Para que serve a tal missão organizacional?

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Mostra a importância da missão organizacional no contexto do serviço público. Porém, muito do que é dito, aplica-se igualmente a empresas.
 

1. O QUE É A MISSÃO ORGANIZACIONAL

Nas sociedades modernas, para que as vantagens da especialização possam ser exploradas ao máximo, as organizações produzirão para atender a necessidades de pessoas que não são seus membros, geralmente, com recursos de propriedade de outras pessoas, que também não são membros da organização. Elas recebem de fora o que precisam, em troca do desempenho de uma determinada função para a sociedade.

Assim sendo, as organizações modernas não são fins em si mesmas, no sentido de que elas não existem para atender às necessidades de seus próprios membros, mas para atender a pessoas de fora. Nas palavras de Peter Drucker:

“Cada uma de nossas instituições hoje existe para contribuir para fora de si mesma, para suprir ou para satisfazer não-membros. Empresas existem para fornecer bens e serviços para clientes e superávit econômico para a sociedade, ao invés de para fornecer empregos para trabalhadores e gestores, ou mesmo dividendos para acionistas. Empregos e dividendos são meios necessários, mas não fins. O hospital existe não por causa dos médicos e enfermeiras, mas por causa dos pacientes cujo único desejo é sair do hospital curado e nunca mais voltar. A escola existe não por causa dos professores, mas para os estudantes. Para a gestão, esquecer isto é má gestão” (DRUCKER, 2008, p.29).

Apenas uma organização burocratizada (no mau sentido da palavra) justifica a sua existência não pelo fato de oferecer um determinado benefício para a sociedade, mas simplesmente pelo fato de existir, de ter existido desde há muito tempo ou de ter sido criada por determinada lei, ainda vigente.

Quando isso acontece a uma organização privada, quando deixa de gerar benefícios para os seus clientes que ultrapassem os custos incorridos, em breve, ela morrerá. Ao passar a se considerar um fim em si mesma, deixa de beneficiar a sociedade; em algum tempo, deixará de receber o auxílio da sociedade também.

Ao passar a se considerar um fim em si mesma…; em algum tempo, deixará de receber o auxílio da sociedade…

Eventualmente, porém, acontece de uma organização burocratizada, ensimesmada, ao enfrentar os problemas naturais de sua condição, ser auxiliada pelo governo, ser estatizada, tornar-se uma organização pública. Então a sua vida se prolonga artificialmente. Ela é mantida, talvez durante muitos anos, como um cadáver com vida artificial. Ela existe, consome recursos, mas passou a gerar resultados irrelevantes, senão negativos, para a sociedade. Ela passa a servir prioritariamente aos seus próprios membros. A vida mantida artificialmente, porém, cria um ambiente interno sórdido, moralmente insalubre, com efeitos muito negativos sobre a vida profissional e pessoal dos trabalhadores.

É por essas razões que toda organização, reconheça ou não o fato, tem a necessidade fundamental de, periodicamente, perguntar-se ‘qual é a sua razão de ser’, que contribuição ela tem dado ao todo e qual deverá ser esta contribuição no futuro. Pode-se conceituar missão organizacional como a função da organização na sociedade, a contribuição da organização para a sobrevivência e/ou progresso da sociedade.

É necessário, contudo, distinguir a “missão” e a “declaração de missão”. A missão é uma ideia complexa, que para ser adequadamente compreendida pode exigir que muitas páginas sejam escritas. A declaração de missão, por outro lado, é uma frase curta, usada para comunicar rapidamente o cerne da missão. A frase é como um índice, um signo, que traz à mente de todos o conteúdo amplo da missão propriamente dita. O signo sem o referente, a declaração de missão sem a compreensão da missão, de nada adianta.

