- Governo pede ao Supremo que declare inconstitucional PEC que mudou regra de pagamento dos precatórios
- Governo vai ao STF pedir para rever forma de pagar precatórios e espera quitar R$ 95 bilhões
- AGU suspende regulamentação de uso de precatórios como ‘moeda’ para pagar outorgas
Governo pede ao Supremo que declare inconstitucional PEC que mudou regra de pagamento dos precatórios
A Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou, nesta segunda-feira (25), ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma manifestação pedindo a inconstitucionalidade de emenda à Constituição Federal que alterou o regime de pagamento dos precatórios durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) − que à época foi batizada como PEC dos Precatórios.
O dispositivo permitiu que o governo federal limitasse o pagamento dos precatórios (que são dívidas reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de novos recursos por parte do poder público) aos termos da regra fiscal vigente − o teto de gastos, que determinava que as despesas públicas de um ano não poderiam crescer acima da inflação acumulada no exercício anterior.
Pela norma aprovada pelo Congresso Nacional nas emendas constitucionais nº 113/2021 e 114/2021, o teto anual para o pagamento dos precatórios vigoraria até 2027 − o que na prática poderia ampliar o passivo da União nessa rubrica. Na avaliação de especialistas, o adiamento dos pagamentos também representaria uma espécie de “calote” por parte do governo federal, já que tais compromissos já teriam transitado em julgado, e, portanto, não poderiam mais ser revertidos na Justiça.
No pedido, a AGU alega que a criação de um limite de pagamento e um subteto produziram um acúmulo de precatórios não pagos que alcança R$ 150 bilhões. O montante consta de nota técnica assinada pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e pela Procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, também enviada à Corte. A petição sustenta que as duas emendas contestadas não só afrontam princípios constitucionais, como geram grave desequilíbrio para as contas públicas.
A manifestação foi feita no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 7047-DF e 7064-DF. A primeira foi movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). A segunda, por um conjunto de entidades da sociedade civil (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação dos Magistrados Brasileiros, Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais, Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado e Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis) para questionar a constitucionalidade das normas.
A manifestação da AGU encaminhada ao STF destaca que, muito embora o governo anterior tenha utilizado como justificativa para a aprovação das emendas o risco de colapso administrativo caso fosse pago o valor integral dos precatórios previstos para 2022 – estimado em R$ 89,1 bilhões, R$ 33,7 bilhões a mais que no ano anterior – logo após a abertura artificial e temporária de espaço fiscal proporcionada pela a aprovação de ambas as emendas “foram criadas despesas obrigatórias com a estimativa de custo adicional de R$ 41 bilhões ao ano”.
Na mesma peça, o governo alerta que o novo regime de precatórios não só produziu “um volume significativo e crescente de despesa artificialmente represada” que só deverá começar a ser paga em 2027, como “não veio acompanhada de qualquer perspectiva de solução com vistas a equacionar o passivo que será acumulado a médio e longo prazo, de sorte a viabilizar seu pagamento efetivo após a data final estabelecida para a vigência do referido regime”. E pontua que “permanência do atual sistema de pagamento de precatórios tem o potencial de gerar um estoque impagável, o que resultaria na necessidade de nova moratória”.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propõe que o Supremo dê sinal verde para que ele solicite ao Congresso Nacional a abertura crédito extraordinário, em até 60 dias, para quitar o passivo do atual regime de precatórios, distinguindo o valor principal dos títulos (que devem continuar sendo considerados despesas primárias) dos encargos financeiros fruto da incidência de juros e correção monetária (que, como despesas financeiras, não devem estar sujeitas ao limite de resultado primário previsto no novo regime fiscal, tal como os encargos sobre os títulos da dívida pública não o são).
Governo vai ao STF pedir para rever forma de pagar precatórios e espera quitar R$ 95 bilhões
Plano é apresentar pedido de abertura de crédito extraordinário ao Congresso para pagar todo o valor atrasado se Corte der sinal verde; para secretário do Tesouro, medida retira País de moratória instalada desde a chamada ‘PEC do Calote’
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva recorreu ao Supremo Tribunal Federal para rever o pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União), alterado pela chamada “PEC do Calote”, aprovada em 2021 e que fixou um teto anual para essas despesas. Com isso, o governo espera quitar cerca de R$ 95 bilhões de fatura acumulada e planeja alterar definitivamente como esses pagamentos são computados na contabilidade federal.
