Qualidade de provas é o principal fator que faz TRF-4 reverter decisões de Moro. Delegada da PF diz que Sérgio Machado não é merecedor de benefícios de delação

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De 48 sentenças aplicadas pelo juiz da Lava-Jato, seis foram totalmente refeitas.

A qualidade das provas é o principal fator que tem levado o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a reformar decisões do juiz Sergio Moro. De 48 sentenças aplicadas por Moro no âmbito da Operação Lava-Jato, seis foram totalmente refeitas na segunda instância. Na contramão das decisões do juiz, os desembargadores do tribunal têm, em alguns casos, desconsiderado versões de delatores e reforçado a fragilidade em acusações contra réus, o que resultou na absolvição de cinco condenados. Debruçado sobre os documentos apresentados pelos procuradores da força-tarefa para sustentar as acusações, o TRF-4 também já condenou quem foi absolvido por Moro, como o caso de Adarico Negromonte Filho, irmão do ex-ministro Mário Negromonte.

O caso do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto é um dos mais rumorosos, já que ele se viu livre de uma pena de 15 anos e quatro meses de prisão — a maior de suas cinco condenações aplicadas por Moro. Enquanto o relator João Pedro Gebran Neto referendou a decisão de Moro, os desembargadores Leandro Paulsen e Victor Laus concluíram que havia contra o petista apenas a palavra de delatores, sem provas, e que não existia entre eles nenhum que tenha dito que negociou ou falou sobre propina diretamente com Vaccari, apenas com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.

Na avaliação dos desembargadores, é possível condenar com um conjunto de indícios, mas cada um deles deve ser certeiro. Esse entendimento foi expresso pelo desembargador João Gebran Neto, relator da Operação Lava-Jato em segunda instância, ao discorrer sobre a importância das provas nas investigações.

“Esta prova indireta deverá ser acima de qualquer dúvida razoável, excluindo-se a possibilidade dos fatos terem ocorrido de modo diverso daquele alegado pela acusação. (…) Os diversos indícios que envolvem o fato probando (cuja existência ainda depende de prova) devem ser analisados em duas etapas, primeiro em relação a cada indício; depois o conjunto deles. Assim, sendo cada indício certo e preciso, pode-se obter a concordância a partir do conjunto, sendo que um único indício, mesmo que certo e grave, pode acarretar na exclusão de um juízo de certeza quanto aquilo que se pretende provar”, escreveu o relator.

DO POSTO DE GASOLINA À MÃE DA DOLEIRA

Os desembargadores também reformaram a decisão de Moro para absolver dois executivos da empreiteira OAS — Mateus Coutinho de Sá Oliveira, que tinha recebido pena de 11 anos, e Fernando Stremel Andrade, apenado em 4 anos. Eles se convenceram com as alegações da defesa. Segundo os advogados, os dois eram funcionários internos da empreiteira, nunca tinham visitado a Petrobras ou colocado o pé numa refinaria. Nenhum dos delatores, disse a defesa, mencionou a participação deles em reuniões ou encontros para discutir propina. Oliveira era o diretor financeiro da OAS, e Andrade, da área administrativa.

Ao analisar o recurso dos dois executivos, o desembargador Victor Laus afirmou que a denúncia contra eles traçou um cenário, seguido pelo juiz de primeiro grau, e observou: “Eu também preciso me convencer de que esse cenário é efetivamente aquele que está na denúncia”.

A mãe da doleira Nelma Kodama, Maria Dirce Penasso, também havia sido condenada a dois anos e um mês por ter cedido seu nome para abrir uma das empresas usadas para remessas ilegais de dinheiro para o exterior. Ao avaliar as provas e os depoimentos de funcionários da doleira, os desembargadores consideraram que não havia provas acima de qualquer dúvida de que Maria Dirce sabia que a empresa aberta em nome dela seria usada para fins ilícitos. Na dúvida, concluíram os desembargadores, a decisão deve ser a favor do réu.

Outro caso de absolvição é o de André Catão de Miranda, funcionário do Posto da Torre, em Brasília, que movimentou dinheiro de origem ilícita e fez depósitos para intermediários de propina. Inicialmente condenado a quatro anos de prisão em regime semiaberto, ele foi absolvido depois da conclusão do TRF-4 de que, como gerente financeiro do posto, sua tarefa no cargo era justamente fazer pagamentos e depósitos para o posto e não havia provas de que, em algum momento, agiu com má-fé ou tinha conhecimento do destino dos valores depositados. Também pesou a favor de Miranda o fato de ele não ter auferido qualquer vantagem pessoal durante o período em que trabalhou para o dono do estabelecimento, o doleiro Carlos Chater.