A ideia da missão precisa ser descrita. Normalmente, no setor público, as leis que criam as organizações são acompanhadas de uma “exposição de motivos”. Esse é um lugar privilegiado para pesquisar a ideia da missão. A história e as falas dos servidores mais destacados é outra fonte importante. Por exemplo, em conversas com servidores da Fundação Oswaldo Cruz, ouvi razões cheias de significado para a sua atividade, como “levar os pobres a terem a mesma expectativa de vida dos ricos”, que eram compartilhadas por muitos, mas que não compunham a declaração, a frase. Esses entendimentos mais amplos é que precisam ser internalizados por todos.

Finalmente, para dar uma ideia mais concreta do que isso significa na prática, apresento uma análise detalhada da vocação de uma organização pública (o Inmetro), preparada para iniciar as discussões da sua missão organizacional entre os servidores. Para baixar o documento, clique aqui.

 
 

2. PARA QUE SERVE A MISSÃO ORGANIZACIONAL?

 

Definido o conceito de missão, deve-se esclarecer a importância desse instrumento para a gestão organizacional. O adequado estabelecimento de uma missão organizacional gera grandes benefícios para a organização. A seguir, serão comentados quatro destes benefícios: (1) o aprimoramento das decisões estratégicas; (2) a melhoria nos desempenhos administrativo e operacional; (3) o comprometimento da força de trabalho com os objetivos organizacionais; (4) o alinhamento das decisões de todos os funcionários em uma única direção. Essa lista não é exaustiva, não pretende elencar todas as vantagens decorrentes do estabelecimento da missão organizacional. Foram escolhidas essas quatro vantagens simplesmente por serem consideradas as mais importantes.

 

2.1. O aprimoramento das decisões estratégicas

Ao estabelecer a sua missão, a organização está restringindo intencionalmente o seu foco de visão. Ela faz isso, basicamente, por um motivo: ou se conhece tudo com extrema superficialidade ou se conhece poucas coisas em profundidade. Variedade e excelência são critérios antinômicos.

Para ser efetiva, uma organização pública deve ter um profundo conhecimento dos problemas da sociedade que estão sob a sua responsabilidade. As iniciativas governamentais, mesmo as mais bem intencionadas, podem causar grandes malefícios. Em casos menos extremos, elas podem causar benefícios tão modestos que não compensam os custos envolvidos.

…sem conhecimento profundo sobre a realidade social na qual atua, a probabilidade de causar dano é tão grande quanto a de gerar algum bem.

Porém, sem um conhecimento profundo sobre a realidade social na qual atua, a probabilidade de causar dano é tão grande quanto a de gerar algum bem. E, pior, ela fica impossibilitada de aprender com os próprios erros, uma vez que o contínuo desconhecimento dos fatos a torna incapaz de avaliar o impacto de suas ações.

Se o foco de visão for excessivamente ampliado, o conhecimento da organização sobre a realidade em que atua será tão parco, que, na prática, ela agirá às cegas, na esperança de estar fazendo algo bom. Além do perigo das análises equivocadas, baseadas em intuição em vez de em dados e fatos, a organização tenderá a dispersar seus recursos de duas formas, descritas a seguir.

A boa prática de planejamento orienta para que se atue sobre as causas do problema, não sobre as consequências. Como se diz, um corte na raiz vale por muitos cortes nos ramos. Contudo, não tendo informação suficiente, a organização terá dificuldade de encontrar a verdadeira raiz do problema. Em tais condições, a organização dispersará seus recursos atuando sobre as consequências, não sobre as causas.

Em segundo lugar, dispersará recursos por atuar de modo reativo, não preventivo ou proativo. Proatividade, a capacidade de interferir na criação do futuro, exige conhecimento profundo sobre a realidade social, o que, por sua vez, exige foco estreito, justamente o que a organização não tem.

Com poucas informações, resta à organização uma única opção: a postura reativa. Porém, quando o problema da sociedade já se tornou tão evidente ao ponto de configurar uma demanda, é porque a organização deixou passar a oportunidade de resolvê-lo enquanto ele ainda era pequeno. Agora, ela terá que consumir recursos materiais e políticos muitíssimo maiores.

