CNPq transformado em “Agência Executiva”, a quem interessa isto?

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O CNPq foi criado em 1951, através da Lei nº 1.310 de 15 de janeiro de 1951 como “pessoa jurídica subordinada direta e imediatamente ao Presidente da República, (…) {gozando} de autonomia técnico-cientifica, administrativa e financeira”, e transformado em fundação pública com personalidade jurídica de direito privado pela Lei nº 6.129, de 6 de novembro de 1974. A transformação em Fundação visou dotar o CNPq de mais autonomia e agilidade administrativa e a transferência das unidades retirou do CNPq o papel de desenvolver diretamente a pesquisa.

Durante seus 65 anos de existência o Conselho vem cumprindo exemplarmente, sem que tenha sofrido descontinuidade, sua missão de “promover, e fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico do País e contribuir na formulação das políticas nacionais de ciência e tecnologia”.

Ao longo de sua história pode-se verificar que os maiores entraves sofridos pelo Conselho no cumprimento de sua missão deveram-se principalmente à descontinuidade das políticas de C,T&I e à inconstância dos recursos a ele destinado, mais do que a sua forma jurídica e/ou administrativa. A ausência ou pequena percepção da sociedade brasileira, de sua elite, das suas lideranças políticas, dos sucessivos governos sobre a importância da ciência para o desenvolvimento, fragilizaram/fragilizam as ações do CNPq ao lhe retirarem ou disporem de seu orçamento através de constantes contingenciamentos e cortes de recursos orçamentários.

A atuação do CNPq foi e tem sido fundamental para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação no país. O crescimento e a qualidade da pesquisa e da pós-graduação no Brasil estão diretamente vinculados às ações do CNPq e da CAPES.

A legislação que prevê as agências executivas visam “assegurar maior autonomia de gestão administrativa, e de recursos humanos às autarquias e fundações” e estavam inseridas nas propostas de reforma do Estado propostos pelo Governo FHC que tinham como principal foco a redução do tamanho do Estado. Em 1998 o Conselho Deliberativo em três de suas reuniões, debateu o assunto, porém não deliberou por transformar o Conselho em agência executiva. O ex-ministro do MCT e ex-presidente do CNPq, Bresser Pereira, condutor da reforma administrativa dos anos 1990 e a comunidade científica à época recusaram tal proposição.

A retomada do assunto por parte da presidência do CNPq no presente momento que através da portaria 207/2016 constituiu Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de elaborar um Termo de Referência para qualificação do CNPq como Agência Executiva nos causa estranheza e preocupações. A instância máxima decisória do CNPq, seu Conselho Deliberativo, em algum momento foi chamado a se manifestar? Ou mesmo consultado? Se estivermos efetivamente em um quadro que exija mudança tão severa, não é o caso de buscarmos no conjunto do quadro de servidores, reconhecidamente qualificado, e no Conselho Deliberativo, onde têm assento representantes das áreas científica, tecnológica, do empresariado e um representante eleito pelos servidores do CNPq, colaboração para encontrar soluções?

A memória da reunião 25/2016 da Diretoria Executiva ocorrida em 31 de agosto de 2016 afirma na parte informes gerais que o presidente “Destacou que a evolução da legislação de regulamentação da atuação do CNPq mostra que a instituição foi progressivamente perdendo sua autonomia administrativa, inclusive com uma perda da gestão sobre o patrimônio”.

Qual estudo demonstra essas efetivas perdas? Isso muito nos interessa conhecer e discutir.

Em seguida afirma que “Estudando as alternativas que o CNPq pode adotar na sua gestão administrativa, há a possibilidade de converter a instituição em uma Agência Executiva”.

Os servidores do CNPq querem conhecer esse estudo e as alternativas propostas.

Quais seriam os ganhos desta transformação para o Conselho e para o desenvolvimento da C,T&I no Brasil?

Redução de custos administrativos e quadro de pessoal? Não parece ser o caso, pois o CNPq já conta com um quadro de pessoal reduzido e um custo administrativo que representa cerca de 10% do orçamento global do CNPq. Ganharia o CNPq e a CT&I com processos de terceirização de atividades típicas de estado desenvolvidas pelo CNPq?

Ganhos em eficiência e melhoras no desempenho? Hoje o CNPq executa cerca de 98% de seu orçamento, índice que demonstra a sua eficiência e desempenho, alcançado por poucas instituições do Governo Federal. Que eficiência, desempenho e qualidade a maior são esperados?

Queremos que o CNPq cumpra integralmente a sua missão, de fomentar a Ciência, Tecnologia e Inovação, mas também queremos que efetivamente atue na formulação das políticas de C,T&I, e de fato e de direito contribuir para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional. Nada nos faz crer que qualificar o CNPq como agência executiva nos conduzirá para o cumprimento de nossa missão, mas ao contrário, cremos que nos levará ao seu abandono.

Claro que há muito que pode ser melhorado no CNPq. Porém, não nos parece que os problemas que hoje se vislumbram, como a redução do orçamento do CNPq, carência de pessoal, entre outros, possam ser resolvidos com sua transformação em agência executiva. Somos temerosos de que a solução apontada possa piorar o quadro, pois a autonomia, eficiência, etc. propaladas dependem de contratos de gestão, a serem acordados com o MCTIC, na dependência da aceitação deste ou não, ou mesmo com outros ministérios, órgãos e empresas. O atual ordenamento jurídico não nos impede de fazer isso. E efetivamente já o fazemos. O que mais nos proporemos a fazer que uma agência executiva pode fazer e não podemos?

A experiência das Organizações Sociais (como o CGEE no âmbito do MCTIC) não nos parece casos de sucesso. Ou mesmo, se olharmos para o caso do INMETRO, no âmbito do MDIC, mas cujos servidores são egressos das carreiras de C&T, que em 1998 transformou-se em agência executiva, hoje reclama de abandono, sucateamento e redução de recursos.

A ASCON acredita que devemos buscar sempre aprimorar a gestão e ações do CNPq e de seus servidores, que devemos lutar continuamente pelo desenvolvimento da C,T&I no Brasil, por mais recursos para a área, mas não podemos nos levar por cantos de sereia ou soluções mágicas que não atingem a origem de nossos problemas. Ciência, tecnologia e inovação devem ser prioridades e serem tratadas como política de Estado. Consideramos que a crise em que vivemos é fruto sim da conjuntura política e econômica do Brasil, mas a construção da democracia e as soluções dos problemas necessariamente significa colocar em debate questões que interessam à toda a comunidade.

Brasília, 14 de setembro de 2016.

Diretoria Executiva da ASCON

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