Para o baiano Adarico Negromonte Filho, um dos 11 irmãos do ex-ministro Mário Negromonte, a decisão do TRF-4, por outro lado, piorou a situação. Adarico foi acusado de fazer entregas de propina do esquema da Petrobras, como funcionário do doleiro Alberto Youssef.

Vários delatores, entre eles o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, disseram ter visto Adarico trabalhando no escritório do doleiro. Quando a PF saiu em seu encalço, ele não se apresentou de imediato e chegou a ser até mesmo procurado pela Interpol. Ao julgar a participação do irmão do ex-ministro nos crimes, em julho de 2015, o juiz Sergio Moro entendeu que não havia provas suficientes para condená-lo, mas os desembargadores do TRF-4 concluíram o contrário. Em abril passado, Adarico foi condenado a oito anos e quatro meses de prisão em segunda instância.

“A meu juízo as provas de que Adarico Negromonte Filho tomou parte nas ações do grupo criminoso são inequívocas”, escreveu o desembargador Leandro Paulsen, revisor da sentença.

MAIOR PARTE DAS SENTENÇAS DE MORO É MANTIDA

Paulsen ressaltou que Adarico chegou a viajar a Canoas, no Rio Grande do Sul, para entregar dinheiro em espécie, uma viagem que não passaria despercebida na rotina de um funcionário comum. Ao depor a Moro, Adarico disse que não se lembrava do episódio. O desembargador chegou a frisar que Adarico, de 70 anos, não era uma pessoa “completamente alheia ao funcionamento regular de uma atividade empresarial”, já que chegou a ser dono de uma loja de pneus antes de ser indicado pelo irmão para trabalhar com o doleiro.

Além de Adarico, o TRF-4 também reformou a decisão de Moro em relação a Waldomiro Oliveira, mas não devido à qualidade de provas. Fornecedor de notas frias para o esquema de Youssef, Oliveira foi julgado em três ações penais. Na primeira delas, foi condenado a 12 anos de prisão. Nas duas outras ações, Moro considerou que havia litispendência (condenação pelo mesmo crime) e absolveu o réu. Os desembargadores reviram as duas absolvições para condenar nas duas ações, o que significou uma pena, somada, de 12 anos e nove meses de prisão.

Das sentenças de Moro na Lava-Jato, no entanto, a maior parte é mantida pelo TRF-4. Das 48 apelações à segunda instância, 14 não sofreram qualquer modificação. Outras 18 tiveram a pena dos réus aumentadas, o que indica maior rigor dos desembargadores. Outras dez tiveram as penas reduzidas.

DECISÕES REVERTIDAS

João Vaccari Neto. O TRF-4 absolveu o ex-tesoureiro do PT de uma pena de 15 anos e quatro meses por considerar que havia contra ele apenas a palavra de delatores, sem que tenham sido produzidas provas.

Adarico Negromonte Filho. Absolvido por Moro, ele foi condenado depois que os desembargadores concluíram que ele entregou dinheiro em espécie a pedido do doleiro Alberto Youssef no Rio Grande do Sul, e que isso não passaria despercebido na rotina de um funcionário comum.

Mateus Coutinho. O ex-diretor da OAS foi absolvido pelo TRF-4 porque os desembargadores concluíram que não havia prova do envolvimento dele com os atos de corrupção investigados e que ele era funcionário interno da empreiteira, sem nunca ter ido à Petrobras ou mantido contato com executivos da estatal.

Maria Dirce Penasso. A mãe da doleira Nelma Kodama foi condenada por ter em seu nome uma empresa usada pela filha para fazer remessas ilegais de dinheiro ao exterior. O TRF-4 concluiu que não havia certeza se ela sabia das atividades ilícitas e que, sem absoluta convicção da culpa, a sentença deve ser favorável ao réu.

Crédito: Cleide Carvalho e Gustavo Schmitt/O Globo – disponível na internet 22/07/2017

Delegada da PF diz que Sérgio Machado não é merecedor de benefícios de delação

O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado – Valor / Luciana Whitaker

Ela entende que acordo de ex-presidente da Transpetro não foi eficaz.

Em relatório entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), a delegada Graziela Machado da Costa e Silva, da Polícia Federal (PF), concluiu que a delação premiada de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, não foi eficaz. Assim, ela opinou que Machado, um dos delatores da Operação Lava-Jato, não é merecedor dos benefícios concedidos. A avaliação foi feita em relatório no qual a delegada entendeu que os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente José Sarney (PMDB) não cometeram o crime de obstrução à Justiça.