O governo alega que a limitação imposta pela PEC é inconstitucional e deixou a União em moratória por não pagar uma dívida líquida e certa. A Advocacia-Geral da União (AGU) vai defender no STF a inconstitucionalidade desse dispositivo da emenda, que “pedalou” o pagamento de precatórios, gerando uma bola de neve para as contas do governo.
Para contornar o impacto fiscal, o Ministério da Fazenda traçou uma estratégia. Em caso de decisão favorável do STF, o plano é apresentar um pedido de abertura de crédito extraordinário ao Congresso para pagar todo o valor atrasado, avaliado em R$ 95 bilhões — sendo R$ 65 bilhões de precatórios acumulados e não pagos, mais a previsão para os pagamentos de 2024.
A alegação preparada pelo Ministério da Fazenda é que a quitação do estoque não era esperada e, como se trata de uma despesa extraordinária, deve ser liberada do limite do teto de despesas do novo arcabouço fiscal. Dessa forma, o governo poderá arcar com o pagamento sem infringir as regras fiscais.
Além disso, as despesas de precatórios serão desagregadas permanentemente. O valor principal da dívida será tratado como uma despesa primária e entrará na lista de gastos submetidos ao teto de gastos. Já o que for referente ao pagamento de juros será segregado e tratado como despesa financeira.
A alteração é uma saída ao que o governo atual considera uma “moratória” no pagamento de precatórios. Isso porque, com o limite anual, o que extrapolava o teto era acumulado. Em 2027, quando venceria a regra criada pela PEC, essa quantia chegaria a R$ 250 bilhões, segundo projeção do Ministério da Fazenda.
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou ao Estadãoque essas obrigações são uma dívida do governo, que estava sendo subestimada nas estatísticas oficiais, pois não era contabilizada com essa classificação. Dessa forma, a alteração contábil deverá elevar a dívida pública, segundo ele, “no dia seguinte”, em um ponto porcentual do PIB.
“Para nós, para além do fiscal, os efeitos econômicos e reputacionais são o que importa para sair dessa”, afirma Ceron. “Essa é uma solução que conseguimos emplacar com razoabilidade técnica. O País está em moratória perante investidores. Se eu não pago uma parte dos meus credores (os donos de precatórios), que segurança eu dou para outra parte dos meus credores que eu não vou estender isso?”, questiona.
A promulgação da PEC, no início de 2022, diz ele, ampliou em R$ 130 bilhões os gastos do governo para rolar sua dívida, em razão do impacto que a medida provocou na confiança de investidores internos e externos.
Debate
A mudança de classificação de parte da dívida com precatórios para despesa financeira é objeto de debate entre economistas fiscalistas, que alegam que o manual do Fundo Monetário Internacional (FMI) trata as despesas judiciais como primárias. Isso significa que, para o fundo, deveriam ser contabilizadas no chamado resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida).
Segundo o secretário, a mudança não vai abrir espaço para novos gastos no Orçamento, ainda que o governo deixe de pagar integralmente o valor dos precatórios com recursos primários (orçamentários) no futuro. Ele acrescentou que o pedido para a abertura do crédito extraordinário para o pagamento do estoque também terá como pano de fundo este compromisso do governo.
“(No pedido) A frase é exatamente assim: autorizar a abertura de crédito extraordinário para a quitação do estoque de precatórios, expedidos e não pagos, deduzidas as dotações orçamentárias previstas para pagamento de sentenças na proposta orçamentária de 2024″, garantiu.
O argumento do secretário do Tesouro é que, do ponto de vista do arcabouço jurídico brasileiro, não há dúvidas de que os juros têm natureza financeira na contabilidade pública.
“(A medida) Não gera economia de recursos e não gera espaço fiscal. O montante reservado para sentenças judiciais continua do mesmo jeito. Não vai tirar nenhum real de despesa primária do orçamento”, disse Ceron. “Vou bater nessa tecla que o País está em moratória perante os investidores externos.”
Para ele, a proposta dá um caminho técnico para o STF no caso de a emenda ser declarada inconstitucional, uma vez que há duas ações em discussão na Corte questionando a constitucionalidade da PEC.
Virada de 180º graus
A ação representa uma virada de 180º na postura da AGU, que, no governo Bolsonaro, defendeu a constitucionalidade da PEC, usada como manobra para o governo gastar mais em 2022, ano em que o ex-presidente buscou a sua reeleição.
