Planejamento – Kinsualian Metrology & Quality Institute

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Nos meus dois últimos artigos disse que o “core business” do Inmetro é a Infraestrutura em Qualidade (IQ). Disse também que a IQ deve ser adequada ao nível de desenvolvimento de um país.

Para melhor esclarecer esse aspecto acrescento o exemplo de Kinsualuu, que fica na África, abaixo dos países do Mediterrâneo e acima (geograficamente, é claro!) da África do Sul. É um país central, muito bacana e tão pequeno que só aparece nos mapas muito detalhados. O clima é muito agradável, apesar de quente e úmido e as pessoas são muito alegres, o que se reflete na música. Praticamente todo mundo fala inglês fluentemente, herança da colonização britânica, embora com uma pronúncia meio esquisita, até para os ouvidos dos demais africanos de língua inglesa. Falam também outros 52 idiomas. Na realidade, cada vila tem sua própria língua.

Kinsualuu tem florestas e trilhas sensacionais. O potencial turístico, especialmente o turismo de aventura, é enorme, incluindo rafting, rapel, asa delta, parapente, ciclismo, escalada, etc. Quem não é de lá deve contratar um guia para aproveitar as trilhas, para não se perder e para não passar por regiões onde fatalmente será assaltado. Os guias são muito simpáticos, porém não aplicam regras básicas de segurança, não estão preparados para acidentes e não há guias ou empresas certificadas em turismo de aventura.

Apesar de alguns problemas, penso até em viver lá por alguns anos! O problema é que o atendimento médico deixa muito a desejar. Os termômetros não marcam direito a temperatura. Se medirmos a nossa com dois termômetros, teremos dois valores diferentes. O mesmo se aplica aos medidores de pressão arterial. Nunca teremos muita certeza sobre a nossa pressão.

Mas o país é muito bacana mesmo! O comércio de bananas a peso, assim como o de tecidos bem básicos movimenta a economia. Recentemente o governo está preocupado porque os vendedores ambulantes de tecidos andam com um padrão de madeira que eles dizem ter o comprimento de um metro, mas raramente tem. Normalmente não chegam a 95 cm. O mesmo acontece com uns bloquinhos de ferro, que eles usam nas balanças e dizem que pesam um Kg.

Os produtos não são muito seguros, desde os brinquedos até os pregos para escaladas, os botes para rafting e por aí vai. Já ocorreram inclusive afogamentos, porque os barcos e as boias furaram. Além disso, para importar é muito complicado e o processo de anuência para importação muitas vezes não libera produtos considerados seguros no dito “primeiro mundo”.

Na música e nos esportes as pessoas parecem ter três cérebros, o que todos temos, um específico para as pernas e outro para os quadris, e assim eles conseguem movimentar essas partes do corpo como se fossem independentes. Na música as mulheres usam os três cérebros para movimentar as pernas e os quadris freneticamente ao som ensurdecedor dos tambores.

No futebol, o esporte nacional, é fantástico assistir os times locais, o marcador nunca sabe se eles vão para a esquerda ou para a direita e assim você, ao tentar acompanhá-los, pode dar um nó nas pernas e cair. Porém, nos raros confrontos com times europeus os kinsualeses perderam de goleada. Cada jogador faz o que quer em campo e não parece haver planejamento nenhum.

Eles também não gostam muito de treinar. De certa forma o insucesso kinsuales no futebol internacional tem a ver com o condicionamento físico e me remete ao que disse outro amigo da ISO, o espanhol Pablo:

“El trabajo duro supera al talento, si el talento no trabaja duro.”

Mas isso será assunto para outro artigo.

Dado esses probleminhas, o presidente disse na televisão, numa espécie de “State of the Union” dos EUA, que vai criar o KINAMEQI – Kinsualian National Metrology and Quality Institute, um instituto voltado à infraestrutura em qualidade e até encarregou um grupo de fazer o primeiro planejamento estratégico desse instituto.

Como conheço das reuniões da ISO um membro desse grupo, o meu amigo Omburu, recebi um “draft” no qual constava a visão de futuro desse instituto. Estava escrito assim:

“KINAMEQI will be the world’s leader in creating critical measurement solutions and an exemplary national laboratory that undertakes excellent science and engineering and uses this to deliver extraordinary impact for Kinsualuu.”

Com Omburu, formado pela University of Plymouth, aprendi muito sobre compliance, integridade e sobre accountability, esse último termo sem tradução para o português. Não é só “prestação de contas”, não é só “responsabilização”. É tudo isso e muito, muito mais, que será objeto de novo artigo.

Omburu, ou melhor Dr. Omburo Nkosi, é muito bom no que faz! Mas a visão de futuro do KINAMEQI não estava à altura dele. Mandei então um WhatsApp para o meu amigo kinsualês: “Omburu, caramba, essa é a visão de futuro do NIST misturada com a do NPL do Reino Unido!” Omburu respondeu: “isso mesmo, queremos ser um dos melhores do mundo e para isso nada melhor do que copiar os melhores!”

