Acusados pela morte de cinegrafista vão a júri popular, decide STJ.

0
381

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (27) que os dois acusados de acender e atirar o rojão que matou o cinegrafista Santiago Andrade, em 2014, devem responder por homicídio qualificado e com dolo eventual, quando se assume o risco de matar. Com essa decisão, a dupla deve ir a júri popular pelo crime, em data a ser definida.

Caio Souza e Fábio Raposo, de 24 anos, estão soltos desde 2015 porque a Justiça do Rio entendeu que eles não tiveram intenção na morte – a decisão do STJ contraria esse entendimento. Se condenados, os dois podem pegar até 30 anos de prisão. A filha de Santiago, Vanessa Andrade, acompanhou o julgamento em plenário.

Apesar da decisão contrária aos réus, o tribunal “abrandou” a acusação feita pelo Ministério Público, que listava três agravantes para a morte. O MP pedia que a pena fosse aumentada pelo uso de explosivo, por motivo torpe e pela impossibilidade de defesa do cinegrafista. Desses quesitos, apenas o primeiro foi mantido.

Com isso, os réus continuam respondendo por homicídio qualificado e a punição prevista pelo Código Penal ainda é a mesma, de 12 a 30 anos de prisão. Como a lista de agravantes foi reduzida, a probabilidade de a Justiça aplicar a pena máxima é menor.

O cinegrafista foi atingido por um rojão em fevereiro de 2014, quando trabalhava cobrindo uma manifestação na Central do Brasil, no Centro do Rio. Caio Silva de Souza e Fabio Raposo foram denunciados pelo Ministério Público por explosão e homicídio doloso triplamente qualificado.

A defesa de Souza e Raposo ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar transformar a acusação em homicídio culposo. Com isso, o caso passaria a ser julgado por um único juiz, e não pelo júri popular. O MP informou que não vai ao STF para recompor os três agravantes.

Acusação e defesa
Na denúncia, o MP disse entender que os dois acusados assumiram a responsabilidade da morte quando decidiram soltar um rojão em área de grande movimento. O argumento foi aceito pelo Tribunal de Justiça do Rio, mas a defesa de Souza e Raposo conseguiu reverter a decisão.

Promotor de Justiça responsável pelo caso, Eduardo Morais Martins afirmou durante o julgamento nesta terça que o MP reconhece o “caráter errático” do rojão. Por isso, segundo ele, a acusação é de dolo eventual (quando alguém assume o risco), e não de dolo direto (quando há intenção explícita).

“Em momento nenhum o MP imputa o dolo direto, nem poderia. Realmente, o elemento errático do morteiro aceso pelos réus é exatamente o indicativo do dolo eventual, de que assumiram o risco de causar inúmeras consequências naquele momento. Não é que o resultado não era previsível, mas era um dos possíveis resultados previstos. Poderiam ter morrido mais”, diz Morais.

Segundo os advogados, o rojão utilizado não tinha cabo. Dessa forma, seria muito difícil que alguém conseguisse direcionar ou calcular o trajeto do rojão e o alcance da explosão.

Responsável pela defesa dos dois acusados, Wallace Martins afirmou no julgamento que o uso de rojões nas ruas do Rio de Janeiro é “corriqueiro, apesar de errado”, e a única restrição seria a venda a menores de idade. “Todas as torcidas fazem isso, e ninguém é denunciado”, disse.

Segundo o advogado, Santiago Andrade estava a sete metros de distância do rojão, e a dupla, a dois metros. Na versão da defesa, o explosivo seguiu uma trajetória acidental até a cabeça do cinegrafista.

“Colocam o rojão no chão, ao invés de subir, ele ganha realmente outro contorno, vai numa espécie de noroeste, ‘daqui para lá’. Encontra exatamente a cabeça de Santiago Andrade que, diga-se de passagem, não tinha um único material de defesa. Capacete, colete”, declarou Martins.

Votação
Relator do recurso, o ministro do STJ Jorge Mussi afirmou haver “ao menos indícios de atuação dolosa dos recorridos [réus]” suficientes para que eles respondam ao tribunal do júri.

Ao ler o voto, Mussi comparou o caso ao torcedor Kevin Beltrán Espada, de 14 anos, que morreu ao ser atingido por um sinalizador na arquibancada do jogo San José x Corinthians em 2013, na Bolívia.

O adolescente também foi atingido na cabeça e morreu no local. Um jovem brasileiro de 17 anos assumiu a autoria do disparo à época e, em razão da idade, não foi punido. O caso foi arquivado em agosto de 2013.
Morte trágica
Santiago foi atingido na cabeça por um rojão durante uma manifestação no dia 6 de fevereiro de 2014. Ele teve morte cerebral quatro dias depois, aos 49 anos. A explosão foi registrada por fotógrafos, cinegrafistas e câmeras de vigilância perto da Central do Brasil.

Depois da divulgação das imagens, Fábio Raposo, um dos acusados, se apresentou à polícia. Na época, ele confirmou que passou o rojão ao rapaz que acendeu o artefato que atingiu o cinegrafista.

O segundo acusado, Caio Silva de Souza, foi preso em Feira de Santana, na Bahia, dois dias depois da morte de Santiago Andrade.

Fábio Raposo e Caio Souza ficaram presos preventivamente por 13 meses. Para o Ministério Público, eles cometeram homicídio doloso triplamente qualificado, por motivo torpe, sem possibilidade de defesa e com explosivos. Neste caso, a pena é de até 30 anos de prisão.

No início do mês, Eduardo Morais Martins disse ao G1 que defendia o julgamento de ambos os réus por um júri popular.

“O MP, desde o início, desde a denúncia, entende que há elementos que demonstram que os acusados, ao acenderam o rojão, sabiam pelas circunstâncias que ali estavam, por ser um local com muita gente, por ser uma manifestação, que aquele rojão poderia ferir ou matar, o que acabou acontecendo no fim das contas, alguém faleceu, ainda que não quisessem esse resultado. O dolo eventual é isso:  você assume um risco”, disse.

A defesa argumenta que eles não tiveram a intenção de matar o cinegrafista. “Não houve o dolo eventual que sustenta a acusação. Eles agiram com imprudência e negligência, isso sim, porque não poderiam ter soltado um rojão. Mas eles não foram dolosos, eles não foram intencionais”, declarou o advogado de defesa Wallace Martins.

Também no início deste mês, passados 2 anos e 7 meses do crime, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo lamentou a demora e disse que a incapacidade do Judiciário de responsabilizar culpados é um convite a que ameaças e agressões contra a imprensa persistam.

Crédito: G1 – disponível na web 28/09/2016

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor, insira seu comentário!
Por favor, digite seu nome!