A análise das distorções salariais no funcionalismo federal revela um quadro de desigualdades estruturais e dificuldades de padronização, segundo dados do Anuário de Gestão de Pessoas no Serviço Público de 2024, formulado pelo Instituto República.org.
Uma das principais causas dessas disparidades é o grande número de tabelas salariais existentes na União: enquanto países como Portugal e Austrália operam com uma planilha única ou flexível, o Brasil conta com mais de 290 tabelas para cargos federais.
Essa complexidade resulta em falta de uniformidade e impossibilita uma política salarial equilibrada.
A disparidade é evidente entre os Três Poderes: em 2023, servidores do Judiciário recebiam, em média, 61,4% a mais do que os do Executivo. No Legislativo, a média era 52,3% superior à do Executivo.
A ausência de padronização nas amplitudes salariais contribui para distorções adicionais. Para carreiras com remuneração inicial abaixo de R$ 5 mil, a amplitude entre o salário inicial e o final pode chegar a 90%, enquanto carreiras de entrada mais elevada apresentam um alcance mais limitado devido ao teto remuneratório.
Essa falta de alinhamento prejudica a atratividade e a progressão de várias carreiras, além de favorecer negociações pontuais para setores com maior poder de pressão política dentro do governo.
Os altos salários estão concentrados em poucas carreiras, como a dos magistrados e a dos integrantes do Ministério Público, que, com o auxílio de gratificações e outros benefícios, chegam próximos ao teto remuneratório do funcionalismo público. Em contraste, carreiras administrativas têm remunerações iniciais mais baixas.
Gênero e raça
No recorte de gênero e raça, os dados apontam que mulheres negras, apesar de representarem uma parcela expressiva no serviço público, estão concentradas nas faixas salariais mais baixas. Cerca de 42,3% dos servidores que ganham até meio salário mínimo são mulheres negras, enquanto, na faixa acima de dez salários mínimos, predominam os homens brancos, com 45,1% do total. Essa disparidade expõe um padrão de sub-representação das minorias raciais e de gênero em cargos de liderança e nas posições de maior remuneração.
Comparativamente, enquanto o Brasil lida com uma complexa estrutura salarial, países como os Estados Unidos e o Reino Unido adotam sistemas simplificados com avaliações de complexidade, criando uma estrutura mais transparente e ajustada às funções. Portugal conseguiu consolidar 1.700 carreiras em três carreiras gerais, mantendo uma única tabela salarial para a maioria dos cargos.
Especialista aponta histórico
Vanessa Campagnac, gerente de dados do Instituto República.org, destaca que essas desigualdades são fruto de processos históricos distintos, incluindo o poder de barganha de cada categoria ao longo do tempo. Carreiras com sindicatos fortes, capazes de fazer maior pressão, conseguem benefícios e aumentos salariais mais expressivos.
— Essas diferenças têm raízes no século XX, quando diversas carreiras foram se estruturando no Brasil. Algumas carreiras tinham mais poder de negociação, o que resultou em disparidades de benefícios e remunerações — afirma.
Quanto às consequências das desigualdades salariais, a especialista menciona que elas impactam a motivação dos servidores públicos, uma vez que a percepção de valorização salarial contribui para o comprometimento com a missão do serviço público:
— Quanto mais valorizado e reconhecido o servidor se sente, teoricamente ele prestará um melhor serviço para a população.
Segundo ela, não há uma solução única e rápida, mas é essencial analisar a estrutura de carreiras no Brasil, que se caracteriza pela fragmentação e pela existência de numerosas tabelas salariais.
— Promover uma maior equidade passa por olhar para essas carreiras. Algumas conseguiram benefícios ao longo do tempo, e a equidade salarial requer uma racionalização desse sistema — finaliza.
Funcionalismo faz avaliação
Propostas de reforma sugerem que o Brasil adote um modelo de compressão salarial adequado, com menor variação entre o salário mais baixo e o mais alto, para tornar o sistema mais equitativo. Além disso, a criação de uma política de incentivos baseada em desempenho poderia reduzir a dependência de penduricalhos e gratificações, reorientando o foco para a eficiência e a qualidade dos serviços públicos prestados.
Segundo Sérgio Ronaldo, presidente da Confederação Nacional dos Servidores Federais do Executivo, a estratégia do governo de separar negociações em mesas específicas promoveu um aprofundamento das distorções salariais funcionalismo:
– Esse tratamento diferenciado, inclusive dentro de um mesmo órgão, consolida uma política salarial equivocada e elitista que discrimina e estratifica os servidores federais.
Esse sentimento tem sido compartilhado por servidores de dezenas de categorias que, mesmo tendo decidido em assembleias, por maioria, firmar acordo no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), entendem que as propostas do governo vão na contramão do combate às distorções salariais e da valorização dos servidores, destaca o representante sindical.
Em nota, o governo federal aponta que não há diferenças de remuneração entre servidoras e servidores civis do Executivo que ocupam os mesmos cargos e níveis de progressão. Mas reconhece a necessidade de outras correções.
“As diferenças existentes na administração pública federal refletem traços históricos de heterogeneidade e desigualdade remuneratória, e o Governo Federal iniciou em 2023 um conjunto de medidas para corrigir essas distorções, processo que exige tempo e complexidade”.
A União afirma ainda que o sistema de carreiras no Executivo tem “uma estrutura diversa, e é importante que as carreiras, cargos e níveis reflitam remunerações compatíveis com as exigências específicas de ingresso e responsabilidades”.
O governo federal também destacou o Concurso Nacional Unificado (CNU), um modelo de contratação que amplia a equidade de acesso ao serviço público federal, com provas simultâneas em todo o país e conteúdo voltado à diversidade. Outras iniciativas incluem a Portaria 5.127/2024, que estabelece pela primeira vez diretrizes claras para pedidos de reestruturação de carreiras na administração pública federal, assegurando maior transparência, simplificação na estrutura de remuneração e aprimoramento dos mecanismos de reconhecimento e desenvolvimento dos servidores, sem a necessidade de criar novas carreiras para funções já desempenhadas por outras.
Além dessas medidas, a Lei dos Concursos, sancionada em setembro, estabelece diretrizes para proporcionar maior segurança jurídica e harmonização dos processos de seleção pública nos poderes Executivo e Judiciário federal. Dentro dessa mesma linha de transformação, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos está implementando o Dimensionamento da Força de Trabalho (DFT), metodologia que otimiza a gestão de pessoal avaliando necessidades específicas de recursos humanos e logísticos em cada área, o que também orienta a abertura de novos concursos.
Crédito: Gustavo Silva / EXTRA – @ disponível na internet 11/11/2023