Fundos previdenciários de servidores já somam R$ 148 bi, mas fiscalização é falha.

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Enquanto o país debate uma reforma da Previdência diante do rombo nas contas públicas, regimes de aposentadoria de servidores estaduais e municipais já acumulam R$ 148,3 bilhões aplicados no mercado financeiro para pagar futuros benefícios. Este patrimônio quadruplicou em dez anos e já equivale ao dobro do administrado pela Petros, o fundo de previdência complementar da Petrobras, um dos maiores do país. No entanto, o dinheiro dos servidores está pulverizado entre mais de 2 mil entidades municipais e estaduais, submetidas a uma fiscalização falha.

Mais de um quarto desses Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) recorrem a liminares na Justiça para não serem impedidos de operar por descumprirem prestações de contas. Só este ano, a Polícia Federal realizou três grandes operações de combate a fraudes com RPPS. Recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, vem tentando apertar a fiscalização desses investimentos.

Os RPPS não são fundos de previdência complementar, mas entidades responsáveis por investir recursos públicos para pagar aposentadorias e pensões de servidores em estados e municípios. Previstos na Constituição, a maioria dos 2.123 RPPS existentes hoje foi criada nos anos 1990. Onde não há RPPS, quem paga as aposentadorias dos servidores é o INSS. União, estados e capitais foram pioneiros, mas, hoje, mais de 700 RPPS são de cidades com menos de 10 mil habitantes.

Em 2007, o patrimônio somado dos RPPS era de pouco mais de R$ 31 bilhões. O crescimento recente está ligado a mudanças na legislação. Quase 75% dos investimentos acumulados hoje são de RPPS de prefeituras, que têm melhor saúde financeira que os dos estados. Os municipais tiveram ao todo superávit financeiro de R$ 11,1 bilhões, enquanto os estaduais tiveram rombo de R$ 89,6 bilhões em 2016, indicador mais recente.

Segundo Leonardo Rolim, consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, isso acontece porque, em sua maioria, os regimes municipais têm mais servidores ativos que aposentados e já foram criados com o sistema de capitalização (em que os benefícios são definidos pelo patrimônio acumulado), e não de repartição (no qual as contribuições de quem está na ativa financiam as aposentadorias). O desenho veio das reformas da Previdência feitas em 1998 e 2003.

Operação sob liminar

A fiscalização dos RPPS é feita, de Brasília, pela Secretaria de Previdência, da Fazenda, e pelos tribunais de contas estaduais (TCEs). Mas enfrenta problemas. Dobrou nos últimos dois anos o número de entidades que obtêm na Justiça o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), que atesta o cumprimento de normas de boa gestão. Os RPPS que têm o CRP negado podem sofrer sanções, mas pelo menos 560 seguem operando graças a liminares.

— Isso limita a fiscalização e prejudica o equilíbrio do regime. Esses RPPS tendem a ter mais problemas de repasse de recursos e falta de equacionamento — diz o subsecretário federal de RPPS, Narlon Gutierre Nogueira.

Um desses regimes que recorreram à Justiça foi o de Teresópolis, que está na 2.035ª posição do Indicador de Situação Previdenciária (ISP), da Fazenda, que avalia a saúde financeira dos 2.123 regimes. A prefeitura atribuiu os problemas, que teriam começado em 2005, a gestões anteriores. Informou que reativou os conselhos de administração e fiscal e o comitê de investimentos e está regularizando o envio de cálculos atuariais obrigatórios, entre outras medidas.

— Há vários problemas entre os RPPS. Um deles é a concessão de benefícios a pessoas que ainda não teriam condições de se aposentar. Há ainda a apropriação indébita previdenciária, que é não repassar os recursos devidos aos RPPS — diz a advogada Melissa Folmann, professora da PUC-PR.

O TCE do Piauí, por exemplo, bloqueou as contas de municípios que deixavam de repassar as contribuições dos servidores ao RPPS.

— Deu certo. Com a gestão inviabilizada, a maioria se ajustou e passou a repassar em dia — conta Alex Sertão, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e assessor jurídico do TCE piauiense.

Tanto dinheiro e fiscalização limitada são terrenos férteis para fraudes. Só este ano, a PF fez três grandes operações envolvendo regimes de previdência. Uma delas foi a Encilhamento, que, em abril, apurou fraude de até R$ 1,3 bilhão em pelo menos 25 RPPS de todo o país. Fundos com investimentos de RPPS adquiriam debêntures (títulos de dívida) sem lastro, emitidas por empresas de fachada.

A CVM busca ampliar a fiscalização e fez em agosto audiência pública na qual propôs restrições a fundos de investimento que tenham 15% ou mais do patrimônio de aplicações de RPPS. Agora, está na fase de avaliar as sugestões.

Alguns RPPS têm se organizado para combater fraudes. Pelo menos 65 deles aderiram ao Sicoprev, sistema de cruzamento de dados criado há um ano pelo Rioprevidência, do Estado do Rio. O sistema levou a uma economia, este ano, de R$ 81,6 milhões com a identificação de benefícios indevidos ou pagos a falecidos.

Além da frágil fiscalização, outro problema é o déficit atuarial, cálculo que leva em conta quanto seria necessário para pagar, nas condições atuais, as aposentadorias e pensões futuras dos participantes desses fundos. Mesmo com superávit financeiro, os RPPS municipais acumulam defasagem atuarial de R$ 769 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda. O valor, porém, é apenas uma fração do déficit atuarial dos RPPS estaduais (R$ 4,6 trilhões) e do regime federal (R$ 1,2 trilhão).

Hoje, 93% da carteira dos RPPS são aplicadas em títulos públicos, de baixo risco, mas a queda dos juros tende a frear o crescimento da reserva num momento em que aumentará o pagamento de benefícios, com mais servidores aposentados, analisa Ricardo Giovenardi, da consultoria SMI.

Para Emmanoel Schmidt, gerente executivo do Banco do Brasil, a maioria dos RPPS tem metas atuariais inviáveis, geralmente de 6% mais inflação. Para cumpri-las, seria necessário elevar significativamente a aplicação em papéis de risco. Por isso, ele diz, o ideal seria revê-las para baixo. Mas isso exigiria contribuições maiores.

O déficit atuarial dos RPPS já entrou no radar das discussões sobre a reforma da Previdência. Algumas das propostas levadas por parlamentares ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, preveem criar contribuições extras de servidores para cobrir esse déficit.

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