Regular, privatizar ou cartelizar: o que devemos cobrar do Governo Federal na agenda liberal para a economia?

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O Presidente Jair Bolsonaro foi eleito com três bases de argumentação essenciais para sua plataforma eleitoral: 1. Combater o descalabro em que o Brasil se encontra no tocante às políticas de segurança pública; 2. Moralizar as relações internas e externas da política, em particular as relações entre os poderes da Federação, com ênfase nas concessões que o Executivo pode fazer para o Legislativo para conseguir governar; e 3. Revisar a política econômica dos governos neoliberais, particularmente a dos últimos anos, estabelecendo uma agenda de economia de livre mercado.

Sobre os itens 1 e 2, muito há que ser dito, debatido e concluído. Os influenciadores sociais e culturais estão provendo dados e informações para a sociedade em quantidades nunca antes vistas no Brasil, quer seja por meios da imprensa digital livre e independente formalmente instituída, quer seja por meio da imprensa tradicional, com o intuito de produzirem algum conhecimento novo sobre esses temas. Muitos articulistas têm se debruçado sobre vários assuntos afeitos as temáticas mencionadas, mas por enquanto não há conhecimento sendo efetivamente gerado. O debate está franco e honesto, salvo indesejáveis “fake news” ou inquéritos com caráter persecutório dali ou de acolá. Esses itens estão fora do escopo deste artigo.

Quanto ao item 3, a agenda liberal deve ser melhor entendida e, certamente, buscada para o bem maior da indústria nacional. Ao mencionar “indústria”, vale o juízo de Economia Industrial, portanto englobando os setores empresariais extrativistas, de transformação ou de serviços, bem como suas relações comerciais.

Uma agenda econômica liberal não pressupõe abandono por parte do Estado em regular a indústria. Em muitos casos, é fato que atualmente a mão do Estado está muito pesada, dificultando as micro, pequenas e médias empresas conseguirem se estabelecer ou, ainda mais triste, sobreviver dada as cargas regulatória e fiscal exageradas ou, em muitas vezes, descabidas. É dito e reconhecido que o Estado é considerado o sócio mais importante das empresas nacionais, posto que retém em alguns casos mais de 40% da sua arrecadação bruta, interferindo significativamente na competividade da indústria nacional, tanto no que tange as relações econômicas internas quanto em relação ao comércio exterior.

Em algumas circunstâncias, entretanto, algum tipo de intervenção por parte do Estado pode ser bem-vinda. Aliás, muitos setores empresariais espontaneamente DEMANDAM ação do Estado para regular e, em consequência, aprimorar ou mesmo permitir a competividade. Em essência, o Estado regulador, sem pesar demasiadamente com ônus nas relações comerciais, faz bem para a Indústria e permite uma franca relação de competição. Regras claras são o norte para qualquer forma de regular a economia, incluindo o estabelecimento de regulamentos técnicos acordados previamente com os atores envolvidos. A manutenção dos acordos garante a estabilidade regulatória e a segurança jurídica que o empresário precisa para investir em aumento da produção gerando, por consequência, mais empregos e melhor renda para os seus colaboradores, empregados e parceiros comerciais.

O Inmetro é um agente regulador de importância ímpar no cenário nacional. O Inmetro é, por força de lei, a autarquia responsável por regular nas  áreas  de avaliação da conformidade de produtos, insumos e serviços, desde que não constituam objeto da competência de outros órgãos ou entidades da administração pública federal. O Inmetro atua nas áreas de segurança, proteção da vida e da saúde humana, animal e vegetal, proteção do meio ambiente e prevenção de práticas enganosas de comércio. O core business do Inmetro é a Metrologia, ou seja, a Ciência da Medição e suas aplicações. As atividades de Pesquisa Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Transferência de Tecnologia (PCDTTT), incluindo a difusão da cultura metrológica por meio da formação técnica e acadêmica de mão de obra qualificada, é um dos meios utilizados pelo Inmetro para cumprir sua missão legalmente instituída.

Em relação à Metrologia Legal, o Inmetro é, com o perdão do trocadilho, o fiel da balança. Sem a atuação ampla, geral e irrestrita da Metrologia Legal, não seria possível afirmar, por exemplo, que o cidadão consumidor ao comprar 10 litros de combustível em um posto de gasolina teria, efetivamente, esse volume entregue. Para garantir a troca comercial justa existem os Regulamentos Técnicos Metrológicos (RTM), publicados por meio das Portarias da Diretoria de Metrologia Legal (Dimel) do Inmetro. Entretanto, é virtualmente impossível o Estado atuar em todas as frentes da metrologia legal, ou em qualquer outra área da avalição da conformidade. Outro exemplo: o Inmetro não teria condições de inspecionar todos os veículos que transportam cargas perigosas no Brasil. O que se faz, então, é estabelecer um Regulamento Técnico definindo atribuições e cobrando competências sobre como a avaliação da conformidade se dará. Esta regulação particular, inspeção de  veículos, é de competência da Diretoria de Avaliação da Conformidade (Dconf), a qual faz uso dos Requisitos de Avaliação da Conformidade em Regulamentos Técnicos sob sua égide.

