Governo estuda projeto de lei para permitir demissão de servidor em cargo obsoleto

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A equipe econômica do governo federal estuda criar uma lei para permitir a demissão de servidores em cargos que se tornaram obsoletos com o surgimento de novas tecnologias. Esse seria um dos projetos de lei complementar que seriam apresentados pelo Ministério da Economia para detalhar pontos da reforma administrativa, contou Wagner Lenhart, secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal, em entrevista exclusiva ao EXTRA.  
 

Apresentada ao Congresso Nacional como a Nova Administração Pública, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tem como principal ponto o fim da estabilidade no funcionalismo. A exceção seria para as carreiras de estado, que continuariam com praticamente as mesmas regras do regime atual. O texto, porém, não traz detalhes sobre quais cargos farão parte dessas carreiras, nem em quais situações os servidores sem estabilidade poderão ser demitidos.

Esses e outros pontos serão regulamentados por meio de leis complementares, que ainda serão enviadas pelo governo.

Ainda de acordo com o secretário, o fim da estabilidade para os vínculos por tempo indeterminado não significa um regime igual ao da iniciativa privada.

— A gente não está instituindo a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para esses servidores. A gente está criando um regime distinto, que vai ser menos estável do que os cargos típicos de estado, mas mais estável do que os celetistas. Então é um regime intermediário — explicou.

Confira abaixo a entrevista completa com Wagner Lenhart, secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia.

O governo anunciou que estuda criar mecanismos semelhantes ao FGTS e ao seguro-desemprego para os servidores que não tiverem estabilidade. Já existe algum tipo de detalhamento sobre como seriam esses benefícios?

Wagner Lenhart @jornal Extra

Wagner Lenhart: A gente ainda está estudando as formas, isso vai ser colocado em um segundo momento, quando forem regulamentadas as mudanças no texto constitucional. Mas o que a gente pode antecipar é que a gente está estudando isso, sim, e para nós faz todo o sentido que, não tendo o mesmo grau de estabilidade nesse vínculo por prazo indeterminado que está sendo proposto, que haja algum resguardo para o servidor, assim como já acontece para o trabalhador da iniciativa privada. Então isso está sendo estudado, mas ainda não tem definição quanto à alíquota, quanto à forma como vai ser. Mas é com esse mesmo espírito que existe hoje do FGTS.

Já existe algum estudo sobre o impacto dessa nova despesa que seria criada com a contribuição do governo para um fundo como o FGTS?

A gente tem os levantamentos a respeito de quanto custa no longo prazo o vínculo de estabilidade. Recentemente, instituímos o movimento de colocar o cálculo de longo prazo como algo que é levado em consideração quando se faz concursos ou movimento dentro da folha de pagamento. Isso não era feito normalmente, era feito só nos anos iniciais, mas sabemos que com o regime de estabilidade que existe hoje, o vínculo do servidor com o governo é de longo prazo. Chega no período de atividade a mais de 30 anos, e quando soma o período de inatividade e pensionista, supera os 60 anos. Mas sem dúvida na definição de como vai ser feito esse resguardo, vai ser levado em consideração isso também, quanto vai custar aos cofres públicos, e a relação no que toca aos estáveis.

O Ipea lançou na semana passada um estudo com alguns cenários. Um deles é como o salário inicial dos novos servidores equivalente a 70% da remuneração atual. O governo estuda apresentar algum projeto neste sentido?

O Ipea fez uma projeção de cenário, ele pegou algumas premissas e fez o cálculo justamente para se ter uma noção de magnitude do que pode ser feito nessa transformação da administração pública, e qual o impacto que pode ter nas contas públicas. A gente também está trabalhando com essas premissas, não só essas que o Ipea colocou, mas outras. A questão do salário inicial nos parece que para algumas carreiras faz muito sentido você ter um salário inicial em níveis mais baixos, até para equiparar com o que acontece na iniciativa privada. Para outros casos, não faz sentido reduzir, ou faz sentido reduzir pouco. Então na verdade esse cálculo da projeção tem que ser uma média. Isso vai ser pesado também nesse segundo momento da proposta, quando a PEC for debatida e aprovada pelo Congresso, aí nós vamos entrar no detalhamento. Um outro elemento que o Ipea trouxe e é importante é a questão da taxa de reposição. A gente sabe que o governo está fazendo um movimento muito grande de digitalização e automatização de processos, e isso vai impactar o perfil da nossa força de trabalho nos próximos anos, e fazer com que em algumas atividades não tenha a necessidade de repor na mesma quantidade que precisaria caso essas transformações não estivessem acontecendo e sendo implementadas no governo.

A PEC estabelece que algumas mudanças ainda seriam regulamentadas por Lei Complementar. Esses pontos não poderiam constar na PEC?

Eventualmente, uma ou outra coisa poderia. O que a gente optou foi pelo entendimento do que deve constar na Constituição. A Constituição deve ser o instrumento que cria as regras gerais, constitui a organização do estado. Como esse é um instrumento cria regras gerais, ele não pode entrar em detalhes. Ele estabelece as balizas e aí remete ao Congresso Nacional, através de Lei Complementar ou Lei Ordinária, que fazem a regulamentação. Então tem a parte de premissas e tem a parte de estrutura maior. A gente fez as mudanças na Constituição que entendíamos que diziam respeito a essa mudança mais estrutural e ampla, e aquilo que é detalhamento deixamos para matéria infralegal, contando com a participação e deliberação do Congresso.

