Eleições 2018: Os obstáculos do voto útil em Ciro ou por vitória de Bolsonaro no 1º turno

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Se você cogita ou já cogitou deixar de votar no seu candidato preferido para apostar em alguém que pode ter mais chances de vencer ou de influenciar o resultado eleitoral, você se enquadra entre os que consideram lançar mão do chamado “voto útil”.

Nas últimas semanas, por causa da alta rejeição dos dois candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto – Jair Bolsonaro (PLS) e Fernando Haddad (PT) –, voto útil virou o termo do momento nos discursos dos candidatos, nas redes sociais e na imprensa.

Ele resume a estratégia do eleitor de abandonar o candidato de sua preferência para apostar em alguém com mais chances de vitória. É uma decisão pragmática, que pode ser tomada tanto para não “desperdiçar” o voto em alguém que aparentemente não tem chances de ganhar quanto para evitar a vitória de um candidato considerado “pior” na avaliação do eleitor.

Segundo especialistas, a lógica que tem norteado esse discurso na eleição deste ano é a de tentar impedir a vitória de Bolsonaro ou de Haddad. Mais importante do que o peso das propostas de cada político, evitar um “mal maior” pode estar norteando o comportamento de parcela dos eleitores.

“Não me lembro de ver um cenário em que os dois candidatos que lideram sejam tão rejeitados. Essa alta rejeição pode estar influenciando o pensamento de voto útil”, diz a professora Maria do Socorro Braga, coordenadora do Núcleo de Estudo dos Partidos Políticos Latino-americanos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Segundo a pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta, Bolsonaro e Haddad chegariam ao segundo turno com percentuais maiores de rejeição do que de votos. O candidato do PSL aparece com 35% das intenções de voto e 45% de rejeição. Haddad tem 22% das intenções de voto e 40% de rejeição.

A ideia de solução ‘anti-PT’ no primeiro turno

Bolsonaro e Haddad
Parcela do eleitorado que é ‘anti-PT’ acima de tudo vem defendendo ‘voto útil’ em Bolsonaro por vitória num primeiro turno contra Haddad. Mas especialistas alertam que esse cenário é difícil de se viabilizar. Direito de imagem REUTERS

Com o crescimento acima da margem de erro de Bolsonaro nas última pesquisas Ibope e Datafolha, especialistas identificam um fortalecimento do discurso de um “voto útil” no ex-capitão do exército, na esperança de “derrotar o PT” no primeiro turno.

“Pode haver um voto útil de um setor mais à direita que, embora não concordando com Bolsonaro em vários pontos, transfere o voto a ele na reta final num esforço por uma vitória no primeiro turno”, afirma Maria do Socorro Braga, da UFSCar.

Mas, por causa da alta taxa de rejeição, não será tarefa fácil para o candidato do PSL alcançar o critério de 50% dos votos válidos (que excluem brancos e nulos) para encerrar a disputa com uma vitória no domingo.

Atualmente, segundo a pesquisa Datafolha, Bolsonaro aparece com 39% dos votos válidos e Haddad, com 25%.

“Assumindo que Bolsonaro tenha, de fato, cerca de 30% das intenções de voto, ele precisa subir próximo a 10 pontos percentuais para levar no primeiro turno, o que é uma subida não desprezível”, diz a cientista política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPES) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Isso significaria, por exemplo, esvaziar os votos de Marina Silva, João Amôedo, Henrique Meirelles e Álvaro Dias. “O que os institutos de pesquisa dizem é que os eleitores cada vez mais estão decidindo o seu voto muito tarde. Se isso é verdade, ainda tem espaço para movimentação e alguém vencer no primeiro turno. Eu acho improvável, mas é possível”, completa Mesquita.

“É muito difícil que, numa eleição tão fragmentada, alguém consiga aglutinar todos os votos necessários para ganhar no primeiro turno. Seria mais fácil se as taxas de rejeição fossem menores”, pondera Andrea Freitas, professora de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O voto útil anti-Bolsonaro ou anti-polarização

Ciro Gomes e Alckmin
Ciro Gomes e Geraldo Alckmin tentam capitalizar votos de quem não quer nem PT nem Bolsonaro como presidente da República. Direito de imagem NELSON ALMEIDA/APF

No campo dos que querem garantir a derrota de Bolsonaro – ou viabilizar a vitória de um político que não personifique a atual polarização – o discurso do voto útil tem sido usado, principalmente, para defender a ida de Ciro Gomes (PDT) ao segundo turno.

Com 11% das intenções de voto, o candidato do PDT tem como um dos motes da campanha o argumento de que um voto nele evitaria a “polarização extrema”, com uma disputa entre PT e Bolsonaro.

