Itamaraty cria “depósito” para acomodar servidores problemáticos

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Itamaraty - Imagem disponível na internet

Circula nos corredores do Ministério das Relações Exteriores (MRE) notícia de que o órgão criou novo setor apenas para lotar servidores problemáticos. O Departamento de Assistência Administrativa e Operacional (Gaoa), oficializado em dezembro de 2017, fica num subsolo “quase insalubre”, como definiu uma oficial de chancelaria.

Um dos servidores lotados no Gaoa é Renato de Ávila Viana, diplomata com histórico de agressões a mulheres, que virou um problema para o Itamaraty. Em 2017, o Metrópoles publicou reportagem na qual uma ex-namorada do servidor o acusava de espancá-la e quebrar dente o dente dela. O texto recordava acusações anteriores de violência e questionava a impunidade.

A matéria gerou revolta e mobilização: um grupo de mulheres do Itamaraty fez vaquinha para pagar pelo implante dentário da vítima, que custará mais de R$ 50 mil. Viana, que já não era querido no local de trabalho pela fama de espancador de mulheres, tornou-se persona non grata nos departamentos do ministério.

Após tentar encaixá-lo em alguns setores e enfrentar resistência das chefias, o MRE colocou o servidor no Gaoa. A transferência de Ávila para o local foi publicada em 20 de fevereiro de 2018, por meio de portaria. Ser lotado nesse espaço virou motivo de piada – e de temor: os servidores que estão ali ganharam o apelido de “demônios da gaôa”.

Oficialmente, o Gaoa terá como parte de suas funções:
  • Contribuir para a execução da política administrativa do Ministério das Relações Exteriores.
  • Auxiliar na execução de atividades de competência de unidades administrativas da Secretaria de Estado das Relações Exteriores e de missões diplomáticas permanentes e repartições consulares no exterior, de acordo com o interesse da administração.
  • Pesquisar a história organizacional do ministério e colaborar na preparação de estudos sobre a história documental oficial da política externa brasileira.
  • Colaborar para a organização, o registro e a compilação de dados – em base digital ou impressa do arquivo histórico do Ministério das Relações Exteriores.

A essa seção também foram designados dezenas de diplomatas que não desejam se aposentar. A “PEC da bengala” alterou de 70 para 75 anos a idade de afastamento e, por isso, alguns servidores ficaram sem função.

O novo departamento é conhecido nos corredores do ministério como “Departamento de Escadas e Corredores (DEC)”. Cerca de 15 pessoas já foram transferidas para lá. O burburinho na instituição é que o DEC é usado para punir quem responde a processos administrativos ou contraria politicamente a chefia.

“É quase impossível exonerar um diplomata, então tem de haver soluções paliativas para os problemáticos. Vão depositar ali quem perdeu a função ou gente controversa, como o ‘Renato Facada’, e assediadores”, explicou a servidora.

Viana ganhou o apelido em virtude de ter sido atacado a facadas por uma então namorada que ele tentou agredir, em 2003. Desde então, colecionou ocorrências relacionadas à violência contra mulheres. Já respondeu a três processos administrativos disciplinares na Corregedoria do Serviço Exterior do MRE, após registros de ataques a duas mulheres em outros países e a mais duas no Brasil. Em território estrangeiro, Renato Viana desfrutou da imunidade diplomática: as autoridades locais não puderam investigá-lo, precisando recorrer ao Itamaraty.

Em 2002, um processo disciplinar investigou agressão do diplomata a uma terceira-secretária do Ministério das Relações Exteriores. A ação terminou arquivada com uma observação: o diplomata deveria controlar suas emoções e impulsos. No ano seguinte, Renato Viana se envolveu em nova agressão com uma namorada brasileira, de quem levou uma facada durante briga em seu apartamento.

Outra sindicância, esta de 2006, apurou violência a uma cidadã paraguaia. Junta médica avaliou Viana e concluiu que, do ponto de vista neurológico, ele estava apto para exercer suas funções. A punição foi apenas uma advertência.

“Evidenciou-se, ao exame psíquico, que o servidor apresenta traços de personalidade denotando certa instabilidade emocional, com forte investimento pessoal na área cognitiva, sem, contudo, configurar uma patologia psíquica. Desta forma, as reações emocionais reveladas pelo servidor não chegam a caracterizar, em termos psicopatológicos, alterações de comportamento significativas”, diz o laudo.

Em 2015, a Embaixada do Brasil em Caracas encaminhou ao MRE denúncia de uma venezuelana que alegava ter “sofrido ameaças, maltrato psicológico e tentativa de sequestro por parte de Renato de Ávila Viana”, como consta na sindicância à qual o Metrópoles teve acesso. A vítima enviou uma cópia da medida cautelar expedida contra o diplomata pela Divisão de Investigações e Proteção à Mulher da Venezuela.

A mesma investigação apurou comportamento agressivo do brasileiro em um evento no Instituto Cultural Brasil-Venezuela, quando ele agrediu verbalmente colegas e prestadores de serviços durante uma festa após jogo do Brasil na Copa do Mundo de 2014. O processo concluiu que não havia provas suficientes para puni-lo sobre a agressão à venezuelana. O servidor do Itamaraty ficou afastado das funções por 10 dias pelo comportamento inadequado no evento diplomático.

Casos de assédio
Outro problema com o qual o MRE tem de lidar é o do embaixador João Carlos Souza-Gomes, que, até pouco tempo atrás, chefiava a Delegação Permanente do Brasil na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), com sede em Roma. Ele foi acusado de assédio sexual e moral por servidoras do órgão.

Ao saber do caso, o ministro Aloysio Nunes ordenou o retorno de Souza-Gomes ao Brasil e que fosse aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar a conduta do diplomata.

Souza-Gomes está afastado e o prazo para que ele voltasse ao trabalho terminava na quinta-feira (8/3), mas foi prorrogado. “O processo continua e a luta também. Nem tudo em Roma deve acabar em pizza. É um pequeno passo para o PAD, mas uma grande passo para o MRE”, afirmou o presidente do Sinditamaraty, Ernando Neves.

Anteriormente, o Sinditamaraty havia publicado um ofício no qual demonstra preocupação com o andamento da investigação:

Divulgação

O Itamaraty não quis se pronunciar oficialmente sobre o PAD que envolve Souza-Gomes, nem a respeito da criação do Gaoa.

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