Presidente da Apex avalia que, mesmo com turbulências políticas e econômicas, o país tem condições de se recuperar e voltar a crescer

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Roberto Jaguaribe “Eu acho que, se a gente olhar por um processo longo, a gente vê que o Brasil só faz progredir. Com oscilações e soluços, mas é um progresso”

O Brasil está à venda. E quem está atrás de compradores é ninguém menos que o embaixador Roberto Jaguaribe. Com uma das mais sólidas carreiras no Itamaraty, iniciada nos anos 1970, no governo de Ernesto Geisel, ele foi chamado, no ano passado, de Pequim, onde representava o Brasil, para comandar a Apex, agência responsável por promover as exportações brasileiras e atrair investimentos para o país.

Jaguaribe não acha difícil vender o Brasil. Ao contrário. De tão atraente, o país se acostumou com estrangeiros que vêm para cá atrás de produtos e negócios. A questão, argumenta, é que, ao olhar para fora, os brasileiros podem encontrar novas oportunidades, que levem nossa economia para outro patamar.

Esse processo passa pela qualificação de empresas de todos os portes, algo a que a Apex se dedica por meio de abordagem que tem foco em diferentes setores. É necessário também, destaca o diplomata, trazer mais eventos internacionais para o Brasil. Nesta entrevista ao Correio, ele fala de vários desafios do país, sem se limitar ao comércio exterior.

16/05/2017. Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press. Brasil. Brasília – DF. Entrevista com o embaixador Roberto Jaguaribe, presidente da APEX.

Estamos vivendo a mais longa recessão da história. O Brasil tem conserto?

Não tenho a menor dúvida quanto a isso. Eu acho que, se a gente olhar por um processo longo, a gente vê que o Brasil só faz progredir. Com oscilações e soluços, mas é um progresso. Se a gente olhar da redemocratização para cá, três ou quatro coisas foram conquistadas de uma forma muito importante para o país. Primeiro, foi a própria redemocratização, que hoje está altamente consolidada. O segundo passo é a questão da estabilidade macroeconômica. A verdade é que esta talvez tenha andado beirando riscos mais severos do que se pensava que se enfrentou. Depois que o Plano Real foi o sucesso retumbante que foi, na concepção de todos e, certamente, do povão, aquilo tinha deixado de ser uma questão político-partidária, de governo, e tinha passado a ser um problema de Estado e de nação. O terceiro é um problema da América Latina, que é a questão da inclusão social. O processo de inclusão social é fundamental para o equilíbrio dos países, para a coesão interna e nacional e o Brasil tem que promover.
As oscilações não dificultam na hora de vender o Brasil para investidores, lá fora?
O Brasil é um país que se vende muito bem. Um dos problemas de o Brasil se vender muito bem é que brasileiro vai pouco lá fora para se vender; os outros vêm aqui comprar, de tão atraente que é o Brasil. É uma das críticas que sempre se fez ao empresariado brasileiro, ninguém no Brasil vende nada, os outros que vêm aqui comprar; isso é, infelizmente, ainda, um pouco verdade, mas deriva dessa atratividade grande que o Brasil tem. É claro que essa atratividade vem associada a uma multiplicidade de fatores: um país grande, com um mercado grande, com múltiplas possibilidades, com muitos recursos naturais, com um pessoal trabalhador. As fábricas modernas que são montadas no Brasil, de pessoal capacitado, estão entre as mais eficazes do mundo, da fábrica para dentro.
O senhor falou que o Brasil é um país que não se vende, as pessoas vêm comprar o Brasil. As pessoas estão querendo comprar o Brasil da Lava-Jato, da corrupção, de todas essas mazelas?
O Brasil exagera tudo e nós estamos com um problema muito complexo nessa linha de conduta pública e de processo, porque a verdade é que isso aí não é uma coisa isolada. É um sistema que precisa ser modificado. Tudo isso tem um certo impacto, mas, de novo, a gente exagera. Ah, mas a Odebrecht levou uma multa de sei lá quantos milhões? E as coisas internacionais? Só que eles, ao contrário, contêm tudo. Todos os escândalos financeiros que aconteceram em outros países, e a Enron nos EUA? E as empresas que fazem jogadas de pressão política e de manejo político em vários lugares do mundo? O Brasil não está isolado nesse processo, os atores relevantes sabem disso também. Em 2015, o Brasil foi o oitavo maior destino de investimentos estrangeiros; em 2016, passou para o sexto, claro que baixou, tínhamos um patamar mais elevado, mas, neste ano, já estamos com perspectivas muito animadoras.
16/05/2017. Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press. Brasil. Brasília – DF. Entrevista com o embaixador Roberto Jaguaribe, presidente da APEX.

