checagem de fatos, no site Buzzfeed, que cita o exemplo de uma internauta identificada como Bia Kicis.

“Em nenhum momento Gleisi cita grupos muçulmanos. Na página de Bia Kicis, porém, uma versão editada do vídeo foi publicada dando conta de que a presidente do PT pedia ajuda a ‘terroristas’ […]. A mentira teve mais de 150 mil visualizações e 14 mil compartilhamentos”, diz o site. “Sitescomo o Crítica Nacional e o Diário do Brasil foram além, afirmando que Gleisi cometeu crime contra a soberania nacional. Esses sites usam o – falso – argumento de que a senadora, ao dizer ‘mundo árabe’, se dirigia a terroristas”, acrescenta Buzzfeed (confira mais sobre a checagem).

Capítulo do “golpe”

O vídeo de Gleisi foi veiculado nesta terça-feira (17) pela TV Jazeera – cuja sede está no Catar, um emirado no Oriente Médio – e outras emissoras do chamado “mundo árabe”. São menos de três minutos em que a senadora expõe sua visão sobre o “golpe” em curso no país a partir de 2016, como denominam os opositores do impeachment de Dilma Rousseff – “golpe” que, segundo a presidente do PT, tem na prisão de Lula mais um capítulo.

“Lula foi condenado por juízes parciais num processo ilegal. Não há nenhuma prova de culpa, apenas acusações falsas. A TV Globo, que domina a mídia no Brasil, fez uma campanha de mentiras cotra Lula e está pressionando o Judiciário brasileiro a não conceder a liberdade a Lula, apesar de ela estar prevista na Constituição. Isso fere os direitos humanos e a democracia brasileira. A prisão de Lula é a continuidade do golpe que se iniciou em 2016 com a retirada da presidenta Dilma do governo. Ela não cometeu nenhum crime, assim como Lula não cometeu. É um preso político. Ele é inocente”, diz Gleisi no vídeo.

Crédito: Fábio Góis/Congresso em Foco – disponível na internet 19/04/2018

1 Comentário

  1. Se não me falha a memória existe um item na Constituição que prevê prisão imediata para quem por quaisquer meio colocar o País em risco.

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