A polêmica em torno da reforma administrativa

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Apresentada em 2020 pelo governo federal e aprovada um ano depois, em comissão especial, depois de várias modificações, a reforma administrativa prevê alterações profundas nas regras sobre servidores de carreira e modifica, sobremaneira, a organização da administração pública direta e indireta.
 
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que pretende levar a matéria a plenário ainda neste ano, logo depois do segundo turno das eleições, mesmo diante da divergência de parlamentares e dos recorrentes protestos de entidades de classe. A maioria delas alerta que, caso aprovada, a medida vai culminar na possibilidade de terceirização na oferta de serviços públicos.
 
Procurada pelo Correio, a assessoria do ministro da Economia, Paulo Guedes, informou que a pasta não se manifestará sobre o assunto. O mesmo posicionamento foi adotado pelo relator do processo, deputado Arthur Maia (DEM-BA), e pelo presidente da Câmara.
 

O texto, que passou por sete versões, pode, ainda, ser alterado por emendas antes de seguir para o Senado. Entre os principais pontos, figuram a possibilidade de contratação ampla de atividades e a contratação de pessoal de entidades privadas para prestação de serviços públicos tanto pela União como por estados e municípios; o retorno do prazo máximo de 10 anos para contratação temporária de servidores; a retomada da aposentadoria integral para policiais e a possibilidade de redução de 25% da jornada de trabalho e de salário de servidores em caso de crise econômica.

Além disso, as novas regras estabelecem o fim de férias com prazo superior a 30 dias e o reajuste retroativo para servidores da administração pública direta e indireta, tanto para ocupantes de cargos eletivos como para membros dos tribunais de Contas, Defensoria Pública e do Ministério Público; ampliação da possibilidade de regulamentação das normas gerais sobre pessoal por meio de medida provisória (nesse caso, a União terá direito de organizar e administrar o quadro de pessoal de estados e municípios); a abertura de processo administrativo contra servidores depois de transcorridas duas avaliações insatisfatórias consecutivas ou três intercaladas; e a definição de carreiras “exclusivas” de Estado, eliminando a possibilidade de ingresso de servidores em assistência social, saúde e educação.

Entre os substitutivos mais polêmicos destacam-se, ainda, a permissão da contratação temporária, por processo seletivo simplificado, pelo prazo máximo de até 10 anos, incluindo eventuais prorrogações. O processo seletivo simplificado deve ser autorizado apenas em caso de urgência extrema, como calamidade, emergência associada à saúde ou à incolumidade pública ou paralisação de atividades essenciais. Dessa forma, o prazo máximo de contratação será de até 2 anos. Esse substitutivo, no entanto, assegura direitos trabalhistas aos contratados.

Critérios de Seleção

Pelo texto original apresentado pelo governo federal, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) permitiria à União editar normas gerais sobre gestão de pessoas, política remuneratória e de benefícios, assim como ocupação de cargos em comissão, organização da força de trabalho no serviço público, progressão e promoção funcionais, desenvolvimento e capacitação de servidores, duração máxima da jornada para fins de acumulação de atividades remuneradas. O atual governo pretendia revogar da Constituição as escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, destinadas a oferecer cursos exigidos para promoção na carreira.

No texto alterado, fica estabelecido que a União poderá editar normas gerais sobre criação e extinção de cargos públicos; concurso público; critérios de seleção e requisitos para investidura em cargos em comissão; estruturação de carreiras; política remuneratória; concessão de benefícios; gestão de desempenho, regime disciplinar e processo disciplinar; cessão e requisição de pessoal; contratação por tempo determinado, além de ficarem mantidas as escolas de governo.

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No caso da estabilidade, que constitui um dos pontos mais polêmicos do projeto, o substitutivo, que já constava na proposta original, mantém a regra para todos os servidores concursados. A medida visa garantir proteção aos funcionários contra abuso de poder de seus superiores. Porém, torna nula a concessão no emprego ou de proteção contra a demissão para empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada.

Pela proposta do governo, a estabilidade ficaria restrita a servidores ocupantes de cargos típicos de Estado, somente depois do término do vínculo de experiência e de permanecerem por um ano em efetivo exercício com desempenho satisfatório.

Entidades rechaçam proposta da União

Alisson Souza, do Sindilegis: “Estão jogando para a população uma série de falácias” – (crédito: Jane de Araújo/Agência Senado)

A proposta de Reforma Administrativa aprovada há mais de uma ano pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados é vista com um grande retrocesso por entidades como a Associação de Apoio aos Concursos e Exames (Aconexa), o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis) e o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate).