Escrevi então um e-mail, mais ou menos assim:

“Omburu, veja, em Kinsualuu, esse país maravilhoso, a realidade é totalmente diferente da realidade dos EUA e do Reino Unido. Vocês não precisam da mesma capacidade de medição e calibração dos EUA porque, por exemplo, não estão explorando o espaço sideral, nem sequer tem indústrias altamente sofisticadas como as do Reino Unido. Em compensação, lembra-se do que falamos sobre o comércio de tecidos e de bananas? Lembra-se dos termômetros e dos medidores de pressão? Além disso, parece-me que o grande nicho de mercado, não muito bem explorado em Kinsualuu, é o turismo de aventura. Aliás, que tal criar um programa de acreditação para certificação de acordo com a ISO 21101, entre outras normas. Kinsualuu tem os melhores cenários do mundo e os guias já falam inglês fluentemente! Que tal tomar a Nova Zelândia como benchmarking e não os EUA ou o Reino Unido? Olha, a Nova Zelândia é considerada país desenvolvido, mas, mesmo assim, resolveu se associar à Austrália e o organismo de acreditação, por exemplo, é o mesmo!”

Omburu concordou.

Recomendei então que Omburu lesse o meu terceiro artigo (Contribuições ao planejamento estratégico do Inmetro – Posição do Brasil e do Inmetro quanto à Infraestrutura em Qualidade, https://asmetro.org.br/portalsn/2020/05/25/contribuicoes-ao-planejamento-estrategico-do-inmetro-posicao-do-brasil-e-do-inmetro-quanto-a-infraestrutura-em-qualidade/), principalmente as conclusões.

Chamei a atenção de Omburu que esse artigo reproduz uma classificação de países quanto à Infraestrutura em Qualidade. No entanto frisei que a classificação não é um fim em si mesma, é apenas mais uma orientação que pode ajudar na avaliação da Infraestrutura em Qualidade de um país. Não se trata de uma competição. O objetivo não é subir na classificação, mas ao descer pode acender uma luz de que algo está errado. Se subir, pode ser um bom sinal. Para que alguma medida seja tomada, no entanto, é necessária uma investigação mais profunda.

A questão não é o que fazer para subir no ranking, mas o que fazer para impulsionar mais o desenvolvimento, ou pelo menos, para não retardá-lo.

Depois fiquei sabendo que a política de governança e de gestão de riscos do Kinsualian National Metrology and Quality Institute é também uma cópia, com modificações mínimas. Enviei então um documento do governo brasileiro que afirma que isso não deve ser feito. Omburu mostrou o documento em uma reunião do Comitê de Governança do KINAMEQI, mas a diretora de planejamento respondeu: “Adoro copiar.”

Claro que esse exemplo é hipotético! Kinsualuu, se existisse, seria do terceiro grupo de países, na companhia de Bangladesh, Cambodja, Laos, Nepal e outros, ou seja, estaria entre os “menos desenvolvidos”, ou, em inglês ”least developed countries”.

O Brasil não! Estamos no grupo do meio. Somos um país em desenvolvimento (“developing country”). Estamos até, de certa forma, na liderança desse grupo. Estamos até tentando ser incluídos na OCDE. Em algumas áreas nos equiparamos até aos países do chamado “primeiro mundo”. Porém em outras precisamos progredir bastante.

De qualquer maneira, os conselhos genéricos dados a Omburu valem para quase todos os países.

Por essas e outras, nos próximos artigos abordaremos governança e sua relação com o planejamento estratégico, a menos que surjam outros assuntos mais atuais, como “State of the Union”, IIRC e tantos outros. Até lá!

Crédito: Luiz Carlos Arigony02/06/2020

Analista Executivo em Metrologia e Qualidade do Inmetro – servidor aposentado

Luiz Carlos Arigony ([email protected]) é CQE (Certified Quality Engineer) pela ASQ (American Society for Quality), senior member da ASQ e mestre em engenharia ambiental pela UFRJ. Em sua vida profissional atuou sempre no que hoje se denomina Infraestrutura em Qualidade. Dessa forma trabalhou na Eletronuclear, tendo sido chefe da Divisão de Controle da Qualidade. Nesse período atuou na Alemanha por dois anos e meio na KWU, subsidiária da Siemens, em função do Programa Nuclear Brasileiro. Posteriormente, como engenheiro da Eletrobrás, atuou na ISO e na ABNT por longos períodos. Desde 2017 é o representante brasileiro no ISO/TC 309/WG1, Grupo de Trabalho da ISO que desenvolve a norma ISO 37001 – Governança das Organizações.

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