Eleições 2018: Começa a corrida pelo voto útil. As pesquisas como fator eleitoral

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Como as altas taxas de rejeição dos candidatos à Presidência à frente nas pesquisas e a propensão de 40% do eleitorado a mudar de voto podem influenciar a reta final da campanha. 

Com as pesquisas eleitorais já indicando, a duas semanas do primeiro turno, dois nomes de polos opostos disputando a segunda rodada das eleições presidenciais, a estratégia do chamado voto útil já começa a entrar em cena.

Segundo o cientista político Carlos Melo, a lógica do voto útil é simples. “Em tese, todo eleitor tem um candidato de preferência; aquele por quem sente maior empatia e que, com tranquilidade, cederia seu apoio. Este seria o que podemos chamar de um voto afirmativo”, explica.

“Mas, num ambiente de conflito, o eleitor se dá também o direito de definir o que, para ele, seria o ‘pior resultado’, o mal maior. O candidato entre todos que ‘mais’ rejeita, que descarta decisiva e definitivamente”, completa.

Assim, grupos de eleitores acabam depositando seus votos estrategicamente, inflando a votação de um candidato com o objetivo de derrotar outro. Só que neste ano, as coisas ficaram mais complicadas.

“A novidade é que desta vez, para muitos, não é apenas um mal: mas pelo menos dois”, afirma Melo, em referência a Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, dois candidatos polarizadores na corrida.

Apesar de estarem na liderança, tanto Bolsonaro quanto Haddad, que registram 28% e 19% dos votos, respectivamente, de acordo com o último Datafolha, também estão entre os candidatos com maior rejeição por parte do eleitorado.

Pelo menos 43% dos eleitores afirmam que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum. Haddad, por sua vez, é o terceiro candidato com maior rejeição, 29%, logo atrás de Marina Silva (Rede), que tem 32%. Desde que assumiu o protagonismo da candidatura petista, a rejeição de Haddad aumentou sete pontos percentuais. São índices superiores às intenções de votos desses candidatos e que podem influenciar a reta final do primeiro turno.

Diante desse cenário, os candidatos menos bem posicionados na pesquisa já começam a fazer a pregação por um voto útil entre o eleitorado que rejeita Haddad e Bolsonaro e que seja capaz de levá-los ao segundo turno. Também pesa o fato de que 40% dos eleitores estarem dispostos a mudar seu voto, segundo o Datafolha.

Essa batalha pelo voto útil deve ser especialmente intensa entre Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), que aparecem em terceiro e quarto lugar nas pesquisas. “Se a onda do voto útil aparecer é possível que Ciro Gomes ou Geraldo Alckmin ascendam ao posto que hoje é de Haddad”, conjectura o cientista político Gaudêncio Torquato.

Por enquanto, os candidatos menos bem posicionados nas pesquisas – Ciro, Alckmin, Marina, Alvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Rede) e Henrique Meirelles (MDB) – contam com 35% das intenções de voto.

Nesta semana, a campanha de Geraldo Alckmin abraçou de vez a estratégia do voto útil entre os eleitores que rejeitam Bolsonaro ou Haddad – ou ambos -, dividindo os ataques regulares contra a campanha do militar reformado com críticas ao PT e outros candidatos. Seu programa de TV passou a afirmar que apoiar Bolsonaro pode ser um voto para a vitória do PT, apontando que as pesquisas indicam que Bolsonaro e Haddad estão empatados nos cenários de segundo turno – Alckmin seria capaz de derrotar ambos em uma segunda rodada, mas sua vantagem vem diminuindo.

Em outras frentes, o tucano passou a criticar Ciro Gomes – com quem disputa o terceiro lugar –, Henrique Meirelles e Marina Silva. No sábado (22/09), de olho no eleitorado do Sudeste, afirmou que Ciro “não gosta de São Paulo” e ao longo da semana destacou as antigas ligações de Meirelles e Marina com o PT.

Ciro, por sua vez, ultrapassado por Haddad na última semana, afirmou que o brasileiro “não quer e não merece” um segundo turno para ter de decidir entre um “fascista” – uma referência a Bolsonaro – e “as enormes contradições do PT”. Sua campanha também destaca que nos cenários de segundo turno, ele seria capaz de derrotar tanto Haddad quanto Bolsonaro com margens confortáveis. Ele também tem a menor rejeição entre os cinco candidatos mais bem posicionados (22%).

Nessa estratégia do voto útil, também pesa o fato de que os candidatos menos bem posicionados têm o eleitorado menos consolidado, o que pode favorecer o direcionamento dos votos. Enquanto 76% dos eleitores de Bolsonaro e 75% de Haddad afirmam que não pretendem mudar seus votos, os percentuais são mais baixos entre os demais postulantes. Entre os eleitores de Ciro, 57% afirmam que podem mudar seu voto. Entre os que declararam voto em Alckmin, o percentual é de 58%. Já com Marina, 70%.