Os três são investigados em inquérito aberto no STF com base em gravações feitas por Machado sem o conhecimento deles. Segundo a delegada, foi o próprio delator quem instigou seus interlocutores a tratarem de medidas que poderiam significar tentativa de atrapalhar as investigações da Lava-Jato. Machado teve seu acordo firmado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado pelo ministro Teori Zavascki, antigo relator da Lava-Jato no STF e morto em janeiro deste ano.

“Concluo que, no que concerne ao objeto deste inquérito, a colaboração que embasou o presente pedido de instauração mostrou-se ineficaz, não apenas quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados, bem como quanto aos próprios meios de prova ofertados, resumidos estes a diálogos gravados nos quais é presente o caráter instigador do colaborador quanto às falas que ora se incriminam, razão pela qual entende-se, desde a perspectiva da investigação criminal promovida pela Polícia Federal, não ser o colaborador merecedor, in casu, de benefícios processuais abrigados no Art. 4º da Lei nº 12.850/13”, escreveu a delegada, numa referência ao dispositivo legal que disciplina as delações.

Ela citou decisão tomada pelo STF em junho que validou os procedimentos usados atualmente para homologar um acordo de delação. Mas abriu algumas exceções para que o plenário da corte possa revê-lo ao final do julgamento, dependendo da situação.

Os senadores são acusados de usarem seus cargos para propor medidas legislativas que dificultariam as investigações da Lava-Jato. Numa das conversas, Jucá diz que é necessário “estancar a sangria” da Lava-Jato. Num outro diálogo, Renan fala em mudar a lei e restringir as delações, base das acusações mais explosivas da Lava-Jato contra ele e outros políticos investigados até agora. Com Sarney, Machado discute a derrubada da então presidente Dilma Rousseff para diminuir a pressão das investigações.

“Outro cuidado a ser percebido é que o simples desejo, intenção ou manifesta vontade de impossibilitar a execução ou o prosseguimento da investigação em relação à organização criminosa, críticas, reclamações ou desabafos feitos à condução de determinada investigação, aos agentes investigadores ou mesmo ao juiz, não bastam para caracterização do crime. Assim como estratégias de defesa, requerimento para trancamento de inquérito ou ação penal, apresentação de recursos judiciais, não poderiam ser interpretados como embaraço à investigação no sentido criminoso da verbo previsto no dispositivo em comento”, opinou a delegada.

Assim, disse ela, é preciso analisar se eles realizaram de fato atos que pudessem embaraçar a Lava-Jato. A delegada concluiu que não há provas disso. Segundo ela, opiniões críticas às investigações são inerentes à atividade parlamentar. “Fato é que, ainda que tivessem sido apresentadas propostas legislativas para alterar o ordenamento vigente, tais iniciativas não podem, jamais, ser criminalizadas”, avaliou a delegada.

Ainda assim, ela apontou relatório feito pelo agente da PF Alan Jonathan Pereira Testi. “Não foram identificadas medidas propostas ou defendidas por ambos relacionadas diretamente à leniência, colaboração premiada e execução da pena após condenação em segunda instância, temas que seriam objeto dessa articulação parlamentar com propósito específico de beneficiar os agentes políticos investigados na Operação Lava Jato”, afirmou a delegada.

Os três políticos também são suspeitos de ter tentado interferir no Judiciário contra Lava-Jato. O alvo seria o próprio Teori. Novamente, a delegada Graziela Machado não encontrou provas.

Os investigados – que chegaram a ser alvos de um pedido de prisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mas indeferido pelo STF – negam as acusações de que tentaram atrapalhar a Lava-Jato. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende Sarney e Jucá, classificou a delação de “fragilíssima” e espera que o inquérito seja arquivado. Mas destacou que cabe ao Ministério Público Federal (MPF), e não à PF, propor isso.

— Ele (Sérgio Machado) tentava provocar os senadores que estava covardemente gravando. Acho que ele perder os benefícios é a consequência absolutamente lógica dessa investigação frustrada. Esperamos evidentemente a manifestação do Ministério Público que é quem tem a última palavra sobre o arquivamento do inquérito — afirmou Kakay.

Crédito André de Souza/O Globo – disponível na internet 22/07/2017

1 Comentário

  1. Espero que os desembargadores do TRF 4 nunca se esqueçam de que vigaristas , estelionatários e corruptos não deixam rastros. Lavagem de dinheiro que deixa pista não é lavagem, é aplicação financeira.
    De qualquer forma é uma tarefa insana que esses desembargadores e o juiz Sergio Moro tem a desempenhar nesses processos, que são um enorme desafio.
    De qualquer forma, para mim o juiz Sergio Moro é um pioneiro, porque “nunca antes na história deste país”eu vi políticos e gente rica atrás das grades. Até aqui só se via gente pobre, geralmente pertencente a minorias, como negros, e mulheres.

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