Reforma cria dois grupos de servidores sem estabilidade e aumenta os poderes do presidente

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Mudanças nas regras não valerão para funcionários federais do Legislativo e Judiciário e nem para servidores de Estados e municípios; texto dá mais liberdade para Bolsonaro extinguir órgãos sem aval do Congresso

 A reforma administrativa que o governo promete entregar nesta quinta-feira, 3, ao Congresso prevê duas categorias de futuros servidores que poderão ser demitidos. Eles não terão a chamada estabilidade, que vai ficar restrita às carreiras de Estado. Além de blindar servidores atuais do Executivo, o texto também não vai mexer nas regras para contratação, promoção e desligamento de servidores estaduais e municipais, nem dos funcionários federais que trabalham nos poderes Legislativo e Judiciário.

O governo ainda quer usar a reforma administrativa para mudar a Constituição e permitir que o presidente da República altere por decreto a estrutura do Poder Executivo e até declare extintos alguns órgãos e ministérios. A proposta foi antecipada pelo Estadão/Broadcast em outubro do ano passado e deve permanecer na versão final.

Hoje, o presidente depende do aval do Legislativo para fazer esse tipo de mudança. Se a medida for aprovada, ele poderá unilateralmente mexer em ministérios, fundações e autarquias do Executivo sem necessidade de consultar os parlamentares, desde que não haja aumento de despesa.

A reforma administrativa ficou com alcance e potência menores após ajustes feitos a pedido do presidente Jair Bolsonaro. O presidente argumenta que quer que as suas novas regras sejam um “norte” e um “convite” para que governadores e prefeitos façam suas próprias reformas – por isso, mandou retirar do texto o funcionalismo estadual e municipal. A justificativa para o governo não avançar sobre reforma de outros Poderes é que eles têm regras diferentes. Membros do Judiciário, por exemplo, podem se aposentar como punição, além da garantia de férias de 60 dias.

Nos últimos dias, o presidente também determinou que a reforma poupasse os funcionários públicos que já estão no cargo. Segundo apurou o Estadão, não interferir nos outros Poderes também foi uma condição para a reforma ser desengavetada.

A reforma elaborada pela Economia no ano passado não foi aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro. Diante do impasse entre as contas de Paulo Guedes e os cálculos políticos do presidente, o governo segurou o envio. Com a crise da pandemia do coronavírus, o discurso de Bolsonaro de que neste momento o servidor público não pode ser demonizado ou penalizado foi reforçado.

Agora, para dar uma resposta ao mercado diante da desconfiança sobre a sustentabilidade fiscal do País, Bolsonaro resolveu desengavetar o texto, mas pediu mudanças para poupar o servidor. Coube ao ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, responsável também pela Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ), harmonizar a determinação do presidente Bolsonaro com a proposta de Guedes para, finalmente, enviar ao Congresso.

No Planalto, a crítica é que a Economia quer fazer a reforma a todo custo. A última revisão do texto foi feita na noite desta quarta-feira, 2, mas, segundo fontes que participam do processo, até chegar ao Congresso poderá haver alterações.

Sem corte de salário

Em meio à discussão sobre o acionamento de gatilhos para conter despesas públicas, inclusive com o funcionalismo, um artigo inserido na noite desta quarta-feira, 2, blinda servidores de carreiras típicas de Estado de qualquer medida de redução de jornada e salário. A lista dessas carreiras ainda seria regulamentado por meio de uma lei complementar. Hoje, ela inclui diplomatas, auditores da Receita Federal, entre outros servidores considerados da “elite” do funcionalismo.

Os servidores típicos de Estado são uma das três classes de carreiras que serão criadas na reforma do RH do governo e a única com estabilidade, que será concedida após o funcionário cumprir duas etapas, fase probatória de dois anos (que será parte do concurso público) e estágio de um ano. Outras duas classes não terão estabilidade: são servidores com vínculo por tempo indeterminado e os servidores com vínculo por tempo determinado.

A reforma ainda transforma cargos de direção e assessoramento, os chamados DAS, em cargos de liderança e assessoramento. A ideia é que eles sejam específicos para altas funções do governo federal, acabando com DAS para funções mais administrativas.

