Sambódromo no Rio de Janeiro: Comida no banheiro da Sapucaí é aviso aos que pedem Estado mínimo

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@reprodução internetr / poletize

A prisão em flagrante de duas pessoas no sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, acusadas de estocar alimentos dentro do banheiro de um camarote, é um exemplo do erro que é defender um Estado mínimo no Brasil, afirmou o colunista do UOL Leonardo Sakamoto, no UOL News desta segunda-feira (12).

Ao todo, 500 quilos de alimentos foram descartados após a operação de fiscalização…

A gente ouve, de tempos em tempos, que o Estado tem que ser mínimo, apenas fazer infraestrutura, não se meter no dia a dia da vida das pessoas.

Se não fosse o Estado, e basicamente a Vigilância Sanitária é um braço do Estado, o pessoal no camarote teria comido um rango que estava armazenado no banheiro e que teve de ser descartado

Leonardo Moretti Sakamoto é um premiado jornalista brasileiro. Além da graduação em jornalismo, possui mestrado e doutorado em ciência política pela Universidade de São Paulo.

Segundo Sakamoto, esse é um exemplo claro ao povo brasileiro de que o Estado precisa ter força para fiscalizar o cumprimento da lei.

E, para tanto, tem que garantir servidores públicos treinados e em quantidade suficiente

É graças a esse “Estado opressor”, como alguns falam, que o mínimo de qualidade de alimentação pode ser cobrado. Eles (os fiscais) são xingados o tempo inteiro, mas garantem esse mínimo civilizacional — mínimo que também diz respeito a outras dimensões de nossa vida

Precisamos de um Estado para verificar se a comida tem qualidade, se as relações de trabalho estão sendo cumpridas, se as leis ambientais estão sendo obedecidas, ou seja, não apenas se você está sendo roubado ou não.

Para um país funcionar, precisa de regras para garantir qualidade de vida e de um Estado com servidores públicos para garantir o cumprimento dessas regras, no dia a dia, porque isso não se faz via Google

Crédito: Leonardo Moretti Sakamot / Colaboração para o UOL – @ disponível na internet 14/02/2024

assista abaixo o video da VOL News 


Estado Mínimo: o que é?

Vamos começar explicando conceitualmente o que o termo significa. Estado Mínimo nada mais é do que o entendimento que o papel do estado na sociedade deve ser o mínimo possível para que o Estado consiga entregar serviços públicos de qualidade para a sociedade, com maior eficiência, deixando apenas nas mãos de iniciativas privadas funções consideradas não essenciais.

Para o filósofo e ex professor da Universidade de Harvard Robert Nozick, Estado Mínimo era:

Minhas conclusões principais sobre o Estado são que o Estado Mínimo, limitado às estreitas funções de proteção contra a violência, o roubo e a fraude, ao cumprimento de contratos, etc. , se justifica; que qualquer estado mais abrangente violaria o direito das pessoas de não serem obrigadas a fazer certas coisas e,  portanto, não se justifica; que o Estado Mínimo é inspirador, assim como correto” (Nozick,1990: 7)

Para um debate mais amplo de ideias, abordaremos também os conceitos de três personagens ímpares para a história da filosofia política mundial, Norberto Bobbio, Adam Smith e Stuart Mill.

Para Bobbio, em “Dicionário da Política” o Estado Minimo é:

“…a noção corrente para representar o limite das funções do estado dentro da perspectiva da doutrina liberal” (BOBBIO, 1998:11)

Já para Stuart Mill, percebemos que suas principais obras tinham como preocupação difundir as ideias e princípios do liberalismo, algumas que podemos citar são: Sobre a Liberdade (1991) Considerações sobre o governo representativo (1981). Assim, para ele:

Um estado que amesquinha seus homens, …ainda que para os propósitos benéficos, descobrirá que com homens pequenos nada grande se pode fazer realmente” (MILL, 1991:158)

E, por fim, Adam Smith – considerado como um dos teóricos do liberalismo econômico mais influentes da história – em sua obra intitulada “A Riqueza das Nações” definiu três intervenções clássicas do Estado que estabelecem o limite de abrangência do mesmo, são elas:

  1. Financiar, através de gastos, a força militar para proteger a sociedade contra a invasão estrangeira;
  2. Proteger os membros da sociedade contra a injustiça que possa vir a ser cometida por outros membros;
  3. Manter instituições e obras públicas que proporcionam vantagens para a sociedade mas que não oferecem uma possibilidade de lucro que compense a atividade privada.

