Planejamento estratégico, stakeholders e o contrato de gestão do Inmetro – Near miss

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O presidente do Inmetro, Marcos Heleno, em pronunciamento para a força de trabalho do Inmetro na última quarta-feira, 22/04/2020, reconhecendo a capacidade dos servidores, comunicou que o planejamento estratégico do Instituto será participativo e realizado no período de um ano, com recursos internos. Dessa forma, embora tenha me aposentado recentemente, deixo aqui minha contribuição.

O Planejamento estratégico de uma instituição está intimamente relacionado à governança organizacional, assunto onde o Inmetro está defasado do estado da arte internacional. No entanto, não tratarei dessa questão neste artigo, o que ocorrerá em algum próximo.

Uma fase inicial do planejamento estratégico é a contextualização. Também é necessário saber a posição atual da organização e a posição futura pretendida. Nesse sentido, a posição atual do Inmetro face a seus congêneres é relevante, mas também não será tratada neste artigo e sim no próximo. Sobre esse tópico, adianto apenas alguns questionamentos. Faz sentido o Inmetro almejar estar entre os primeiros do mundo, face aos seus congêneres? Qual sua posição em relação aos congêneres no cenário internacional e especificamente em relação aos BRICS, aos países desenvolvidos e aos da América Latina? Tentarei responder a todas essas questões, reconhecendo que respostas com precisão matemática são praticamente impossíveis. No entanto, teremos uma clara ideia da nossa posição relativa.

A determinação da posição futura almejada (visão de futuro) é mais complexa e não pode ser resolvida simplesmente com frases do tipo “ser uma das três melhores organizações no mundo entre seus congêneres” (exemplo hipotético), mesmo porque estar entre um seletíssimo grupo dos melhores do mundo muitas vezes não é viável no período de tempo estipulado e nem sequer é a posição mais adequada. Esse é o caso, como veremos nos próximos artigos, de inúmeras organizações nacionais que atuam em Infraestrutura da Qualidade (IQ).

A determinação da visão de futuro do Inmetro, em princípio, deveria envolver stakeholders, principalmente os key stakeholdres externos, que possam contribuir também para melhor contextualização do Instituto no universo da Infraestrutura da Qualidade.

A propósito, citamos aqui o Guia Técnico de Gestão Estratégica (1) publicado pelo Ministério da Economia em abril deste ano, quando afirma:

“(…) a análise ambiental permite que diferentes partes interessadas, inclusive externas à organização, participem do processo de planejamento estratégico. (3) (Grifos nossos)”

Este artigo se concentra na participação dos key stakeholders, partindo do meu artigo anterior (2) onde foi desenvolvida, embora não fosse o tema central do artigo, a importância da Infraestrutura em Qualidade para o desenvolvimento de um país.

Leva-se em conta aqui, no entanto, o velho ditado “o bom é inimigo do ótimo”, de forma que algumas ideias aqui apresentadas talvez só possam ser implementadas em uma revisão do planejamento estratégico, já que o Inmetro tem menos de um ano para finalizar o seu planeamento estratégico.

Para contextualizar, convém relembrar que o presidente do Inmetro em seu pronunciamento mencionado acima, relatou que por pouco (near miss) os servidores do Instituto não perderam parte da gratificação de desempenho (GQDI) pelo descumprimento da principal meta do contrato de gestão: a realização do planejamento estratégico. A situação foi contornada com a assinatura de um contrato anual ao término do qual o planejamento estratégico deverá estar concluído. Esse foi o principal indicador não cumprido, porém não o único. Ata da assembleia do Sindicato dos Servidores de Metrologia, Normalização e Qualidade – ASMETRO, realizada em 03 de março de 2020, aponta que foi apresentada ”notícia alarmante de que o Contrato de Gestão em vigor, assinado pela ex-Presidente do Inmetro, apresenta metas e indicadores de impossível atingimento, com valores que extrapolam as médias históricas da Autarquia. Tal fato esdrúxulo pode acarretar em significativo impacto negativo nas remunerações dos servidores. (…) Diante das consequências desastrosas de tal excrescência, foi decidido que o ASMETRO-SN, motivado pela valorização do Inmetro e seus servidores, verifique junto à Presidência do Inmetro quais medidas corretivas emergenciais podem ser tomadas, bem como o que pode ser feito para que tal fato não se repita”. (https://asmetro.org.br/portalsn/2020/03/04/ata-da-assembleia-geral-ordinaria-e-da-assembleia-geral-extraordinaria-do-asmetro-sn/)

O presidente disse ainda em seu pronunciamento que espera que em 2021 possa ser celebrado um novo contrato de gestão “baseado em metas que foram efetivamente estudadas no planejamento”.