Uma organização efetiva escolhe o que fará, se posiciona, é proativa. Identifica as oportunidades com antecedência, se prepara para elas e, no momento certo, inicia as operações numa nova área de atuação.

2.2. A melhoria nos desempenhos administrativo e operacional

Se o foco de visão não for restringido, haverá falta de informações para guiar a função empreendedora da organização. Análises baseadas primordialmente em opiniões e intuições serão os fundamentos rasos sobre os quais a organização tentará crescer. Dispondo de pouca informação, muita coisa parecerá importante, de acordo com o quanto a mídia fale sobre o assunto, com a ênfase dada nos discursos políticos ou da comoção social relacionada a um evento.

Tudo o que existe tende à dispersão, a organização não é exceção à regra. Se a função empreendedora ‘perder a medida’, multiplicará irrefletidamente as áreas de atuação da organização. Como há pouca informação sobre a importância e sobre os impactos do que se está fazendo, o critério adotado para medir a importância da atuação organizacional será o número de coisas diferentes que ela faz. A organização adotará o lema ‘mais é melhor’ em lugar de ‘melhor é mais’.

Como resultado, os recursos da organização se dispersarão em um sem-número de novas atividades de relevância pouco conhecida. A organização se comportará como uma criança de dois anos de idade, que pega tudo o que vê pela frente.

Dispersar recursos é o anátema de todos os credos gerenciais. A principal função da liderança em qualquer organização é evitar que ela disperse seus esforços, tentando andar em muitas direções ao mesmo tempo. Como disse Clausewitz, “a lei suprema e a mais simples da estratégia consiste em concentrar as suas forças” (CLAUSEWITZ, 1996, Livro III, Capítulo XI, p. 219). E a missão tem um papel essencial nesta tarefa gerencial. A restrição do campo de visão comanda outra, tão importante quanto a primeira: a restrição do campo de atuação.

A organização é um grupo social utilitário. Sua existência se justifica unicamente pela eficiência, pela capacidade de fornecer resultados melhores do que seria possível se indivíduos isolados se dedicassem à mesma finalidade. Isto é obtido pela divisão do trabalho e pela especialização. O trabalho é divido por meio da divisão da organização em departamentos, divisões, núcleos etc., pelo estabelecimento de rotinas de trabalho, pela padronização dos conhecimentos necessários em cada departamento, pela padronização dos resultados que se espera de cada unidade.

Porém, esta divisão só renderá frutos se as tarefas que a estrutura tiver que dar conta forem sempre muito semelhantes. Para uma tarefa diferente (ou a mesma tarefa tendo que priorizar objetivos de desempenho muito diferentes) a melhor divisão em departamentos será outra, o padrão de conhecimentos necessários será outro, o padrão de resultados deverá ser outro.

Para exemplificar, analisemos o impacto da mudança frequente sobre o padrão de conhecimentos necessários. Se a variação de atividades for muito grande, a cada atividade nova, ninguém saberá exatamente que competências são necessárias para o trabalho, portanto, a capacitação ficará comprometida, limitada a conhecimentos genéricos; e ninguém saberá quantas pessoas e quanto tempo é necessário para realizar um determinado trabalho; portanto, o desempenho dificilmente poderá ser avaliado. Gerenciar é uma tarefa difícil nestas condições.

E a estrutura organizacional não pode ser mudada constantemente, porque mudanças estruturais envolvem custos muito altos. E não existe estrutura organizacional universal, apta a dar conta de variadas tarefas. Como disse Peter Drucker, “a única realização universal possível para uma organização (ou para um indivíduo) é a incompetência universal” (Drucker, 1964, p. 200). Se uma estrutura for obrigada a realizar tarefa muito diferente daquela para qual foi projetada, ela terá que contar exclusivamente com o ajustamento mútuo entre os funcionários e o trabalho de supervisão hierárquica como instrumentos de coordenação. De longe, estes são os instrumentos menos eficientes para uma grande organização (MINTZBERG, 2003). O número de contatos que estes instrumentos exigem cresce desproporcionalmente com o número de membros de uma organização.

