Penduricalho de R$ 528 milhões da AGU é alvo de ações no STF

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Valor se refere aos chamados honorários de sucumbência pagos a advogados da União

A Advocacia Geral da União (AGU) já repassou R$ 528 milhões aos seus advogados entre janeiro e outubro de 2019. O montante é ligeiramente maior que o pago em 2018 no mesmo período: R$ 507,5 milhões. O valor se refere aos chamados honorários de sucumbência pagos a advogados a União, mas que também são pagos a advogados públicos de vários estados. Esse benefício é defendido pelo atual advogado-geral da União, André Mendonça, mas é alvo de 27 ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma dela está pronta para ser julgada desde abril deste ano, mas não há previsão de quando ela entrará na pauta.

Os honorários de sucumbência a advogados da União estão previstos em uma lei federal de 2016. Eles correspondem ao valor que a parte derrotada em uma disputa judicial é obrigada a pagar à defesa do vencedor de uma ação. Todas as vezes que a União vence uma causa e a parte derrotada paga esses honorários, o valor é rateado entre os advogados da União. Tecnicamente, o dinheiro não é oriundo do pagamento de impostos, mas só é recebido devido à atuação de advogados pagos pelo contribuinte. Os advogados públicos recebem cotas variáveis, a depender do valor das causas vencidas pela AGU a cada mês. Os profissionais não têm o benefício incorporado ao 13º salário, ou às férias.

O advogado-geral da União, André Mendonça, é um dos beneficiários do pagamento de honorários Foto: Divulgação
O advogado-geral da União, André Mendonça, é um dos beneficiários do pagamento de honorários Foto: Divulgação

 

 

O advogado-geral da União, André Mendonça, que enviou ao STF um parecer favorável ao pagamento de honorários a servidores do órgão, é um dos beneficiários desse pagamento. Em outubro deste ano, ele recebeu R$ 7,9 mil a título de honorários de sucumbência. Esse valor ajudou a fazer os rendimentos brutos de Mendonça superarem o teto constitucional.

Em outubro, seus vencimentos brutos foram de R$ 45,8 mil, enquanto o teto é de R$ 39,2 mil. O valor sofreu um corte de R$ 6.571,19, justamente para se adequar ao teto do funcionalismo público, que é de R$ 39,2 mil, o equivalente ao salário de um ministro do Supremo. Após todos os descontes, Mendonça recebeu um salário líquido de R$ 38,1 mil.

Em defesa da instituição, Mendonça argumenta que os honorários são uma forma de melhorar a remuneração da carreira, que seria defasada em relação a outras do setor público, sem onerar os cofres públicos. Ele também ressalta que o benefício estimula a produtividade dos servidores.

– Essa questão de honorários sem dúvidas traz incompreensões e polêmicas, mas eu penso que é fruto de desconhecimento. Desde que eu estou no serviço público, há 20 anos, eu ouço reclamações de que o servidor público deveria ser remunerado pela produtividade. É um pouco o que as empresas privadas fazem: se você alcança metas e resultados, você vai ter uma melhor remuneração. Os honorários é a implantação dessa sistemática – afirma o advogado-geral.

PGR deu parecer contra pagamento

Os honorários de sucumbência também existem na iniciativa privada. Por definição, o valor existe para custear a manutenção dos escritórios de advocatícia.

Mas, no caso dos advogados públicos, essa despesa não existe, porque a estrutura usada é pública. Esse ponto foi ressaltado pela ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em um parecer assinado por ela na ação proposta ao STF contra o pagamento do benefício a integrantes da AGU. O caso chegou à Corte no fim do ano passado.

“Ora, os advogados públicos não têm despesas com imóvel, telefone, água, luz, impostos, nem qualquer outro encargo. É a Administração Pública que arca todo o suporte físico e de pessoal necessário ao desempenho de suas atribuições”, escreveu Dodge. A procuradora acrescentou que os advogados públicos já são remunerados pelos serviços prestados. Portanto, o pagamento de honorários seria “incongruente”, já que seria o papel da categoria atuar nos processos judiciais.

Também na ação, Dodge lembrou que os valores pagos a título de honorários a advogados públicos “vêm aumentando progressivamente com o passar do tempo”. Segundo ela, “é bastante provável que em breve os valores recebidos pelos advogados públicos federais – aí somados os subsídios com a referida verba – superem a remuneração dos membros da mais alta Corte do País”.

Sobre a possibilidade de se extrapolar o valor limite, Dodge afirmou que “se instituiu o teto constitucional com a finalidade de limitar a elevação desmedida dos valores percebidos pelos servidores públicos da Administração Pública, viabilizando, desse modo, maior controle dos gastos públicos, e evitar distorções entre cargos com atribuições semelhantes”. Para ela, desobedecer essa regra é uma “ofensa aos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade e supremacia do interesse público”.

Na ação, Dodge também questiona a forma como os honorários são pagos no setor público. Por lei, os honorários devem ser pagos aos profissionais diretamente responsáveis pelo ganho de uma causa. Mas, na prática, são somados todos os honorários do mês. O valor é dividido pelo número de advogados do órgão. Ou seja: mesmo quem não participou da ação específica recebe o benefício.

A reportagem questionou a assessoria de imprensa da PGR para saber se o posicionamento do órgão, agora sob o comando de Augusto Aras, mudaria em relação ao de Dodge. A PGR disse o órgão irá se manifestar sobre ações movidas por Dodge à medida em que os processos forem devolvidos ao órgão ou forem levados a julgamento pelo Supremo.

Em fevereiro, André Mendonça encaminhou ao STF um parecer favorável ao pagamento dos honorários. O documento, elaborado pelo advogado da União Raul Lisbôa, explica que a AGU tem atuação nacional, com “regras muito próprias de movimentação de membros entre os diversos órgãos de execução”. Essa circunstância “impõe que os honorários advocatícios sejam repassados ao conjunto dos advogados públicos”.

Ainda no parecer, a AGU argumenta que “a determinação legal de repasse dos honorários advocatícios é absolutamente consentânea com o disposto na Constituição, que incentiva a qualidade e a produtividade na prestação do serviço”.

Segundo o parecer, “a percepção de honorários pelos membros da AGU dependerá do êxito de sua atuação. Prestigia-se, destarte, a prestação eficiente do serviço, que será aferida por critérios técnicos e objetivos”. Segundo dados do órgão, a estratégia funciona. Em 2013, foram recuperados e economizados para os cofres públicos R$ 157,5 bilhões, devido a causas ganhas na Justiça. Em 2019, até outubro, o resultado foi de R$ 255 bilhões.

Os honorários foram instituídos na AGU a partir da aprovação de um projeto de lei em 2016. Em negociação com o governo, o então advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, reclamou que outras carreiras jurídicas, como o Ministério Público e a magistratura, tinham salário final maior, porque contavam com adicionais e outros benefícios – como o auxílio-moradia, que estava em voga na época.

Segundo dados da AGU, em 2015, um integrante da AGU recebia, em média, 43% do vencimento de um membro do Ministério Público. A solução dos honorários foi negociada porque não representava gastos para o poder público.

As outras 26 ações que tramitam no STF questionam o pagamento de honorários a advogados públicos nos estados. Elas foram sorteadas para vários relatores e não têm previsão de serem julgadas. A ação principal, que trata da AGU, é de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello. Em abril deste ano, ele liberou o processo para ser julgado, mas o presidente da Corte, Dias Toffoli, ainda colocou o caso na pauta do Supremo.

Crédito: Leandro Prazeres e Carolina Brígido/ O Globo – disponível na internet 13/12/2019

 

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