Apesar de trazer avanços, projeto de lei sobre fake news preocupa entidades

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Especialistas elogiam proposta aprovada pelo Senado por estabelecer regras claras para robôs e posts pagos, mas temem que rastreamento de mensagens prejudique jornalistas, movimentos sociais e ativistas.

O chamado projeto de lei das fake news, que tem como objetivo combater a desinformação e foi aprovado nesta terça-feira (30/06) pelo Senado, traz avanços ao estabelecer regras claras para contas administradas por computadores, conhecidas como robôs, e ao elevar a transparência sobre posts pagos e a atuação das plataformas de internet. Mas tem trechos preocupantes quanto ao rastreamento de mensagens e à moderação do conteúdo pelas empresas, segundo entidades civis que lidam com o tema.

A versão final aprovada no Senado passou por uma série de modificações nos últimos dias, após pressão de organizações da sociedade civil, e deixou de fora pontos polêmicos, como exigir documentos de todos os usuários de redes sociais e a criminalização do uso de contas consideradas falsas. O PL 2.630, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, agora será discutido pela Câmara dos Deputados.

O governo federal é contra a regulamentação, e o presidente Jair Bolsonaro, alvo de ações eleitorais que apuram suposto disparo de mensagens falsas pelo Whatsapp na campanha de 2018, afirmou nesta quarta-feira que, se o projeto for aprovado na Câmara, caberá a ele “a possibilidade de veto”.

Bruna Santos, analista de políticas públicas na Coding Rights, afirma à DW Brasil que o projeto “evoluiu muito” desde a sua primeira versão, mas ainda promove uma “inversão do princípio da inocência” e considera todos os usuários como potenciais suspeitos.

Seu receio se baseia em dois trechos do texto: as hipóteses em que as plataformas poderão exigir documentos dos usuários e o registro dos metadados de mensagens encaminhadas em massa. Os metadados são informações como o número de telefone, o IP, o horário e data de encaminhamento e a quem a mensagem foi encaminhada, mas não incluem o conteúdo da mensagem.

O projeto aprovado no Senado autoriza as redes sociais a pedirem a identificação dos usuários em três casos: denúncia, indícios de conta inautêntica (como robôs) e por ordem judicial. O problema, diz Santos, é que a lei não delimita que tipo de denúncia é exigida, e abre a possibilidade de que usuários que usem um pseudônimo para criticar uma figura poderosa, como o presidente, sejam alvos de denúncias coordenadas de seus apoiadores e fiquem sujeitos ao risco de ter sua identidade exposta.

A rastreabilidade das mensagens que viralizam e acabam sendo encaminhada para muitas pessoas também a preocupa. O objetivo dos senadores era estabelecer um método para identificar quem seria o usuário inicial que disparou notícias falsas ou calúnias e difamações que alcançaram milhares de pessoas.

Para fazer isso, determinaram que aplicativos de mensagem devem guardar por três meses um registro dos metadados de mensagens encaminhadas em massa. Estarão sob essa regra mensagens enviadas por mais de cinco usuários num período de 15 dias que forem lidas por mais de mil pessoas. Os metadados ficariam disponíveis para consulta mediante ordem judicial.

“Encaminhamento em massa não é só desinformação”

Mariana Valente, diretora do InternetLab, afirma que esse mecanismo poderá “culpabilizar” qualquer pessoa que estiver na cadeia de encaminhamento da mensagem, inclusive jornalistas e pesquisadores, e ser usado como forma de perseguição a movimentos sociais.

“A gente sabe que encaminhamento em massa de mensagens não é só de desinformação. Poderá ser muito prejudicial a movimentos sociais e ativistas”, afirma. Santos expressa preocupação semelhante e cita como exemplo a paralisação realizada nesta quarta-feira por motoboys que usam aplicativos de entrega.

“Muitos movimentos sociais planejam mobilizações pelo Whatsapp. Se a parada [dos motoboys] de hoje foi organizada pelo Whatsapp, e se alguém achasse que alguma mensagem lhe causou dano, poderia solicitar [por ordem judicial] ao Whatsapp a cadeia de acesso e saber quem foi o criador da mensagem. No meio desse caminho, seria possível identificar quem mandou ou recebeu esses conteúdos. O mesmo vale para quem organiza atos ou movimentos contra o governo”, diz.

“E, na concessão dessas ordens judiciais, pode ser que a ponderação sobre a privacidade dos usuários não seja tão levada em conta. Ficaríamos muito nas mãos dos juízes”, afirma Santos, que espera que os deputados façam alterações no texto.

Uma alternativa que poderá ser discutida na Câmara seria permitir o monitoramento do encaminhamentos de uma mensagem do presente para o futuro, e não o resgate de sua dinâmica passada. O acompanhamento seria feito mediante ordem judicial, similar a como funciona hoje uma interceptação telefônica.

O texto também estabelece regras para a moderação de conteúdo pelas plataformas, que deverão oferecer aos usuários fundamentação sobre postagens apagadas e prazos e procedimentos para contestar a decisão, inclusive “direito de resposta” aos que sejam alvo e conteúdo considerado inadequado, “na mesma medida e alcance”.

Esse ponto é considerado problemático pela Coalizão Direitos na Rede, que reúne diversas entidades. Para o coletivo de advocacy, a figura do “ofendido” não é explicada adequadamente na lei, e o direito de resposta, uma garantia constitucional, deveria ser baseado em ordem judicial, e não na decisão das plataformas.

O projeto ainda cria um conselho técnico e autônomo para supervisionar as redes sociais e os aplicativos de mensagem, que será responsável por definir diretrizes para a autorregulação, e um código de conduta para o setor. Para a Coalizão Direitos na Rede, porém, a exigência de que o código de conduta seja submetido à aprovação do Congresso acabará submetendo o conselho técnico ao Legislativo.

A exigência de recadastrar todos os usuários de telefones pré-pagos, com a inclusão de RG e CPF, também é um problema, diz Santos, por burocratizar o acesso às redes de telefone, tornar mais difícil a compra de um chip por parte da população e fomentar a coleta “desnecessária” de dados.

Identificação de robôs e posts pagos

Um item do texto considerado bom por Valente é a regra que exige a identificação dos robôs. Segundo o projeto aprovado, as plataformas deverão indicar quando uma conta não é operada por uma pessoa, mas por uma máquina. Robôs podem ser usados de forma ilegítima para difundir notícias falsas ou atacar determinadas pessoas, mas também de forma legítima, como informar sobre a tramitação de projetos de lei legislativas ou responder a perguntas de usuários sobre determinado tema.

“O problema que tivemos com legislações envolvendo robôs era o maniqueísmo, que diziam que não poderia haver robôs. Isso vinha de um desconhecimento sobre como eles operam. Agora as próprias redes sociais, que têm acesso a uma quantidade de informações sobre os perfis que nós não temos, têm de vedar robôs que não estejam identificados como tal. Ou seja, eles podem existir, mas isso precisa ficar claro para os demais usuários”, diz.

Ela também elogia um dispositivo que considera “de interesse público” em relação a contas em redes sociais pertencentes a órgãos públicos e detentores de cargos relevantes no Executivo, incluindo o presidente e seus ministros, governadores e prefeitos. Segundo o projeto de lei, essas contas deverão se submeter aos princípios da administração pública e não poderão bloquear usuários.

As plataformas também deverão indicar claramente quando um conteúdo é publicitário e foi impulsionado, e enviar relatórios trimestrais sobre o número de usuários, as medidas de moderação aplicadas e fraudes identificadas. “São medidas de transparência importantes”, afirma Santos.

Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 03/07/2020

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