Por isso, nas organizações com foco de ação excessivamente amplo, os gerentes pulam de uma posição para a outra, tentando cobrir todos os ângulos ao mesmo tempo, desviando profissionais de suas especialidades, ‘fazendo o que podem’, mas obtendo resultados insuficientes. Então, eventualmente, quando se toma consciência de que as coisas não vão bem, começa-se a procurar a culpa nos lugares errados: o gerente que não coordena bem, o profissional que não entende o que se quer, o funcionário que tem má vontade; enquanto o verdadeiro problema, que é estrutural, permanece intocado: tanto organização quanto gerentes carecem de foco, para que possam ser eficazes.

Para resolver seus problemas administrativos e operacionais, quando for inevitável que a organização tenha atividades muito diversificadas, num primeiro passo, ela deverá descentralizar as suas operações em unidades estratégicas de negócios. Deste modo, embora a corporação faça coisas muito variadas, as unidades de negócio permanecerão com foco restrito. Porém, se a diversificação chegar ao ponto de fazer com que as próprias unidades de negócio percam o foco, a organização, que a esta altura vem ‘fazendo de tudo um pouco’, deverá necessariamente reduzir o foco de suas atividades, restringir o foco de sua missão.

2.3. O comprometimento da força de trabalho

Uma organização com finalidades públicas – como uma autarquia governamental, uma associação cultural, uma organização de assistência social, um sindicato trabalhista etc. – surge de um impulso empreendedor. Alguém (ou um grupo de pessoas) decide resolver um determinado problema, considera imensamente importante agir nessa direção. A importância deste problema está atrelada a questões de justiça, ao progresso, ao desenvolvimento das potencialidades dos seres humanos, à liberdade política, à redução do sofrimento de grupos sociais, e assim por diante. Esta pessoa percebe a sua incapacidade de resolver o problema que se propôs sem a colaboração de outras pessoas. Surge, então, uma organização como um meio para uma missão.

O enunciado da missão organizacional é fundamental para que o fundador possa atrair as pessoas que se importam com a mesma questão. A missão organizacional funciona como uma espécie de ‘vocação’, de ‘chamado’ para voluntários e empregados. Isto é assim não apenas nas organizações privadas que se dedicam a alguma finalidade pública, muitas organizações públicas começam também como um impulso empreendedor de seus ‘fundadores’. Muitas vezes, são os ‘fundadores’ que criam no governo a consciência da importância da atividade. As atuações de Oswaldo Cruz, na criação da Fiocruz, e de Rodrigo de Melo Franco, na criação do Iphan, são exemplos desse papel.

Nesta fase, os fundadores têm que ser apaixonados pela missão. Porque, nos primeiros anos de uma organização, as pessoas encontram somente trabalho duro pela frente e muito poucas recompensas pessoais. É o “amor à causa” que preservará a motivação durante os momentos difíceis. Se a paixão pela missão desaparecer nas pessoas, a organização morrerá rapidamente.

Mais tarde, quando a organização amadurece, surgem algumas facilidades. Agora, trabalhar na organização passa a apresentar mais vantagens, são contratados profissionais bem remunerados, ela passa a contar com um fluxo considerável de recursos, sua liderança ganha alguma projeção etc. O risco agora é que as pessoas esqueçam que estão ali por uma finalidade social, que comecem a desaparecer os apaixonados pela causa. Cada um passa a se importar em realizar mecanicamente determinadas atividades e espera que outra pessoa esteja se preocupando com o resultado de tudo o que é feito. Alguns passam a trabalhar para agradar o chefe, na esperança de obter vantagens pessoais.

Nesta fase, a organização pública não morrerá imediatamente (se os servidores não se importarem mais com a missão organizacional); ela simplesmente se tornará ineficiente. E, no governo, infelizmente, a ineficiência pode se sustentar por muito tempo.