As decisões do presidente foram absolutamente acertadas. Quanto ao contrato de gestão, os indicadores tem que ser factíveis e amplamente debatidos com as áreas responsáveis.

Mas, neste artigo, não vamos nos concentrar no Contrato de Gestão e sim no planejamento estratégico, onde, com a decisão de sua realização com recursos internos, provavelmente evitamos o risco de realização de um planejamento medíocre. Isso aconteceria por contratação de consultoria que eventualmente não percebesse a importância para um país do desenvolvimento e manutenção de uma Infraestrutura da Qualidade adequada ao nível de desenvolvimento atual e pretendida no futuro.

A importância da Infraestrutura da Qualidade (IQ) foi abordada em meu primeiro artigo aqui publicado (2), quando mostrei inclusive que os países se organizam em redes internacionais sobre os diversos aspectos da IQ. Ao que foi dito naquela ocasião acrescentaria apenas que a IQ de cada país é, em maior ou menos grau, dependente das IQ dos demais. Provavelmente por isso, O NIST (National Institute of Standards and Technology), dos EUA e o PTB (Physikalisch-Technische Bundesanstalt), da Alemanha, os mais destacados institutos de metrologia do mundo, tanto se empenham no fortalecimento das IQ dos demais países. Acrescente-se que essa predisposição de cooperação é bastante acentuada com o Inmetro, provavelmente por ser o Brasil um país de destaque entre os países em desenvolvimento, podendo, por isso, servir de modelo para os demais, ou, em linguagem do PTB, por ser um dos “strategically important anchor states”. Confira abaixo:

“PTB maintains collaborations with the strategically important “anchor states” Brazil, Mexico, South Africa, Thailand, India, and China.” (3)

A cooperação internacional entre as organizações responsáveis pela Infraestrutura da Qualidade dos países não se limita ao estabelecimento de acordos de reconhecimento mútuo, os MRAs (do inglês mutual recognition agreements). De fato, se pesquisarmos esse assunto, encontraremos trabalhos cooperativos e estudos de benchmarking realizados entre tais institutos, que abordam temas que não são estritamente relacionados à metrologia ou à acreditação, e que envolvem organizações que não são necessariamente suas congêneres. Como exemplos podemos citar diversos realizados em diferentes épocas, como:

  1. “A Comparison Study of PTB, BNM, NMIJ, NPL and NIST, August 26, 2002” (4), estudo comparativo entre o PTB e os seguintes NMI (National Metroloy Institutes):
  • BNM – Bureau National de Métrologie – França;
  • NMIJ – National Metrology Institute of Japan – Japão;
  • NPL – National Physical Laboratory – Reino Unido e
  • NIST – National Institute of Standards and Technology – USA.

Esse estudo abordou diversos assuntos, entre eles: alocação de recursos (como orçamento e pessoal) para as áreas técnico-científicas e questões estratégicas.

  1. Evaluation of the Physikalisch-Technischen Bundesanstalt – Braunschweig und Berlin, 2002 (5)

Avaliação do PTB realizada em 2002 pela Comissão Weule (nome dado em homenagem ao Prof. Dr. Hartmut Weule da Universidade de Karlsruhe), constituída por 11 representantes de organizações externas ao PTB, entre eles um representante do NIST – National Institue of Standards and Technology, um da OIML – International Organization of Legal Metrology e um representante do BIPM – Bureau International des Poids et Mesures. Outras organizações não relacionadas à Infraestrutura da Qualidade também participaram dessa avaliação. A avaliação compreendeu diversos assuntos, entre eles staff, orçamento, direcionamento estratégico e questões de governança, embora sem usar esse termo.