O governo também deve propor a ampliação dos princípios que regem a administração pública. Além de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devem ser incluídos transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, eficiência, subsidiariedade e boa governança.

No caso da subsidiariedade, a ideia é colocar como princípio a verificação de o que a iniciativa privada pode fazer para atender ao interesse público, para que o Estado se concentre no que é importante e que o setor privado não faz.

Outra mudança é a extensão da aposentadoria compulsória aos 75 anos para funcionários de estatais, hoje blindados da regra que já vale para os servidores da administração pública. Hoje, eles somam 472 mil funcionários, o equivalente a 0,13% do total. 

O governo também quer ampliar as características do contrato de gestão firmados pela administração pública com entidades ou organizações sociais, para estabelecer metas de resultado mensuráveis. O intuito, segundo as fontes envolvidas na finalização da proposta, é deixar o Estado “mais leve”.

Veja os ‘dez pilares’ usados pelo governo para elaborar a reforma que mexe com o ‘RH do Estado’

Pilares foram sugeridos pelo Ministério da Economia levando em conta as recomendações do presidente; uma das exigências de Bolsonaro era que os servidores atuais fossem deixados de fora

A proposta de reforma administrativa que o governo entrega nesta quinta-feira, 3, foi construída sob dez pilares sugeridos pelo Ministério da Economia e levando em conta as recomendações do presidente Jair Bolsonaro.

O presidente pediu, por exemplo, que deixasse de fora os servidores atuais. Também foram poupados os futuros funcionários dos poderes Legislativo e Judiciário, assim como o funcionalismo de Estados e municípios.

A despesa com pessoal é a segunda maior do Orçamento, atrás apenas da Previdência, que já foi alvo de uma reforma aprovada no ano passado. Em 2021, o governo federal deve gastar R$ 337,345 bilhões com salários e outros benefícios aos servidores.

Veja a seguir os dez pontos:

  • Princípios

Ampliação dos princípios que regem a administração pública 

Além de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devem ser incluídos imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação e subsidiariedade e boa governança.

  • Distribuição

Transferência para a iniciativa privada de serviços que não sejam absolutamente exclusivos ao Estado. 

  • Abrangência

A reforma administrativa proposta pelo governo não vai abranger os demais Poderes, o Legislativo e o Judiciário, e não vai afetar o servidores atuais. Não deve atingir também servidores estaduais e municipais.

  • Aposentadoria compulsória

A única regra que deve ter aplicação imediata será a aposentadoria compulsória aos 75 anos para os servidores das estatais. O texto obriga que o funcionário perca o vínculo com a empresa a partir dessa idade.

  • Aplicação

O novo regime só será aplicável após a aprovação de uma lei complementar – que vai definir, por exemplo, quais são as carreiras típicas de Estados, ou seja, aquelas que poderão ser desempenhadas apenas por funcionários públicos.

  • Transição

Existirá uma transição entre a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição e da Lei Complementar. A ideia é não deixar sem respaldo os servidores que vierem a ingressar no funcionalismo durante esse período.

  • Divisão em grupos

A proposta prevê uma divisão do funcionalismo público em pelo menos três grupos: os das carreiras de Estado, únicas que terão a garantia da estabilidade, os servidores com tempo de contratação indeterminado e sem estabilidade, e os que serão contratados por tempo determinado, ou seja, com prazo preestabelecido para deixar o funcionalismo público.

  • Contratos

Ampliação das características dos contratos de gestão com organizações. A ideia é estabelecer metas para que as parcerias sejam firmadas e continuadas.

  • Compartilhamento

Cooperação entre entes públicos e privados para compartilhamentos de estruturas físicas e utilização de recursos. 

  • Atribuições do presidente

Dá mais flexibilidade para o presidente da República governar por decreto. Um dos principais pontos do texto prevê mudanças no artigo 84 da Constituição, que trata das atribuições do presidente. A ideia é ampliar medidas que podem ser determinadas pelo Poder Executivo por meio de decreto, como extinguir ou criar órgãos, sem o aval do Congresso Nacional.

 

Crédito: Jussara Soares e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo – disponível na internet 03/09/2020

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