Se todos agirem mecanicamente, nunca os resultados poderão ser satisfatórios. Bons resultados exigem o recurso à criatividade, à pesquisa, à iniciativa, à experimentação, ao aprendizado, à negociação e, eventualmente, que sejam assumidos riscos; coisas que alguém desinteressado pela missão não poderá oferecer.

Isto se deve ao fato de que plano algum terá a capacidade de prever todas as dificuldades que serão encontradas na fase de implementação. Incontáveis fatos insignificantes – o tipo de acontecimento que nunca poderia constar em um plano – conspiram para impedir o alcance dos objetivos.

Imagine-se alguém que planeja uma viagem. Ao iniciá-la, surge uma série de situações imprevisíveis: uma chuva forte, uma estrada em péssimas condições, um hotel que não honra o que consta nos seus anúncios e assim por diante. Se a pessoa está comprometida com a viagem, encontrará soluções, adaptará, obterá os melhores resultados possíveis. Se a pessoa não tem compromisso, na primeira dificuldade, desistirá.

O mesmo tipo de situação acontece com os planos organizacionais. Como dificuldades deste tipo acontecem repetidas vezes, seus impactos sobre os planos da organização podem ser consideráveis. Soma-se a isto o fato de que alguns pequenos problemas, se não forem imediatamente sanados, podem acabar tendo impacto desproporcional. Como diz um antigo provérbio, “por causa de um prego, perdeu-se a ferradura; por causa de uma ferradura, perdeu-se o cavalo; por causa de um cavalo, perdeu-se o mensageiro; por causa de um mensageiro, perdeu-se a guerra”.

Mesmo planos aparentemente simples encontram enorme quantidade de obstáculos, ora devido à impossibilidade de prever a ocorrência de certos fatos, ora à incapacidade de avaliar previamente as suas consequências, ora porque determinado ator social reage de um modo inesperado, ora porque não foi possível obter as informações necessárias a tempo. Clausewitz chama isso de ‘atrito’, aquilo que diferencia a situação real da planejada, ideal. É o atrito que torna tão difícil o que aparentemente seria fácil. Devido ao atrito, um plano tem reduzidas chances de sucesso, se não contar com a dedicação das pessoas à causa, com a sua inventividade, sua iniciativa e espírito público. A adaptabilidade da organização decorre dessas virtudes dos trabalhadores. Como alguém já disse, são os soldados vencem as guerras, não os generais.

Por outro lado, para que os trabalhadores se comprometam com os planos da organização, precisam antes estar comprometidos com a solução do problema que é a missão organizacional. Precisam ver a solução do problema como uma demanda pessoal, e, em seguida, enxergar a organização como um meio adequado para cumprirem esta missão. Esta é a atitude mais saudável que se espera implantar na força de trabalho. Mas, para que isso possa ocorrer, a missão organizacional deve ter sido adequadamente descrita.

2.4. O alinhamento das decisões dos funcionários numa mesma direção

Contar com uma descrição abrangente da missão organizacional é de vital importância para que se vença um dos principais desafios gerenciais nas grandes organizações: alinhar todas as decisões da organização, tomadas por milhares de pessoas diferentes, em uma mesma direção. Ela constitui um padrão para a tomada de decisão.

A existência deste padrão é tão importante porque, hoje em dia, muitas organizações são compostas principalmente por profissionais de nível superior, que não vendem apenas a sua força física, vendem principalmente a sua capacidade de pensar e tomar decisões acertadas. Estes profissionais tomam decisões administrativas e operacionais relacionadas, por exemplo, às características de um sistema de informação, ao melhor roteamento de veículos para as entregas, à escolha do modelo de um novo equipamento caríssimo, à escolha de linhas de pesquisa que serão levadas adiante etc.