Os defensores de Ciro Gomes também argumentam que o ex-governador do Ceará é o “mais capaz” de derrotar Bolsonaro num segundo turno. Segundo a última pesquisa Datafolha, Ciro venceria no segundo turno com 48% dos votos, contra 42% do candidato do PSL.

Bolsonaro aparece, no Datafolha, em empate técnico num segundo turno com Haddad ou com o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.

Aliás, o tucano tenta atrair o “voto útil” com um argumento semelhante ao de Ciro, mas focando em dizer que seria mais capaz do que Bolsonaro de derrotar o PT nas urnas.

Em um segundo turno com Haddad, Alckmin venceria com 42% dos votos, contra 38% do petista. No entanto, o candidato do PSDB está estacionado em quarto lugar nas pesquisas para o primeiro turno, com 8% das intenções de voto.

Falta de consenso sobre o nome da ‘terceira via’

Embora essa retórica de voto útil em uma “terceira via” tenha sido forte na campanha, a cientista política Lara Mesquita, da FGV, diz que ela não se refletiu em resultados nas últimas pesquisas de intenção de voto.

“Não vejo Bolsonaro e Haddad sendo abandonados por esse tipo de busca por uma terceira via. Até porque a terceira via está muito fragmentada, não está claro para onde o eleitor deve ir”, afirmou à BBC News Brasil.

Andreia Freitas, da Unicamp, também avalia que, para mudar o cenário de segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, seria preciso uma transferência “coordenada” dos votos a um único candidato.

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Ciro tenta conquistar votos com o argumento de que seria o mais capaz de derrotar Bolsonaro num segundo turno. Mas ele aparece estacionado em terceiro com 11% das intenções de voto nas pesquisas Ibope e Datafolha. Direito de imagem ANA CAROLINA FERNANDES/REUTERS

“Há quem defenda agrupar votos numa terceira força. Mas, se isso não for feito de forma coordenada, não adianta, porque não há um candidato perto de alcançar os percentuais dos primeiros colocados”.

Já Maria do Socorro, da UFSCar, avalia que essa transferência ainda pode ocorrer à medida que a eleição se aproxima, já que muitos eleitores admitem a possibilidade de mudar de voto até o dia 7 de outubro.

“Quem vai se beneficiar será o candidato com maior capacidade de atrair votos da esquerda, do centro e de direita que não querem Bolsonaro nem Haddad. Nesse sentido, foi boa estratégia de Ciro Gomes de indicar uma vice (Kátia Abreu) ligada ao setor agropecuário”, diz.

Quem mais perdeu com o voto útil

Marina Silva
Marina Silva (Rede) é quem mais perdeu com o discurso de voto útil. Ela começou a campanha com 16% das intenções de voto no Datafolha e despencou para 4%. Direito de imagem SEBASTIAO MOREIRA/EPA

As especialistas ouvidas pela BBC News Brasil concordam que Marina Silva (Rede) é, aparentemente, quem mais perdeu com o discurso de voto útil. Ela começou a campanha com 16% das intenções de voto no Datafolha e despencou nesta semana para 4%.

“Marina Silva foi quem mais perdeu. Os eleitores a abandonaram mais rapidamente que aos demais. Ela teve dificuldade, num primeiro momento, em traduzir as suas ideias em propostas claras. Isso acabou afetando. No campo do centro e da esquerda, ela acaba perdendo votos para Haddad e Ciro Gomes”, explica Maria do Socorro, da Universidade de São Carlos.

Alckmin também teria sido afetado pelo voto útil em Bolsonaro, conforme as especialistas. Segundo Andrea Freitas, embora historicamente o PSDB fosse identificado como a principal força no embate com o PT, nestas eleições o ex-governador de São Paulo não conseguiu se apropriar dessa função, perdendo espaço para o candidato do PSL.

“O Alckmin, embora não tenha caído de forma explícita, me parece que sofre especialmente com o voto útil e a ascensão de Bolsonaro. O PSDB sempre incorporou essa agenda neoliberal e a característica anti-petista, mas dessa vez não foi capaz de propagar essa imagem”, disse.

A eleição do ‘medo’

Independentemente de o discurso do voto útil se traduzir ou não em transferência efetiva de votos nas urnas, o fato de o termo ter assumido tanta evidência no primeiro turno revela o alto grau de polarização dessas eleições.

Segundo especialistas, a escolha por propostas pode estar sendo substituída pelo combate à “agenda pior”. Nesse sentido, o “medo” tem sido o motor dos votos de parcela do eleitorado.

“De um lado, há um medo enorme de que o PT volte ao poder. De outro, o medo enorme de uma agenda proposta por Bolsonaro. A sensação é que essa eleição vai ser definida por isso, pelo medo”, define a professora Andreia Freitas, da Unicamp.

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