A internet é o que a gente faz dela

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Como os jovens usam ferramentas digitais para criar impactos positivos

Fundador de start-up com apenas 13 anos

Davi Braga, durante participação no programa Shark Tank – Divulgação

Aos 13 anos, Davi Braga teve a ideia de criar um serviço na internet para automatizar a venda de material escolar pela loja da mãe, Cristiana Peixoto Braga, que percorria Maceió de colégio em colégio oferecendo kits de material escolar. Hoje, a loja de Cristiana não existe mais, mas o filho, de apenas 16 anos, é CEO da List-it, start-up de venda de kits escolares que atua em 60 cidades do país.

O empreendedorismo de Davi é exemplo de que a internet não é uma armadilha para crianças e adolescentes, mas apenas mais um espaço, no caso virtual, onde eles transitam e constroem suas vivências próprias. “Antenado” desde pequeno, Davi conta que até onde sua memória alcança ele mexia com computadores e celulares. E pela curiosidade, montava e desmontava as máquinas, sempre consultando a internet.

— Quando eu era menor, não tinha tantos perigos como hoje — diz Davi. — Eu não tinha limitação e meus pais não supervisionavam o que eu fazia, mas nunca tive problema. Eu também sou safo, se chegasse a mim alguma proposta “indecente”, eu já saberia que tinha alguma coisa errada.

Hoje, porém, o jovem avalia que os pais devem ficar atentos com as atividades dos filhos na internet, principalmente nas redes sociais. Apesar de passar praticamente o dia inteiro conectado — usa a internet para os estudos, trabalho e entretenimento —, Davi não se considera “viciado” em tecnologia, e recomenda que o uso em excesso deva ser monitorado pelos responsáveis.

— Tem muita gente que se vicia. A partir do momento em que você sente falta de um telefone como se fosse uma parte de si, você está viciado — avalia o empreendedor. — Eu não sou viciado, apesar de usar bastante a internet. Minha diversão é nela, o meu trabalho e até a escola. Hoje em dia, o smartphone é uma ferramenta de aprendizado. Em vez de aplicar dez minutos escrevendo as anotações do quadro, você tira uma foto em segundos.

Estudante do 2º ano do ensino médio, Davi planeja viajar neste ano para um curso de intercâmbio nos EUA, onde pretende cursar faculdade no setor de negócios. Tudo pago com dinheiro próprio, ganho com a start-up. Diferente de outros jovens empreendedores, ele não pretende estudar em áreas ligadas à computação ou design.

— Eu não sou programador nem designer. Eu sou uma fonte de ideias e um vendedor — diz o adolescente, que conversa com a desenvoltura de um adulto, tanto que já se apresentou na badalada conferência TED.

Sobre a importância das ferramentas digitais na vida dos jovens, Davi explica que tudo o que construiu partiu do mundo digital.

— Eu usei o que tinha ao meu redor, no caso ferramentas digitais, para criar algo palpável e que rendesse retorno financeiro. Foi na internet que estudei sobre negócios e fiz contatos. E na hora de espalhar o meu serviço, usei as redes sociais — conta Davi. — Acredito que o meu exemplo, a minha história de convivência com o digital possa influenciar outros jovens.

Transformando crianças em autores digitais

Laura Boscolo e Rafael Imamura foram premiados em concurso da Intel – DIVULGAÇÃO/INTEL

O que poderia ser apenas um trabalho de conclusão do curso de Informática no Colégio Técnico de Campinas se transformou num premiado projeto de inovação social. Há três anos, Rafael Eiki Imamura, de 20 anos, e Laura Paixão Boscolo, de 19, desenvolveram o Yarner, uma plataforma de criação de livros digitais para apoiar professores na alfabetização de alunos. Após passar por várias feiras de ciências no país, o programa foi premiado ano passado na Feira Internacional de Ciências e Engenharia da Intel.

— A gente queria impactar o modo como a leitura e a escrita são ensinados na escola — explica Rafael. — A escola sente falta de ferramentas pensadas para elas, que mudem a experiência de ensino. Usar a tecnologia em sala de aula significa alterar a interação com os alunos. Não adianta só colocar o conteúdo do livro no projetor.

No Yarner, as crianças podem criar seus próprios livrinhos com fotografias, vídeos e desenhos. A ideia é que essa prática incentive o hábito de leitura desde a infância. O projeto ficou em 4º lugar na categoria “Sistemas e Softwares” da feira da Intel, considerada o maior concurso pré-universitário do mundo, e recebeu o prêmio Web Innovation Award, concedido pela GoDaddy, e o Oracle Academy.

Jovens e entusiastas da tecnologia, os dois reconhecem que sem o conteúdo disponível na internet, o projeto nunca teria saído do papel. Foi na rede que a dupla conseguiu informações de como desenvolver um aplicativo. Também foi pela web que eles contataram escolas e universidades que apoiaram as pesquisas.

— A vida está cada vez mais conectada, e com essas ferramentas a gente pode fazer o que a gente precisa — comentou Rafael.

Mesmo assim, os dois recomendam aos pais cuidado com os filhos. Durante a infância, Laura teve o uso da tecnologia controlado de perto. Alguns jogos, com muita violência, eram proibidos, e o horário da internet, contado no relógio. Nada de navegação durante a madrugada.

— A internet pode ser usada para coisas muito ruins — avalia Laura. — O nosso projeto mostra que ela pode servir para coisas muito boas também.