Interessante ressaltar que o PTB convidou o NIST para participar de sua avaliação.

  1. Evaluation Report on PTB Braunschweig and Berlin – German Council of Science and Humanities, 2008 (3)

Avaliação do PTB realizada em 2008 pelo German Council of Science and Humanities, que é um conselho consultivo do governo federal e dos estados na Alemanha, portanto um órgão externo ao PTB. A avaliação compreendeu diversos assuntos, entre eles recursos, orçamento, staff, infraestrutura e orientações estratégicas.

Desses trabalhos também é possível deduzir a posição relativa das instituições que atuam na Infraestrutura da Qualidade dos diversos países. Como já dito, isso será motivo do próximo artigo. Adianto apenas, como fiz no primeiro artigo (2), que o NIST e o PTB ocupam posição de destaque e para tanto, transcrevo parágrafo do meu primeiro artigo:

“A busca da excelência pelas organizações responsáveis pela Infraestrutura em Qualidade de um país é bastante evidente no NIST (National Institute of Standards and Technology) e no PTB (Physikalisch-Technische Bundesanstalt), os dois mais famosos institutos de metrologia do mundo. Basta ver que no NIST tem trabalhado vários agraciados pelo Prêmio Nobel (https://www.nist.gov/nist-and-nobel). De forma similar 13 detentores do Prêmio Nobel, tem atuado no Conselho Consultivo do PTB ao longo de sua história, entre eles Albert Einstein e Max Planck (https://www.ptb.de/cms/fileadmin/internet/struktur_abteilungen/kuratorium/Advisory_Board.pdf). Não por acaso também o NIST desenvolveu e mantém os critérios de excelência do Malcolm Baldridge Quality Award, um dos três mais famosos critérios de excelência do mundo.”

Tendo levantado essas questões, creio que estamos em condições de afirmar que o Inmetro, a exemplo do que faz o PTB, deveria buscar a participação de key stakeholders externos no seu planejamento estratégico.

Dessa forma, assim como o PTB convidou o NIST para participar da sua avaliação, o Inmetro deveria convidar tanto o NIST como o PTB para participar do seu planejamento estratégico.

Deve-se ressaltar que embora o PTB dedique-se à metrologia, publica estudos sobre outros aspectos da Infraestrutura da Qualidade. Ressalto ainda que a IQ não compreende a totalidade das atribuições do Inmetro, porém é o seu core business.

Conclusão

Reforçando o que foi dito neste artigo, acredito que tanto o NIST como o PTB, dois importantes stakeholders do Inmetro, não se furtariam em cooperar com o Instituto em seu planejamento estratégico, contribuindo para a melhor contextualização da Infraestrutura em Qualidade e para que o Inmetro possa melhor determinar a sua posição atual, a futura almejada e o que fazer para atingir suas metas.

Procedendo assim, o Inmetro estaria trazendo para o Brasil o estado da arte em termos de Infraestrutura da Qualidade e poderia, de forma mais embasada, traçar seus planos para o futuro.

Bibliografia

Crédito: Luiz Carlos Arigony – 29/04/2020

Luiz Carlos Arigony ([email protected]) é CQE (Certified Quality Engineer) pela ASQ (American Society for Quality) e mestre em engenharia ambiental pela UFRJ. Atuou na ISO e na ABNT por longos períodos. Desde 2017 é o representante brasileiro no ISO/TC 309/WG1, Grupo de Trabalho da ISO que desenvolve a norma ISO 37001 – Governança das Organizações. Especificamente sobre Gestão de Riscos, participou dos trabalhos da Dconf sobre o assunto, de 2011 a 2015, quando apresentou estudo comparativo do estágio da Gestão de Riscos em 5 países (Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia, França e Singapura ), por três organizações internacionais (Nações Unidas, Banco Mundial e OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e por seis organizações governamentais dos Estados Unidos da América: NASA – National Aeronautics and Space Administration, NRC – Nuclear Regulatory Commission, EPA – Environmental Protection Agency, FDA – Food and Drug Administration, DHS – Department of Homeland Security e OMB – Office of Management and Budget. Ainda sobre Gestão de Riscos, participou dos trabalhos liderados pela Dplan, a partir de 2016.

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