Então a Lava-Jato não prejudicou, essencialmente, investimentos?

A Lava-Jato, como um todo, gera uma percepção complicada no exterior, mas, ao mesmo tempo, gera uma percepção da solidez institucional e também tem muito valor. Há, sim, um impacto, a Lava-Jato é reconhecida, mencionada e é parte integrante do noticiário de todos os órgãos relevantes de imprensa no mundo, portanto, tem um impacto também. Mas, por outro lado, não tenho dúvida de que o reconhecimento do processo como ele está sendo conduzido e da liberdade que se dá no Brasil aos órgãos de fiscalização e de decisão, sobretudo o judiciário, mas também a polícia, são muito evidentes.
A Carne Fraca atrapalhou?
É o que eu estava mencionando, quando digo que não é seguro que todos os órgãos façam melhor proveito dessa independência que eles têm porque a Carne Fraca, claro que atrapalhou, mas foi manejada com enorme determinação e competência.
Esses excessos são problemas na hora de vender o Brasil no exterior? Excessos na Polícia Federal, durante a operação Carne Fraca e alguns apontam também na Lava-Jato, com as prisões, até da  justiça, do Ministério Público.
Não é a minha seara ocupacional, eu estou trabalhando projeção comercial, não estou ligado nisso, mas, em termos de percepção, vejo tudo como um pacote. A Lava-Jato tem um lado negativo, mas também tem um lado de resiliência, para muitos evidencia que é um país que está fazendo seu dever de casa, enquanto outros têm situações assemelháveis, mas não estão fazendo exatamente o que deveria ser feito, isso gera uma percepção positiva. Você conta nos dedos países que não têm situações relevantes, de corrupção no mais alto nível.
Qual é o presidente ideal, na visão dos investidores, para comandar o país a partir de 2018? Tem um perfil?
Todo mundo quer uma pessoa que reconheça que o mercado tem a capacidade de influenciar, positivamente, a economia e, portanto, tem espaço para atratividade. Eu acho que o que se pensa é muito mais em termos de condições do que de pessoas. E, para o Brasil progredir, o investidor está preocupado com um marco regulatório confiável e que seja duradouro, com poucas mudanças e, quando elas forem feitas, que sejam claras e entendidas, adequadamente, isso requer agências reguladoras fortes e não dependentes, politicamente, do governo.
O susto Trump já foi absorvido ou continua?
O Trump tem muitas dimensões. Eu fico analisando mais a dimensão da política comercial, o que ele pretende e a política econômica, o que ele vai fazer. Ainda não está muito claro o que pode vir a ocorrer com isso.  Os EUA são um país com um sistema muito forte, que não vai deixar desvios fora da curva muito intensos ocorrerem, se não forem percebidos como favoráveis pelo próprio sistema, independentemente de qualquer governo, porque têm muitas capacidades, o que eles chamam de checks and balances, para que as coisas sejam levadas até a última instância. Eu estive, recentemente, nos Estados Unidos e a minha percepção é de que haverá sempre uma retórica muito mais exagerada para apontar que há erros a serem corrigidos, mas que, na prática, as mudanças vão ser menores. É claro que já houve coisas importantes, como, por exemplo, o afastamento das negociações do TPP.
Nos beneficia?
Se tem um grupo de pessoas combinando um acerto que vai facilitar o comércio entre eles, de forma relevante, e eu não sou parte desse grupo; e aquele negócio acaba não consolidando, é claro que tenho alguma vantagem com isso. O interesse renovado da Europa de fazer acordo com o Mercosul é um pouco derivado de uma percepção de certa instabilidade em outros cenários, em outras geografias, digamos. Os problemas do Brasil são brasileiros, não são feitos por outros países; nós que fazemos nossos problemas ou temos problemas que nós temos que resolver.