Ainda segundo o Datafolha, entre os 40% dos eleitores que podem mudar seu voto, há por enquanto uma dispersão entre todos os candidatos quando uma segunda opção é indicada. Ciro Gomes seria o principal beneficiado, tendo a possibilidade de levar até 15% desses votos. Marina poderia ficar com 13%, Alckmin e Haddad, com 12% cada, e Bolsonaro com 11%. Pelos cálculos do instituto, esses 15% que indicam Ciro como segunda opção poderiam render seis pontos percentuais extras nas suas intenções de voto.

No entanto, a mesma pesquisa aponta que Ciro também corre o risco de perder votos para Haddad, a depender como os eleitores dispostos a abraçar o voto útil vão se comportar. Entre os eleitores do candidato do PDT que podem mudar seu voto, 27% tem Haddad como segunda opção. Com Alckmin, um fenômeno parecido ocorre, e Bolsonaro é a opção de 17% dos eleitores do tucano que podem mudar de ideia.

E a campanha de Bolsonaro também passou a explorar o voto útil e propagandear que Bolsonaro tem chances de ganhar no primeiro turno se o eleitorado de outros candidatos for convencido a optar pelo ex-capitão. “Bolsonaro pode estar a um Amoêdo ou a um Alvaro Dias de vencer no 1° turno”, afirmou nesta semana um de seus filhos, Flávio Bolsonaro, omitindo que mesmo os percentuais desses dois candidatos ainda não somaria mais que seis pontos percentuais ao seu eleitorado, que chega hoje a 28%.

Na quinta-feira, o principal apelo pelo voto útil e por uma estratégia unificada entre diferentes candidatos partiu do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que divulgou uma carta pedindo que candidatos moderados se unissem em torno de um nome com mais chance de êxito. Pouco depois, FHC indicou que o nome que se encaixa nessa estratégia é do candidato do seu partido, o tucano Geraldo Alckmin. A iniciativa, no entanto, acabou sendo rejeitada publicamente por todos os principais candidatos.

Em 2014, a pregação do voto útil acabou redesenhando a disputa presidencial nos dias que antecederam o pleito. À época, o tucano Aécio Neves disparou a pouco dias do primeiro turno ao pedir “voto útil para vencer Dilma” e foi ao segundo turno após ter sido considerado fora do jogo, avançando sobre o eleitorado de Marina Silva.

Em outros casos, o voto útil não foi capaz de influenciar de maneira decisiva, mesmo quando um candidato reunia baixa rejeição e potencial de vencer um segundo turno contra outros candidatos que eram vistos como um mal maior por uma parte significativa do eleitorado.

Nas eleições presidenciais de 1989, as pesquisas indicavam que Mário Covas (PSDB) seria capaz de derrotar Fernando Collor em uma segunda rodada. Seus números eram mais promissores do que aqueles de Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também tinha a menor rejeição entre os principais candidatos. Covas, no entanto, apesar de ter crescido nos dias anteriores ao pleito, acabou em quarto lugar, com 11,51% dos votos.

As pesquisas como fator eleitoral

Sondagens se propõem mais a apontar tendências do que cravar números. E nisso, dizem analistas, dificilmente os grandes institutos costumam se enganar. Os resultados podem mudar a estratégia do eleitor.

    
Symbolbild Wahlen in Brasilien (Agencia Brasil/J. Cruz)

“As pesquisas não conseguiram computar estatisticamente as nuances imprevisíveis e insondáveis do caráter humano”, analisava o jornal The New York Times após a vitória do democrata Harry Truman contra o republicano Thomas Dewey nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 1948. O resultado contrariava as previsões expostas em pesquisas eleitorais. O jornal Chicago Daily Tribuneestampava em manchete no dia da votação: “Dewey derrota Truman”. Após o resultado, o democrata ergueu o jornal na festa da vitória. As pesquisas haviam perdido para as urnas.

Passados 70 anos, a precisão dos métodos utilizados para captar o humor do eleitor melhorou. Um estudo feito pela Universidade de Houston com mais de 500 votações em 86 países em 2013 apontou que mais de 80% das pesquisas eleitorais feitas a duas semanas da votação acertaram o vencedor. Outra parte do estudo, publicado na revista Science no ano passado, reuniu dados de 11 eleições na América Latina entre 2013 e 2014, com pesquisas indicando o vencedor correto em dez casos. Mais de 90% de acerto.

Mesmo com essa evolução, os EUA viveram um déjà vu com a vitória de Donald Trump em 2016. Mas para Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, a possibilidade de vitória já estava na margem de erro. Naquela vez, afirma, não foram as pesquisas que perderam, mas os analistas.

“Foi um erro de leitura dos resultados das pesquisas. O que aconteceu foi que as pessoas não acreditavam que Hillary Clinton perderia porque não era o cenário mais provável, mas havia uma possibilidade dentro da margem de erro das pesquisas feitas dias antes da votação”, afirma Ortellado.

O principal autor do estudo, Ryan Kennedy, cita que as pesquisas acompanhadas pela equipe do Centro de Estudos Internacionais e Comparativos da Universidade de Houston detectaram que a candidata democrata tinha 84% de chances de vencer. Em uma área baseada em probabilidade, 16% não é um número que deveria ser descartado, como fez a imensa maioria de jornais e analistas.