Para o presidente do Sindilegis, Alisson Souza, a proposta do Governo Federal de garantir economia e eficiência do serviço público, além de subjetiva, não corresponde à realidade. Segundo ele, essa economia não pode ser avaliada exclusivamente do ponto de vista fiscal. “É difícil fazer essa avaliação sem verificar o impacto na redução de investimento no serviço público. Implicará contratar pessoas despreparadas, com menos qualificação”, afirma, observando que a terceirização dos serviços também não acarretará melhoras para o país. “A iniciativa privada é mais organizada? Cadê as evidências, os estudos?”, questiona. “É tudo achismo, trocar 6 por meia dúzia”, conclui.

Souza pontua, ainda, que a possibilidade de contratação temporária por até 10 anos é uma ideia, no mínimo, escandalosa. “O que vai ter de prefeitos embarcando nessa barbárie não está no gibi. Vão contratar cabos eleitorais a rodo”, prevê. “Estão jogando para a população uma série de falácias. O fim dos penduricalhos, por exemplo, já havia sido definido no governo Fernando Henrique Cardoso. Não há nada de revolucionário. Sequer abordaram a questão da avaliação do servidor público pelos usuários”, lamenta.

O vice-presidente da Aconexa, Douglas Soares, aponta o fim da estabilidade do servidor público como principal fator do que também afirma ser uma regressão sem precedentes.

Douglas Soares: “Risco de nepotismo cruzado”(foto: Ascom Aconexa/Divulgação)

“Acabar com a estabilidade é como deixar o servidor ao léu, sem expectativa alguma. Tornará esses profissionais muito vulneráveis ao entendimento, ao interesse, mandos e desmandos de suas chefias”, afirma, ponderando que a estabilidade não é do servidor, refere-se ao exercício do cargo público, conforme o grau de responsabilidade que a função requer. “Será um completo desserviço à população, que será extremamente prejudicada. Culminará no fim da tranquilidade do servidor público, que verá tolhido o exercício do seu cargo, conforme determina a lei”, prevê.

Souza salienta que o elástico para o servidor já se encontra bastante esticado e que o quadro observado, hoje, é altamente qualificado. “São pessoas com mestrado, doutorado, com bagagem de conhecimento, que agregam muito à função pública”, diz, avaliando que a proposta da reforma culminará na desmotivação do ingresso na carreira pública. “Hoje em dia, mesmo com a estabilidade, se escolhe para cargos relevantes quem não é servidor de carreira. Deixar porteira aberta é muito perigoso. O risco de nepotismo cruzado aumentará absurdamente”, alerta.

Volta do compadrio

O presidente do Fonacate, Rodinei Marques, engrossa o coro dos que vêm na PEC 32 um obscurantismo em termos de gestão pública. Ele avalia que a proposta traz a implosão das bases do serviço público brasileiro e aponta, entre os pontos mais negativos, é o fim do concurso público, medida que prevê contratações temporárias por processo simplificado.

Rudinei Marques: “Viveremos a volta do compadrio”(foto: Ascom Aconexa/Divulgação)

“Viveremos a volta do compadrio para a administração pública e isso é inaceitável em vista do que já evoluímos no processo de gestão pública brasileira. Não podemos admitir que sejam contratados apenas os amigos do governante do momento. Nesse sentido, o concurso público é um instituto já consagrado do país e amplamente democrático para a seleção daqueles mais bem capacitados para assumir cargos públicos”, afirma.

gos públicos”, afirma. Outro ponto preocupante na proposta, prossegue Marques, tem relação direta com os instrumentos de cooperação previstos. Nesse caso, argumenta, ficará patente a possibilidade de entregar estruturas de pessoal, tecnologia, recursos humanos e materiais para administração pela iniciativa privada mediante pactuação de metas. “Isso também não podemos admitir. Pensemos numa universidade pública que poderia ser entregue para uma exploração econômica mediante pactuação de resultados”, diz.

A ameaça de redução de até 25% dos salários dos servidores de forma indiscriminada também é apontada pelo dirigente do Fonacate como declínio do serviço público. “Isso vai representar uma ameaça constante. Dessa forma, o servidor não vai poder assumir compromisso de longo prazo, como investir em imóveis ou assumir uma prestação sabendo que vai perder até um quarto da sua remuneração. Tudo isso nos faz rechaçar completamente o texto aprovado na comissão especial em 2021”, sintetiza.

Crédito: Jáder Rezende / Correio Braziliense – @ disponível na internet 31/10/2022


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