No momento, o Yarner se encontra em modo de espera, pois a dupla, junto com um terceiro amigo, estão trabalhando no projeto CooKing, um assistente digital para ensinar jovens a cozinhar, que foi selecionado como um dos 15 finalistas da etapa nacional da Imagine Cup, competição internacional de start-ups promovida pela Microsoft.

Do videogame à celebridade no YouTube

Pedro Afonso Rezende tem 11 milhões de seguidores no YouTube – Carmen Kley / DIVULGAÇÃO

O videogame é ponto de atrito comum na relação entre pais e filhos. Enquanto as crianças sempre acham que precisam jogar um pouco mais, passar aquela última fase, os adultos se preocupam com o tempo “perdido” na frente da televisão. Mas alguns jovens estão mostrando que sim, é possível transformar os jogos eletrônicos em algo positivo.

Pedro Afonso Rezende, de 20 anos, é exemplo disso. Conhecido na rede como “RezendeEvil”, o jovem possui um canal no YouTube com 11,4 milhões de inscritos, e seus vídeos já foram assistidos 4 bilhões de vezes. Ele é o maior youtuber brasileiro sobre videogames, em especial sobre o “Minecraft”.

— A ideia surgiu quando estava numa fase difícil em um jogo e não conseguia passar — lembra Pedro. — Busquei ajuda na internet e vi um vídeo ensinando como passar. Gostei disso e pensei em fazer o mesmo, assim começou a ideia do canal.

Nascido na década de 1990, Pedro cresceu acompanhado pelos jogos eletrônicos. “É algo que está na minha geração”, conta. Contudo, afirma que não passava muito tempo jogando, porque sonhava em ser jogador de futebol e precisava se dedicar aos treinos. Mas reconhece que já recebeu “chamadas” dos pais.

— Eles são tranquilos — diz o youtuber. — Eram chamadas para eu fazer outras coisas que deixava de lado para jogar videogame. Mas se estivesse com tudo em dia, eles não implicavam.

Mas mesmo com pais tranquilos, Pedro considera que os responsáveis devem acompanhar de perto o que os filhos jogam, principalmente os jogos on-line, onde as crianças se relacionam com desconhecidos.

— Meus pais sempre souberam os jogos que eu comprava e quando estava jogando — lembra ele. — Acho importante os pais saberem o que o filho está fazendo, jogando e assistindo, não só para limitar. Mas para fazer parte do momento junto.

Com milhões de seguidores e público formado por crianças e adolescentes, Pedro se preocupa com o formato e os assuntos abordados. O desafio da Baleia Azul, inclusive, foi tema de um vídeo recente, que teve mais de 400 mil visualizações.

— Meu foco principal é entretenimento, mas um dos meus objetivos é fazer isso de forma correta, inserindo alguns valores que considero importante, tratando a todos com respeito, evitando utilizar certos tipos de linguagem — diz Pedro. — Tenho toda uma preocupação para que seja algo positivo mesmo. Se necessário, faço vídeos mais objetivos orientando para algo, como fiz mesmo com a Baleia Azul.

Assédio na rua, ação nas redes

A jovem Catharina Doria criou um aplicativo após ser assediada na rua – INSTAGRAM/@cahdoria

A estudante de Publicidade Catharina Doria, hoje com 18 anos, é criadora do aplicativo “Sai pra lá”, uma plataforma para mulheres de todo o país criarem, de forma anônima, um mapa colaborativo sobre casos de assédio. A ideia surgiu de uma experiência desagradável vivida por ela, que foi assediada e perseguida por um homem quando era apenas uma estudante do ensino médio.

— Eu tinha 16 anos. Estava andando na rua e um cara começou a me assediar e me perseguir, dizendo: “gostosa”, “delícia”. Ele não parava, e eu fiquei com medo — lembra Catharina. — Cheguei em casa e fiquei com aquele sentimento ruim dentro de mim.

A solução encontrada pela jovem foi a rede. Com o dinheiro que seria usado para uma viagem de formatura a Cancún, no México, Catharina criou o aplicativo, a sua porta de entrada para o ativismo na internet. A partir de então, começou a ser contatada por outras meninas, também vítimas de assédio.

— Meninas novas, de 12, 10 anos, que já usam a internet, começaram a mandar mensagens relatando casos, perguntando se o que viveram era assédio — conta Catharina. — Daí surgiu a ideia de criar um canal no YouTube.

No portal de vídeos, a estudante publica material sobre assuntos como feminismo, assédio e empoderamento. A ideia, conta, é usar o potencial da internet para disseminar informações e apoiar outras mulheres.

— Essas meninas precisam dessa rede, onde elas possam se apoiar, saber que outras passam pelo mesmo problema e podem ajudar — diz Catharina. — Tento transformar assuntos que são vistos como chatos em algo descontraído.

Mas se por um lado o ativismo nas redes ajuda na circulação das ideias, existe o lado perverso, o dos haters. Por defender ideais feministas, Catharina é vítima de pessoas que usam a internet para agredi-la.

— Às vezes dá medo, dá vontade de sumir, trocar de nome, mas é preciso focar no que é importante — lamenta Catharina. — Você pode ser o que for, vai ser sempre ruim para alguns. E quando você tenta fazer a diferença, isso acaba incomodando as pessoas que são privilegiadas, que respondem com ódio.

Crédito: Sérgio Matsuura/O Globo – disponível na internet 29/04/2017

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