Uma reflexão de Ozires Silva sobre cultura, valorização do conhecimento e os desafios para o reconhecimento internacional dos brasileiros.
O engenheiro Ozires Silva, fundador da Embraer e referência em inovação no Brasil, trouxe uma importante reflexão durante sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, em 20 de junho de 2018. Na ocasião, ao discutir os desafios do desenvolvimento nacional, Ozires compartilhou uma pergunta que sempre o intrigou:

“Por que o Brasil não tem um Prêmio Nobel?”
A resposta que ouviu de um membro do comitê do Nobel foi direta e impactante:
“Vocês, brasileiros, são destruidores de heróis. Todo brasileiro que aparece como candidato não tem apoio da própria população. Parece que o brasileiro desconfia do sucesso do outro ou tem ciúmes dele.”
A reflexão de Ozires expõe um problema que vai além da ciência e da cultura. Trata-se de um traço sociocultural que ainda persiste no país: a dificuldade em reconhecer, valorizar e apoiar seus próprios talentos. Este comportamento, segundo ele, contrasta com o que se observa em países que frequentemente figuram entre os laureados com o Prêmio Nobel.
Os Brasileiros Que Chegaram Perto do Nobel
Ao longo da história, alguns brasileiros foram cogitados ou indicados, de forma formal ou informal, ao Prêmio Nobel. Apesar disso, o país ainda não conquistou nenhuma premiação nas categorias de Paz, Literatura, Medicina, Física, Química ou Economia.
Indicações na Paz
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Chico Mendes – Líder seringueiro e ambientalista, foi cogitado ao Nobel da Paz em 1988, ano em que foi assassinado.
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Dom Hélder Câmara – Arcebispo de Olinda e Recife, defensor dos direitos humanos, indicado quatro vezes.
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Dom Paulo Evaristo Arns – Cardeal-arcebispo de São Paulo, símbolo da luta pelos direitos humanos.
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Sérgio Vieira de Mello – Diplomata da ONU, morto em atentado no Iraque, cujo nome chegou a ser cogitado.
Indicações na Literatura
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Jorge Amado – Considerado em diversas ocasiões, foi um dos autores brasileiros mais traduzidos no mundo.
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Carlos Drummond de Andrade – Seu nome sempre apareceu nas discussões informais sobre possíveis indicados.
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João Cabral de Melo Neto – Poeta cuja obra foi reconhecida internacionalmente.
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Clarice Lispector – Embora não tenha sido indicada em vida, hoje é amplamente reconhecida como uma das maiores escritoras do século XX.
Indicações na Ciência
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César Lattes – Físico fundamental na descoberta do méson pi, cuja ausência no Nobel de 1950 é considerada uma das maiores injustiças científicas do século.
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Miguel Nicolelis – Neurocientista brasileiro, referência mundial em pesquisas de interface cérebro-máquina.
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Mayana Zatz – Geneticista brasileira, destaque mundial em pesquisas sobre doenças genéticas e distrofias musculares.
Fatores Que Explicam a Ausência Brasileira no Nobel
A ausência do Brasil no rol de laureados do Prêmio Nobel não se explica por falta de talento, mas por um conjunto de fatores estruturais e culturais, entre os quais destacam-se:
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Descontinuidade nas Políticas Públicas – O país vive ciclos de avanços e retrocessos na ciência, na cultura e na educação.
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Baixo Investimento em Pesquisa – O investimento brasileiro em ciência e tecnologia é insuficiente, girando em torno de 1,2% do PIB, bem abaixo dos países líderes em produção científica.
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Isolamento Acadêmico e Científico – O Brasil ainda mantém uma participação tímida em redes internacionais de pesquisa e desenvolvimento.
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Cultura de Desvalorização Interna – Como apontou Ozires Silva, há um histórico de resistência em celebrar o sucesso nacional, o que compromete a projeção internacional de nossos talentos.

A reflexão de Ozires Silva nos convida a olhar para dentro e repensar, como sociedade, a forma como tratamos nossos próprios heróis — sejam eles cientistas, escritores, líderes sociais ou ambientais.
O caminho para que o Brasil chegue ao Prêmio Nobel passa, necessariamente, por uma mudança cultural: valorizar a educação, investir em ciência, fortalecer as instituições e, sobretudo, aprender a reconhecer e apoiar o talento nacional.
Mais do que conquistar um Nobel, o verdadeiro desafio está em construir uma nação que se orgulhe e valorize seus protagonistas.
Sérgio Ballerini / Fontes de consultas: Video do Programa Roda Viva, da TV Cultura do dia 20 de junho de 2018 e pesquisas na internet – 16/6/2025