Como o tema surgiu e quais os seus argumentos basilares?

Conforme relatamos no parágrafo acima, a ideia do Estado Mínimo veio na corrente do liberalismo clássico, que tem Adam Smith e Stuart Mill como seus teóricos mais influentes.

A não intervenção estatal é um dos argumentos basilares do liberalismo clássico, porém a ideia de Estado reduzido foi apresentada através de Robert Nozick em seu livro, intitulado “Anarquia, Estado e Utopia”. 

Para Nozick, essa era a forma de governo mais moralmente justificável. Também veio dele a denominação “minarquismo” para identificar os governos que mais se assemelham com a teoria, e “minarquistas” para destacar os indivíduos que defendem a tese.

Assim, para os minarquistas, os argumentos basilares para a implementação do Estado Mínimo são:

  1. Menor erro de cálculo econômico (ou seja, reduz o desperdício de recursos financeiros escassos);
  2. Maior crescimento econômico (ou seja, libera recursos até então travados pela burocracia estatal, portanto incentivaria a geração de novos postos de trabalho);
  3. Menor carga tributária (ou seja, uma vez o Estado tendo seu tamanho reduzido, abriria espaço para a iniciativa privada ter mais liberdade de atuação)

Podemos destacar dois casos em que a teoria do Estado Mínimo foi substancialmente utilizada:

  1. Os Estados Unidos entre os anos de 1780 até 1913, momento em que o país passou basicamente de uma nação rural para um dos maiores centros econômicos e urbanos do mundo.
  2. Hong Kong, hoje, é a região que possui uma das maiores infraestruturas para a proteção legal de propriedade privada no mundo.

O Estado Mínimo no Brasil e os principais argumentos

Se pegarmos a história brasileira e analisarmos sobre o ponto de vista do Estado Mínimo, perceberemos que o nosso país em toda a sua história dificilmente se aproximou de tal teoria. Temos casos isolados em que o país adotou práticas liberais para a sua industrialização interna, como foi no governo de Juscelino Kubitschek e, mais recentemente, nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

Porém, nos dois últimos citados, seus governos foram marcados por amplas políticas públicas sociais, que ao contrário do que prega a teoria do Estado Mínimo, aumentaram consideravelmente o tamanho do estado.

O governo de Jair Messias Bolsonaro até o momento é um dos governos recentes que mais implementou políticas neoliberais – que são medidas que remontam os antigos ideais do liberalismo clássico ao enfatizar a mínima intervenção estatal na economia – com amplos projetos de privatização e sinalizações de abertura comercial para o mercado internacional.

Desse modo,  o atual ministro da economia Paulo Guedes – que tem formação na tradicional escola liberal americana de Chicago – já chegou a dizer abertamente que a grande maioria das empresas estatais brasileiras deveriam ser privatizadas.

O ministro defende amplamente a ideia do Estado Mínimo. Como podemos observar em entrevista concedida a Reuters

“A centralização de recursos e poder acaba corrompendo a política e estagnando a economia. É um estado que interfere em tudo e intervem em tudo, mas é mínimo na entrega e máximo no consumo de recursos”

Mas o modelo desperta críticas. O doutor em história política pela UFRJ, Rafael Fagundes, é um dos críticos do modelo de Estado Mínimo proposto pelo atual governo. Em entrevista concedida para a revista Le Monde Diplomatique Brasil, o professor afirma que:

“…O certo é que  a tentativa de radicalizar o neoliberalismo nas maiores potências da América do Sul vem se tornando incompetente. Se na Argentina, esse projeto não deu certo, porque não se forjou um discurso radical e popular contra a esquerda, aqui não está avançando justamente porque o governo tem se dedicado lunática e exclusivamente a intensificar tal discurso”

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