Essas decisões isoladas não têm o impacto de uma decisão estratégica, porém, o somatório delas, caso apontem em direções diferentes da desejada, pode frustrar uma estratégia. O comentário de Peter Drucker, a seguir, é esclarecedor:

“Hoje, as empresas (mas também os hospitais ou agências governamentais de hoje) congregam uma grande quantidade de homens e mulheres de alto nível de conhecimento e habilidade, em praticamente todos os níveis da organização. Mas esse alto nível de conhecimento e habilidade impacta como o trabalho deve ser feito e qual trabalho deve ser feito. Como resultado, decisões afetando a organização inteira e sua capacidade de funcionamento são tomadas em todos os níveis da organização, mesmo nos mais baixos. Decisões de risco – o que fazer e o que não fazer, em que continuar trabalhando e o que abandonar, que produtos, mercados e tecnologias perseguir com energia e quais ignorar – são, na realidade das empresas de hoje (especialmente, nas grandes) tomadas todos os dias por uma multidão de pessoas de níveis subalternos, com muita frequência, por pessoas sem um tradicional título ou posição gerencial (ex., pesquisadores científicos, engenheiros projetistas, planejadores de produto e contadores).

Cada um desses executivos baseia suas decisões em uma teoria, ainda que vaga, do negócio. Cada um, em outras palavras, tem uma resposta para a questão, ‘Qual é o nosso negócio e qual deveria ser?’ A menos, portanto, que a empresa por si mesma – e isso significa sua alta gestão – tenha pensado a questão e formulado uma ou mais respostas para ela, os tomadores de decisão na empresa, em todos os níveis, irão decidir e agir com base em teorias do negócio diferentes, incompatíveis e conflitantes. Eles irão puxar em diferentes direções sem sequer perceberem suas divergências. E também eles irão decidir e agir com base em teorias do negócio equivocadas e desorientadoras. Uma visão comum, um entendimento comum e uma unidade de direção e esforço para toda a organização requer a definição de ‘Qual é o nosso negócio e qual ele deveria ser?’” (DRUCKER, 2008, p. 100).

Dizer que a ‘teoria do negócio’, cujo componente central é a missão, ajuda a alinhar as decisões tomadas em todos os níveis hierárquicos equivale a dizer que ela permite interpretar adequadamente as ordens recebidas dos níveis hierárquicos superiores. A missão ajuda a circunscrever o significado de uma ordem, deixando claro não apenas o que deve ser feito, mas também, e talvez principalmente, o que não deve. O comentário de Adizes (1990, p.155), a seguir, ajuda a compreender este ponto:

“Uma decisão tem que ser circunscrita. Temos que saber o que fazer e o que não fazer. Se uma pessoa souber o que fazer, mas não souber o que não fazer, ela na realidade não sabe o que fazer. E terá que, experimentando, encontrar as informações que lhe faltam. Um chefe chama um subordinado, dá-lhe uma nova incumbência e explica-lhe o que fazer. Qual de nós, ao receber essa nova responsabilidade, não vai procurar um colega no corredor para lhe perguntar o que ele acha que devemos fazer? Mas por que isso? O chefe já não nos disse o que fazer? Na realidade, o que nós provavelmente estamos perguntando de fato é como fazê-lo. E, por trás dessa pergunta de como fazer, nós estamos tentando descobrir o que não fazer… Se formos nós o chefe, e dissermos aos nossos subordinados o que fazer mas as coisas não forem feitas dentro do espírito que pretendíamos, um dos motivos pode ser que alguém mais lhe disse o que não fazer. O que fazemos é uma mistura do que achamos que devemos fazer e do que achamos que não devemos fazer…” (ADIZES, 1990, p.155-156).