“O que as pessoas esperam é que as pesquisas cravem números certos. Pesquisas eleitorais são apenas amostras e tendências do que pode ocorrer. Se uma pesquisa aponta que um candidato tem 90% de chance de vitória, isso significa que, em dez eleições, nove ele venceria. Mas a votação ocorre apenas uma vez, então aqueles 10% podem aparecer no resultado final”, diz Glauco Peres, cientista político da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Após vitória improvável, Harry Truman mostra capa de jornal que chegou a anunciar candidato rival como vencedor das eleições americanas de 1948Após vitória improvável, Harry Truman mostra capa de jornal que chegou a anunciar candidato rival como vencedor das eleições americanas de 1948

As estratégias do eleitor

A partir de domingo (23/09) o Brasil entra no período eleitoral que é abrangido pela pesquisa americana: a duas semanas da votação, os resultados das pesquisas dificilmente erram. É também a época onde os candidatos que precisam ganhar votos se tornam mais incisivos em debates e na propaganda. Para o professor Peres, há ainda um elemento a mais para movimentar a corrida eleitoral: a influência das pesquisas na tendência no voto do eleitor.

“O eleitor também tem uma estratégia, não vamos pensar que ele é 100% sincero na urna. Ele pode votar no candidato para vencer ou apenas para passar um recado. Por exemplo, os eleitores de Guilherme Boulos e João Amoêdo sabem que eles não têm chance de ir ao segundo turno, então esse é um voto ideológico. Mas esse eleitor pode mudar de opção caso acredite que pode mudar a ordem no topo da pesquisa para ter uma opção no segundo turno”, explica Peres.

O cientista político cita como exemplo de movimentação do eleitorado de acordo com pesquisas as eleições municipais de 2016 em São Paulo. Nos últimos dias os institutos de pesquisa apontaram um crescimento do então prefeito petista Fernando Haddad. Então, analistas apontaram uma migração e votos de outros candidatos em João Dória (PSDB), que acabou vencendo no primeiro turno.

“A rejeição ao PT na cidade era tão grande que acredito que o crescimento dele nas pesquisas induziu eleitores de outros candidatos a evitar uma reviravolta, então migraram para Dória. Quando decide o voto, o eleitor decide que quer uma coisa, mas também decide que não quer várias coisas. Por isso, a vitória no primeiro turno não era esperada”, conta Peres.

Tête-à-tête ou por telefone

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou 147 milhões de eleitores aptos nas eleições deste ano. Como ouvir e analisar a intenção de todas essas pessoas é uma tarefa inviável, institutos de pesquisa delimitam um universo a ser apurado, como características de sexo, cor, escolaridade e renda dos eleitores.

A proporção da amostra a ser pesquisada deve ser igual à dos 147 milhões aptos pelo TSE. Por exemplo, se 52% dos eleitores brasileiros são mulheres, a mesma proporção de pessoas do sexo feminino deve estar representada nas entrevistas das pesquisas eleitorais.

Os dois maiores institutos de pesquisa do Brasil, Ibope e Datafolha, fazem pesquisas presenciais, mas utilizam métodos diferentes para chegar ao entrevistado. O Ibope manda os entrevistadores aos chamados “setores censitários” para obter respostas. Esses setores são áreas definidas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que usa esse método na elaboração do Censo. Já o Datafolha, para coletar respostas, encaminha os entrevistadores para “pontos de fluxo”, locais de grande trânsito de pessoas nas cidades.

As eleições deste ano ganharam um modelo novo de pesquisas no Brasil, o de questionários feitos por telefone. Um robô liga aleatoriamente para um determinado número de telefones, fixos e celulares, e registra dados pessoais dos entrevistados como CPF, sexo, cor e renda; em seguida o robô lê as perguntas. O método é bem mais barato também. Por telefone, uma pesquisa para coletar dados de 3 mil pessoas custa em média R$ 60 mil. Em um levantamento presencial o valor gira em torno de R$ 400 mil.

Mas a principal polêmica está na pergunta principal. Para escolher um candidato, pesquisas presenciais apresentam um cartão circular com os nomes, assim o entrevistado não consegue ver os políticos em uma lista com alguém no topo, o que pode induzir a uma resposta. Por telefone os nomes são lidos em ordem alfabética. Além disso, o robô lê os oito primeiros nomes relacionando às teclas de 1 a 8. Para ouvir os últimos cinco candidatos, o entrevistado precisa clicar no número 9 para recomeçar a contagem. Ou seja, tem que haver um esforço extra do eleitor para “encontrar” o seu candidato.

“É consenso que esse tipo de pesquisa ainda precisa ser calibrado. Há alguns ajustes estatísticos, até pelo número e acesso a telefone no Brasil e pela distribuição da pirâmide brasileira. Justamente por isso os resultados são divergentes de pesquisas presenciais”, afirma Pablo Ortellado.

Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 24/09/2019

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