Será este o alvorecer da Era do… Nióbio?

0
487
Esqueça a Era do Petróleo. Os minerais que impulsionam o mundo da alta tecnologia são a nova sensação na geopolítica

Em suas andanças de campanha, o presidente recém-eleito Jair Bolsonaro adorava falar sobre sua visão de como impulsionar a trôpega economia do país: o “Vale do Nióbio”. O Brasil é o maior produtor de nióbio para o mercado global, como Bolsonaro frequentemente lembrava a suas plateias, por vezes mostrando um pequeno pedaço de metal cinzento que ele carregava em sua bagagem de mão especialmente para essas ocasiões. Ele até fez um vídeo de 20 minutos em seu canal no YouTube sobre o assunto.

E, se você se importa com o futuro do seu smartphone, deveria prestar atenção ao que Bolsonaro fará com as reservas de nióbio brasileiras.

Isso porque o nióbio é um de uma série de minerais essenciais para o funcionamento da nossa vida moderna — e das Forças Armadas modernas também. Hoje, a economia global depende de uma verdadeira tabela periódica de metais anteriormente pouco conhecidos para fabricar equipamentos de alta tecnologia, de smartphones a implantes ortopédicos e mísseis de precisão. Como um artigo recente na revista Proceedings , da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, sugere, o mundo entrou numa nova era de recursos: adeus Era do Bronze e Era do Petróleo, bem-vinda Era do Mineral Estratégico.

Por causa disso, esses materiais podem muito bem estar no centro do que o Pentágono recentemente denominou, em sua estratégia de defesa nacional para 2018, como “espaço competitivo”. De acordo com o governo americano, a principal ameaça à segurança nacional americana atualmente não é mais o terrorismo global, e sim a “competição estratégica de longo prazo”, particularmente com a China. Hoje, a rivalidade entre os EUA e a China está mais para um conflito morno do que para uma Guerra Fria — mas a disputa por recursos, parceiros comerciais e outras vantagens estratégicas está claramente se intensificando.

A estratégia de 2018 do Pentágono não cita explicitamente o nióbio ou qualquer outro mineral estratégico como parte do “espaço competitivo”, mas talvez devesse tê-lo feito. Esse mineral é, afinal de contas, um exemplo claro de como o acesso aos materiais que dão vida ao mundo da tecnologia de ponta pode se tornar uma das principais questões da geopolítica.

Em primeiro lugar, é preciso entender o alarde em torno do mineral em si. O nióbio tem tantas qualidades e tanta versatilidade que se tornou um elemento bastante importante da vida moderna. Ele pode ser combinado a outros metais para torná-los mais resistentes, fortes e leves. Gasodutos, oleodutos, pontes e automóveis, por exemplo, usam ligas de aço com nióbio. Ele é hipoalérgico e não reage com a pele humana, o que o levou a ser usado em tudo, de joias a marca-passos e implantes de joelhos. E, por ser também um condutor com resistência ao calor, o nióbio é usado em baterias, semicondutores e ressonâncias magnéticas.

Ainda que não haja dúvidas sobre a utilidade do nióbio, a razão de seu protagonismo no “espaço competitivo” tem mais a ver com o lugar do Brasil no mercado. O país tem a maior reserva de nióbio do mundo, mais de dez vezes maior que a segunda, no Canadá. De acordo com o levantamento geológico dos EUA, o Brasil hoje é responsável por 90% da produção global de nióbio, a maior parte dela vindo de uma única mina. Em outras palavras, o sonho do Vale do Nióbio não é irreal.

A China — o grande competidor apontado na estratégia de defesa dos EUA — não está disposta a correr riscos quando se trata do nióbio brasileiro. Em primeiro lugar, e mais importante, a China adquiriu uma participação de 15% na Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, a maior mina de nióbio do mundo. Mais indiretamente, mas ainda digno de atenção, está o fato de que os chineses vêm cultivando um relacionamento amplo com o Brasil, que inclui US$ 22 bilhões em vários tipos de apoio e US$ 68 bilhões em comércio bilateral, o que faz do gigante asiático o maior parceiro comercial do Brasil. O governo chinês está fazendo também uma série de investimentos de soft power no país, como a criação de dez Institutos Confúcio de cultura e linguagem.

Nem todo mundo no Brasil, porém, está animado com essa presença chinesa. Na verdade, em sua campanha, o presidente eleito Bolsonaro desmereceu a China, ao classificá-la como uma força estrangeira predatória que estaria “comprando o Brasil”, e desafiou a política do país asiático ao visitar Taiwan, sendo o primeiro candidato à Presidência no Brasil a fazê-lo desde os anos 70. Ainda assim, apesar de todo o seu carisma, Bolsonaro pode ter dificuldades de ir muito além em sua retórica anti-China, dado quão interligadas estão as economias dos dois países.

Mas o Brasil não é único. De acordo com o documento, além do Brasil e seu nióbio, ainda há outros quatro países de que tanto os EUA quanto a China dependem por causa de seus específicos e importantes minerais. Esses países, em contrapartida, dominam o mercado global de um mineral. A lista inclui o Chile e o lítio, a República Democrática do Congo e o cobalto, Ruanda e o tântalo e a África do Sul e a platina. A China já fez avanços significativos na relação com esses países, incluindo apoio financeiro, comercial e investimentos.

Há ainda uma outra razão, além do investimento estratégico em países-chave, para que a China esteja na frente quando se trata do “espaço competitivo” em torno dos minerais estratégicos. Como o documento demonstrou, para se manter na dianteira da Era da Informação, os EUA dependem de recursos externos para suprir a demanda de outros 13 metais, enquanto a China só precisa de fontes externas para cinco deles. Ou seja, a China domina a produção global de nove dos 13 metais de cuja importação os EUA são dependentes (graças a uma combinação chinesa de sorte geológica, baixos custos de produção e legislação ambiental leniente). É verdade: os EUA dependem e muito da China para alguns dos seus minerais estratégicos.

Crédito: Sharon E. Burke e Rachel Zimmerman para a Slate – Tradução de Daniel Salgado/Revista Época – disponível na Internet 17/12/2018

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor, insira seu comentário!
Por favor, digite seu nome!