A missão é uma forma de transmitir, em larga escala, o espírito dentro do qual as demais decisões devem ser tomadas. Eles formam o ‘contexto interpretativo’ para as demais informações. Imagine-se, num exemplo anedótico, uma situação em que alguém pede a outra pessoa para se livrar de um gato, que está dificultando a sua concentração, devido aos miados. Suponha-se, agora, que a segunda pessoa tenha feito isto matando o gato. É possível que não fosse essa a intenção de quem deu a ordem, mas é inegável que a segunda pessoa cumpriu o que lhe foi pedido: livrou-se do gato. A estória pode parecer absurda, mas o gato, numa organização pública, pode ser, por exemplo, um segmento produtivo que foi asfixiado por um novo regulamento que visava a resolver determinado problema da sociedade. Agora, imaginem-se quantos erros de interpretação podem ocorrer nos milhares de decisões tomadas em uma grande organização diariamente. É por esse motivo que fixar o contexto interpretativo é tão importante

Porque sem grande clareza quanto à missão da organização, não há critério para julgar o que é certo ou errado nas decisões gerenciais, senão os limites grosseiros entre legalidade e ilegalidade. Noutro exemplo anedótico, imagine-se a situação de um jovem que passa a maior parte do dia na praia, todos os dias. Ele está certo ou está errado? A resposta é: depende de sua vocação. Se ele pretende ser um homem de cultura ou um cientista, por exemplo, provavelmente está errado. Porém, se a vocação dele é ser um atleta do surf, está certíssimo. É a vocação (missão) que determina o certo e o errado, nos comportamentos. De modo análogo, na gestão, certo é cumprir a missão organizacional, errado é fazer qualquer outra coisa.

Um exemplo importante de como uma missão vaga pode prejudicar uma organização é encontrado na comparação entre os bancos centrais brasileiro e argentino, num passado recente. A missão do Banco Central do Brasil é simples e restrita: “assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda”, essa é uma das razões de seu sucesso nas últimas décadas. Por muito tempo, essa foi também a missão do Banco Central da Argentina.

Porém, em 2012, a missão da organização foi ampliada para: “promover, na extensão das suas habilidades e dentro dos limites das políticas estabelecidas pelo governo nacional, estabilidade monetária, estabilidade financeira, empregos, crescimento econômico e justiça social”. Dessa maneira, o BC argentino tornou-se, além de garantidor do poder de compra da moeda, também banco de fomento, emissor de moeda para financiar o governo, financiador da indústria, entre outras coisas.

De um lado, alguns desses objetivos são conflitantes entre si, de modo que o avanço num deles implica retrocesso noutro; de outro lado, a divisão da atenção entre tantas coisas diferentes acabou levando ao abandono de sua função principal. O resultado subsequente foi a tragédia hiperinflacionária que se seguiu no país vizinho. A missão “natural” de um banco central, qualquer que seja ele, é precisamente “defender a moeda e a estabilidade monetária”, tudo o mais constitui erro.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Luís Alberto Caldas
Luís Alberto Caldas é engenheiro de produção pela UFRJ, tem mestrado em Engenharia de Produção na COPPE/UFRJ, foi professor no Departamento de Engenharia da UERJ, atualmente é servidor público federal lotado no Inmetro

Espero que tenha ficado evidente para o leitor que a clara descrição da missão organizacional, não a simples criação de uma frase de impacto, é a primeira e mais fundamental ação de gestores de alto nível. Ela é pré-condição não apenas para o planejamento estratégico, mas para tudo o mais; de modo que sequer se pode dizer que há alguma administração, no sentido próprio do termo, sem o adequado estabelecimento da missão organizacional.

...sequer se pode dizer que há alguma administração… sem o adequado estabelecimento da missão organizacional.

Referências bibliográficas

ADIZES, Ichak. O Ciclo de Vida das Organizações: como e porque as empresas morrem e o que fazer a respeito. São Paulo: Pioneira, 1990.

CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

DRUCKER, Peter F. Managing for Results: Economic Tasks and Risk-taking Decisions. New York: Harper&Row, 1964.

DRUCKER, Peter F. Management (Revised edition). New York: HarperBusiness, 2008.

MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. São Paulo: Atlas, 2003.

Crédito: Luís Alberto C. Caldas /Cultura e Bom Senso – disponível na internet 28/03/2020

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