Não quer dizer que sejam fáceis de resolver.
Não quer dizer que é fácil. Antigamente, falavam que, se o problema do Brasil fosse chinês, nós estaríamos perdidos, porque a China não vai resolver nosso problema. O problema do Brasil é brasileiro, então, o Trump pode fazer uma coisa ou outra, mas não creio, pelo contrário, temos que nos aproximar, ampliar as relações, aproveitar certos ensejos de coisas que podem ser feitas.
E como vai ser a relação com a China? O senhor era embaixador lá.
A relação com a China é absolutamente fundamental, central, assim como várias outras. O Brasil é um país com a economia muito grande, mas com comércio pequeno. Nós estamos sempre entre os dez primeiros, há anos, décadas, mas estamos apenas entre os 25 maiores comerciantes. Há uma desproporção. É evidente que países muito grandes têm, em geral, essa tendência. Os próprios Estados Unidos têm um número não tão diferente do Brasil. A China era zero de comércio. Chegou uma mudança estratégica completamente de abertura e de engajamento para exportação e a China hoje é um país muito mais voltado para a economia externa.
Essa rota da seda anunciada agora mexe com o Brasil?
Acho que tudo mexe. Tem que pensar sempre que mexe. A China é um parceiro central do Brasil, permanente e de Estado. É uma coisa que veio para ficar. A China abre oportunidades importantes para o Brasil, porque os chineses têm uma característica que outros países não têm: a China precisa do Brasil.
Mas ela tende a ser mais dura na negociação na medida em que ficou mais poderosa
Todo mundo tende a levar o máximo de vantagem que tem, mas os chineses são negociadores há 4 mil anos. Eles sabem que, para manterem negócio, o outro tem que levar vantagem também. Senão não tem negócio. Eu não tenho dúvida de que a China pode ser difícil, mas também não tenho dúvida de que ela é uma parceira sólida e tem interesse em áreas em que nós somos particularmente competitivos. A China é uma economia muito grande, certamente será a maior do mundo, mas nunca será um país autossuficiente como os Estados Unidos, ou como o Brasil são.
Que setores estão com problema?
Os setores industriais, em geral, estão com exportação e produção declinante. Os setores industriais estão enfrentando problemas por uma multiplicidade de razões. Há muito menos problema no setor agroindustrial, que tem um dinamismo muito grande e cuja limitação de exportação não é provocada por falta de competitividade e, sim, por fechamento de mercado, protecionismo e aquelas outras coisas. Os setores industriais e, claro, não dá para generalizar, são os mais afetados por esse processo recessivo, pelo custo Brasil e por problemas de financiamento. O custo Brasil é: financiamento caro, burocracia,  logística ruim, tributação inadequada, e outros.
Tem salvação a indústria brasileira?
Eu não tenho a menor dúvida quanto a isso. O Brasil, quando fez o seu parque, e montou de forma extremamente exitosa, ficou o mais diversificado horizontal e verticalmente parque do mundo. É claro que nós vamos ter que ser mais seletivos. As grandes economias do mundo todas já são e não têm condições de produzir tudo.
O senhor consegue elencar uma lista?
Primeiro, eu acho que nós precisamos um pouco mais de estabilidade econômica, marco regulatório e tributário para nós fazermos isso. A questão tributária é o elemento mais determinante da produção. Evidente que, nessas circunstâncias, a questão fiscal a torna uma questão mais importante. É preciso uma organização da tributação de forma que se racionalize a produção e consega uma resposta dos setores em questão de produtividade.
Crédito: Ana Dubeux e Vicente Nunes/Correio Brasiliense 23/05/2017

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