Maioria do STF apoia tese que pode anular condenações da Lava Jato

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A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira que réus delatados devem se manifestar por último no processo penal. No entanto, ainda está em aberto qual será o alcance desse entendimento no sentido de anular condenações penais dentro e fora da Operação Lava Jato. O julgamento, que foi marcado por discussões calorosas entre os ministros, será retomado na próxima quarta-feira, para definição desse ponto.

Independentemente do que vier a ser resolvido, a decisão não deve colocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em liberdade porque não houve participação de delatores na sua condenação no caso do Tríplex do Guarujá. É por causa desse processo, cuja sentença do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que o petista está preso há mais de um ano em Curitiba.

No entanto, o julgamento do STF pode anular a sentença que considerou o petista culpado por corrupção passiva e lavagem dinheiro no caso do sítio de Atibaia.

Votaram no sentido de que delatados devem ter prazo superior ao de réus colaboradores para apresentar as alegações finais no processo os ministros Alexandre de Moraes; Rosa Weber; Cármen Lúcia; Ricardo Lewandowski; Gilmar Mendes e Celso de Mello. Na visão deles, a diferença de prazo é necessária para garantir o amplo direito à defesa dos réus delatados.

Já os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux consideraram que não há necessidade de prazo diferenciado porque as alegações finais não são um estágio do processo de “inovação probatória”, em que se trazem fatos novos ao caso. O ministro Marco Aurélio deixou a sessão antes do término e ainda não se manifestou.

Ao suspender a sessão, o presidente do STF, Dias Toffoli, adiantou que vai acompanhar a maioria no entendimento de que deve haver diferença de prazo, mas afirmou que trará uma proposta de limites para a aplicação da decisão.

O julgamento em questão está analisando um pedido de habeas corpus apresentado em dezembro do ano passado pelo ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado na Lava Jato a 10 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Sua defesa solicitou a Moro que fosse dado prazo superior para sua manifestação, após a alegação final dos delatores, mas não foi atendida.

A decisão sobre esse caso concreto criará um precedente que orientará decisões de juizes em casos semelhantes. Caso condenações sejam anuladas, os processos terão que retornar à fase de alegações finais em primeira instância, para que sejam refeitos a partir dessa etapa.

“Adianto que meu voto será pela concessão (do habeas corpus), mas eu trarei delimitações a respeito da aplicação. Se a Corte vai acompanhar ou não tais delimitações é uma outra situação que veremos na próxima sessão, inclusive tendo a oportunidade do ministro Marco Aurélio (votar)”, disse Toffoli.

“É um tema importantíssimo, é importante que os onze estejam votando e que os onze juízes decidam sobre a tese e orientem todo o sistema de Justiça de uma maneira bastante clara”, reforçou.

Qual pode ser o impacto da decisão?

Não está claro quantas condenações poderão ser anuladas a partir desse julgamento do STF. A Procuradoria-Geral da República inicialmente falou em “centenas de casos” e depois elevou sua projeção para “milhares”, considerando também processos fora da Lava Jato. No caso da operação iniciada no Paraná, poderiam ser afetadas mais de 30 sentenças proferidas por Moro antes de se tornar ministro, quando era juiz da 13ª Vara em Curitiba.

Fux tentou sensibilizar seus colegas argumentando que a decisão teria grande impacto sobre a Lava Jato.

“Os juízes, ao decidir, devem ter em mente as consequências daquele resultado judicial e, nesse sentido, eu tenho absoluta certeza de que nós vamos debater aqui uma modulação dessa decisão para que ela não seja capaz de pôr por terra toda uma operação que visou colocar o país no padrão ético e moral que ele merece”, destacou.

Gilmar Mendes, hoje o maior crítico da operação dentro do STF, rebateu dizendo que a PGR não apresentou um levantamento de fato sobre o possível impacto do julgamento.

“Há muita lenda urbana em torno disso. As pessoas não trazem números e mentem de forma deslavada”, reclamou.

O julgamento não deve impactar a condenação de Lula no caso do Tríplex do Guarujá porque não havia delatores naquela ação. Um dos réus, o ex-presidente da construtora OAS Léo Pinheiro, fez acusações contra o ex-presidente enquanto negociava acordo de colaboração premiada, mas ele só foi aceito pela PGR no fim de 2018 e homologado neste mês pelo STF.

Já no caso do Sítio de Atibaia, em que Lula foi condenado em primeira instância e aguarda julgamento do TRF-4, houve atuação de delatores, o que pode levar a condenação a ser anulada.

No entanto, a Segunda Turma deve analisar um recurso mais amplo do petista até novembro, que tem potencial de anular todos os processos contra ele originados na 13ª Vara de Curitiba, caso os ministros entendam que Moro agiu com parcialidade ao conduzir os processos de Lula. Se esse pedido for acolhido, o ex-presidente será posto em liberdade e terá seus direitos políticos restabelecidos. Vão analisar o recurso Fachin, Cármen Lúcia, Lewandowski, Mendes e Celso de Mello.

Em geral, são as turmas que julgam casos criminais. Isso foi implementado após o julgamento do escândalo do Mensalão, com objetivo de desafogar o plenário do STF. Porém, alguns casos criminais de maior relevância envolvendo questões constitucionais podem ser remetidos ao plenário.

Argumentos pró e contra anulação das condenações

Os ministros que votaram pela necessária diferenciação de prazo nas alegações finais entre delatados e delatores consideram que os últimos, embora também sejam réus nas ações, atuam mais como acusação. Dessa forma, na visão da maioria do STF, deveriam seguir as regras previstas para o Ministério Público, que sempre se manifesta antes da defesa, para que os réus possam dar sua palavra final contra as acusações.

Ao votar, Lewandowski disse que “não se impressionava” com o argumento sobre a gravidade das denúncias de corrupção, destacando que muitos casos da Lava Jato já foram arquivados por falta de provas que corroborassem as versões de delatores. Também disse que “não se impressionava” com a possibilidade de várias condenações serem anuladas, porque considera que o mais importante é garantir o amplo direito à defesa previsto na Constituição.

“O que está em jogo aqui é um dos valores fundantes do Estado Democrático de Direito, exatamente o direito ao contraditório e à ampla defesa. Eu ousaria dizer que sem esses valores não há Estado Democrático de Direito”, argumentou.

Já os que votaram contrariamente ressaltaram que não há na legislação que trata das delações premiadas previsão de que os prazos tenham que ser diferentes. Ressaltaram ainda que, segundo o Código de Processo Penal, só se deve anular um ato jurídico quando ficar comprovado que houve prejuízo a uma das partes.

“Garantismo (corrente jurídica que dá mais peso ao direito à defesa) significa direito de saber do que se é acusado, direito de apresentar defesa, direito de produzir provas, direito de ser julgado por um juiz imparcial e direito a um recurso”, argumentou Barroso.

“Garantismo não significa direito a um processo que não funcione, que não acabe, que sempre produza prescrição, e, se por fatalidade e excepcionalmente acabar sem produzir prescrição, aí anula-se tudo”, criticou o ministro.

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