A vantagem da estratégia adotada agora é que o governo não vai precisar da aprovação de uma nova PEC no Congresso, com custo político para o governo, apenas um ano depois da decisão anterior.
Para o economista Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, a solução proposta pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é positiva e dá fim ao calote que criou uma bola de neve para 2027. Salto foi um dos economistas que alertou para esse risco quando a PEC foi aprovada. Ele admite, no entanto, que, a partir de 2025, a nova regra pode abrir espaço em relação a um cenário de referência em que todo o pagamento — do juro e do principal — continuasse a ser tratado como despesa primária.
Salto sugere que se adote uma regra de meta de resultado primário das contas públicas mais apertada na exata proporção dessa eventual folga, para evitar gastos adicionais. “O pagamento das despesas financeiras vai sensibilizar a dívida. Não existe almoço de graça. A verdade é que a proposta é muito boa, porque consegue endereçar um problema histórico, mas com responsabilidade fiscal. Cabe apenas cuidar para preservar esse espírito para além de 2024″, diz.
A decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para mudar a forma de pagar as dívidas de precatórios levou a Advocacia-Geral da União (AGU) a suspender a regulamentação para o uso desses títulos no pagamento de outorgas, débitos inscritos na dívida ativa e na compra de imóveis da União.
A AGU fez um pedido ao STF defendendo a inconstitucionalidade de um dispositivo da chamada PEC do Calote, aprovada em 2021, que instituiu um teto anual para o pagamento dos precatórios. Junto com essa requisição, a AGU também solicitou à Corte a inconstitucionalidade de um trecho de outra PEC, também de 2021, e que abriu a possibilidade de usar os precatórios para um “encontro de contas” com a União.
A medida interessou principalmente concessionárias de serviços públicos, como operadoras de portos, aeroportos e rodovias, que aproveitaram para comprar precatórios no mercado secundário com deságio.
O objetivo era usar esses títulos para abater obrigações futuras com a União usando uma “moeda” mais barata. Ou seja: empresas com precatórios a receber e com outorgas a pagar usariam esses valores a receber como moeda para abater do valor de sua dívida.
Em março, o governo Lula editou uma portaria congelando o uso dos precatórios, argumentando que iria criar regras para esse encontro de contas. Em agosto, após uma consulta pública, a AGU elaborou uma minuta de regulamentação e enviou para análise do Ministério da Fazenda, como mostrou o Estadão. A promessa era de que as regras sairiam em 15 dias.
Virada
Nesta segunda, 25, houve uma virada nos planos da AGU. Com o pedido pela inconstitucionalidade feito ao STF, a pedido do Ministério da Fazenda, a Advocacia-Geral da União decidiu suspender a regulamentação. O argumento é de que as duas PECs estão conectadas e que, em termos fiscais, a segunda PEC traria insegurança ao planejamento das contas do governo.
“A AGU aponta que a medida, adotada justamente como uma forma de compensar o adiamento do pagamento das obrigações judiciais, caso efetivada, tornaria imprevisível a disponibilidade financeira da União, na medida em que subtrai do governo o controle sobre o momento de liquidação de suas dívidas ou obrigações decorrentes de decisões judiciais, inviabilizando, assim, o seu planejamento orçamentário e financeiro”, afirma nota divulgada pela instituição.
Os detentores de títulos de precatórios ainda estão analisando os impactos da medida. A primeira avaliação é que, para os concessionários, a medida retira uma possibilidade de lucro que poderia incentivar as concessões. Já os credores que compraram títulos com deságio vão receber o valor cheio.
Sobre o mercado secundário, a avaliação é que ele permanecerá como existia antes do interesse surgido após a aprovação da “PEC do Calote”.
Para Luiz Felipe Dias de Souza, sócio-fundador da JusCapital, gestora de investimentos com atuação em direitos creditórios judiciais, a decisão do governo de recorrer ao Supremo dá “louvável e extraordinário passo em direção ao direito dos credores do Estado”.
“A necessidade de regularização do pagamento de precatórios, e os impactos negativos da moratória para o País já vem sendo alertados desde meados de 2021 pelas comunidades jurídica e econômica”, afirma. “Diante do consenso entre credores, entidades representativas e o próprio Estado quanto à necessidade de se julgar inconstitucional a moratória imposta aos precatórios, o caminho está aberto para que o Supremo promova a segurança jurídica, a estabilidade institucional e a ordem econômica.”