Em geral, no Brasil se adota o esquema de avaliação  de terceira parte, na qual um Organismo de Avaliação da Conformidade (OAC) passa por um crivo de acreditação segundo critérios técnicos apropriados e previamente discutidos com a sociedade para, enfim, realizar, sob regulação do Estado, a atividade de avaliar a conformidade do produto ou serviço alvo do regulamento técnico em questão. Esse é um exemplo de terceirização com princípios técnicos bem definidos, comunicados, acordados e cumpridos. Seria legalmente possível delegar, por exemplo, todas as calibrações de balanças de açougue para um único laboratório? Sim, eventualmente seria, mas essa prática não seria típica de uma economia liberal. Não haveria terceirização do serviço público neste suposto exemplo, mas cartelização. Essa prática deve ser condenada e não pode fazer parte do entendimento de um Estado justo para com os setores empresariais, economicamente modernizado e em favor da Indústria nacional.

Retornando ao caso das bombas de combustível, esse artigo tem a intenção de chamar a atenção para uma situação peculiar. A Portaria Inmetro nº 294/2018 dá nova redação à alínea “e” do subitem 10.2.2.1 do RTM aprovado pela Portaria  Inmetro nº 559/2016, definindo que a verificação  do  abastecimento  de  combustível  deve ser finalizado  e  devidamente  assinado  com certificado digital da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Em seguida, na portaria há uma extensa matéria sobre como este certificado digital deve funcionar tecnicamente. Este assunto foi tema de muito trabalho realizado por técnicos do Inmetro e da sociedade civil organizada, resultando em um RTC com viés republicano incontestável. O artigo 21 é taxativo quanto ao regulador responsável pela matéria. Foi acrescida a subdivisão 5.3.2 neste artigo, cuja redação é a seguinte: “O  certificado  digital  e  os  algoritmos  criptográficos  utilizados no  processo  de assinatura  digital  mencionado  neste  RTM  são  definidos  conforme regulamentos  da  ICP-Brasil  e  do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).”

Pois bem, com base na redação deste RTM, está claro o respeito às esferas de competência técnica. O Inmetro, nas suas indelegáveis atribuições, atende aos fulcros da Constituição Federal de 1988 em seu Art. 22 inciso VI: ““… a Constituição reserva privativamente à União a normatividade sobre a metrologia”. Entretanto, em matéria relativa à segurança digital, o RTC sobre bombas medidoras de combustíveis líquidos remete ao ITI fazer uso de suas competências, em particular “adotar as medidas necessárias e coordenar o funcionamento da ICP-Brasil”.

É importante salientar, resgatando a pergunta-título deste artigo, que o ITI tem, dentre outras competências, a de homologar, auditar e fiscalizar a Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil (AC-Raiz) e os seus prestadores de serviço.

Assim sendo, a Portaria Inmetro nº 294/2018 em seu artigo 21 assegura a soberania nacional, mantém o Estado como agente regulador, permite a terceirização técnica responsável e competente e delega a um ente público, o ITI, a responsabilidade sobre o regramento para esta terceirização. Não há cartelização possível no atual regramento.

Rodrigo P.B. Costa-Felix. Servidor do Inmetro

Por fim, respondendo à questão: “Regular, privatizar ou cartelizar: o que devemos cobrar do Governo Federal na agenda liberal para a economia?”.

Neste artigo, eu pretendo deixar claro que um bom agente regulador estimula o livre mercado, atuando na privatização técnica e evitando cartelização dos serviços típicos de Estado.

 

Crédito: Rodrigo P.B. Costa-Felix. Servidor do Inmetro – artigo publicado no dia 25/03/2019

1 Comentário

  1. Vale relembrar que os equipamentos medidores de gás natural veicular até hoje operam sem lacre, sujeitando o consumidor a ser fraudado ao abastecer seu veículo com GNV. Até hoje a Diretoria de Metrologia Legal não se dignou a aprovar o regulamento que permite lacrar os equipamentos e impedir fraude nas vendas. Até quando???

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