Alguns pontos que não estão detalhados na PEC poderiam ajudar na análise da proposta no Congresso, como a questão do FGTS. O governo pretende antecipar o texto de algumas dessas leis complementares?

Esse é um tipo de ponto que tranquiliza, mas também se você coloca na Constituição engessa e está entrando nesse detalhamento que a gente tenta evitar. Tanto a PEC quanto o projeto de lei, quem vai aprovar e deliberar é o Congresso Nacional, a mesma Casa que vai fazer a apreciação da PEC vai fazer a dos projetos de lei. Então é um processo. Passa pela PEC com as mudanças estruturais, passa por esse detalhamento pelas leis complementares e ordinárias, e depois passa ainda por um outro momento de detalhamento ainda mais fino na esfera de cada Poder, através de decretos, de atos do Poder Legislativo, do Judiciário. Isso é um trajeto que precisa ser percorrido. Com o passar do tempo é possível que a gente traga também mais detalhamentos. Nossa ideia é, sim, antecipar o debate e inclusive o encaminhamento de alguns textos que não dependem da PEC, já para o Congresso analisar.

Algum desses textos já está pronto?

Alguns estão em estágio avançado. Eu vou citar dois exemplos. O primeiro diz respeito à parte de pessoas, o outro à parte de cultura organizacional do estado. Os dois têm íntima relação e fazem parte desse processo de transformação. O primeiro é o projeto de lei que regulamenta a gestão de desempenho no serviço público, que é um tema pendente de regulamentação há bastante tempo, e a gente entende que é fundamental. Inclusive, percebemos nas entidades representativas de servidores uma intenção de debater esse tema, e que a regulamentação do artigo 41 da Constituição seria algo bem vindo, se bem construído. Esse é um dos temas que poderiam ser encaminhados antes da aprovação da PEC. E o segundo é o projeto de lei que moderniza a parte de estruturas organizacionais, de como isso se dá na administração pública. A legislação atual ainda é da década de 60, então ela merece uma atualização, e está sendo trabalhado um texto nesse sentido.

Com relação à estabilidade, existe uma preocupação com a autonomia dos servidores. O que o governo pensa em propor para minimizar essas preocupações e como será a regulamentação das carreiras típicas de estado?

Esse é um ponto central da proposta e gera muitas dúvidas e preocupações, que são legítimas. A primeira é a divisão dos vínculos. A gente está propondo um cargo típico de estado, que do ponto de vista da estabilidade não vai mudar quase nada em relação ao que hoje se tem. Na verdade é o mesmo regime dos servidores dentro do Regime Jurídico Único. Então para esse grupo não muda. A gente fez nesse período de construção da proposta diversos estudos internacionais, fomos ver o que países que têm um excelente serviço público estão fazendo em relação a isso, e como lidam com a estabilidade. A gente percebeu que um núcleo de governo, aquelas atividades relacionadas ao poder de fiscalização, polícia, essas atividades são muito típicas e claramente demandam independência e autonomia maior dos seus agentes e elas têm uma proteção mais ampla, mais robusta. E foi isso que a gente quis manter.

Para o outro grupo, do prazo indeterminado, vão ter algumas alternativas adicionais, mas é muito importante frisar que o próprio texto da PEC traz a vedação por desligamentos por razões político partidárias. Além disso, nós colocamos a previsão de que as hipóteses de desligamento deverão estar previstas em lei. Isso significa que o gestor não vai poder demitir porque ele não vai com a cara de João ou de Maria. O que a gente quer é que tenha algumas alternativas para que o estado possa se adaptar às mudanças que estão acontecendo no mundo e na própria administração, e ter a capacidade de servir melhor à população.

A França por exemplo, no ano passado, regulamentou que era possível o desligamento de servidores por obsolescência da atividade, com as novas tecnologias, para focar aquele recurso em áreas que sejam mais necessárias para a população. Esse é um exemplo do que poderia estar previsto na lei. Vai continuar existindo o processo administrativo onde servidores vão ter a oportunidade da ampla defesa. Vai continuar existindo o princípio constitucional na administração pública da impessoalidade. Então tem uma série de salvaguardas adicionais. A gente não está instituindo a CLT para esses servidores. A gente está criando um regime distinto, que vai ser menos estável do que os cargos típicos de estado, mas mais estável do que os celetistas. Então é um regime intermediário.

Essa mudança que a França fez é algo que se estuda fazer no Brasil também?

Sim. Esse seria um dos pontos que eventualmente estariam nessa lei que seria abordada depois da promulgação da PEC. Como a gente ainda não tem a certeza de que texto vai ser aprovado pelo Congresso, só vamos conseguir propor a regulamentação desse novo serviço público a partir do momento em que essa macroestrutura for definida pelo Congresso Nacional.

Como será a regulamentação das carreiras típicas de estado?

Vamos fazer no momento oportuno esse debate, construir um conceito adequado para isso. Também é um ponto que há muito tempo está se debatendo e ainda não foi fechado. Tem inclusive propostas nesse sentido tramitando no Congresso Nacional que podem ser boas balizas e um bom início para começar esse debate. Mas o que é importante dizer é que isso não se trata de um grau de importância dos servidores. Você pode ter atividades extremamente importantes para a sociedade classificadas como por prazo indeterminado, e também com cargo típico de estado. A grande questão é a natureza da atividade mesmo e se ela tem esse componente nessas áreas em que eu comentei, de fiscalização e polícia.

Crédito: Stephanie Tondo/Jornal Extra – disponível na internet 21/09/2020

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