O ovo e a galinha

0
690
O desenvolvimento econômico e o desenvolvimento urbano são interdependentes. É ocioso perguntar o que vem antes, o ovo ou a galinha

Em bela crônica publicada no GLOBO, a jornalista Cora Rónai comenta a melhora de cidades como Lisboa, Barcelona e Seul. “Barcelona há 30 anos era uma cidade parada, decadente. Lisboa, provinciana e melancólica. E Seul? Seul era um vasto nada.” E prossegue: “As transformações por que passaram beiram o inacreditável; e conheço tantas outras que foram se tornando gradativamente mais limpas, mais eficientes, mais bonitas.” Mas lamenta: “o oposto exato do Rio.”

As grandes cidades cumprem papel cada vez mais importante. Elas se constituem em nós da rede mundial que conduz as relações econômicas, políticas e culturais contemporâneas. A qualidade da vida urbana é básica nesse quadro de globalização. As cidades citadas por Cora Rónai estão nesse contexto. Porém, a tal papel o Brasil não tem dado a necessária atenção.

Aqui, perdura a superada ideia de que o crescimento econômico é que melhora as cidades. Mais ou menos como dizia Delfim Neto, nos tempos da ditadura: é preciso crescer o bolo para distribuí-lo. Hoje, sabe-se, o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento urbano são interdependentes. É ocioso perguntar o que vem antes, o ovo ou a galinha. Há que se trabalhar em simultâneo sobre os múltiplos fatores que atuam para desenvolver a cidade e o país. É o ovo e a galinha.

Assim, sendo o Rio uma cidade global, como trazê-la às exigências do tempo?

Está visto que economia destroçada, estado quebrado, política desacreditada e segurança em guerra não são frutos do acaso, mas construção continuada. A reversão será complexa. Uma nova política é indispensável, mas, para ser nova e efetiva, a sociedade precisa estar junto, sob temas que tenham poder transformador.

Nesse sentido, para além daqueles eventualmente em pauta, podem ser listados alguns temas no âmbito urbanístico, como os que seguem.

Regularizar as calçadas. Há muito o que fazer na mobilização dos proprietários para manutenção e acessibilidade adequada, conforme a vida civilizada. Custo zero para o Erário, milhares de empregos.

Recuperar o Centro. Muitas oportunidades de aproveitamento de áreas vazias e imóveis desocupados, servidos de infraestrutura. Inúmeros apartamentos tiveram o uso modificado para comercial, e hoje estão ociosos. Reverter esse quadro possibilitará novos moradores no Centro e ocupação das salas vazias. Custo zero para o Erário.

Transformar os trens em metrô. Melhora na vida de milhões de cidadãos, redução da poluição, integração metropolitana. Custo: 20% da obra da Linha 4.

Conter a expansão. Sem crescimento demográfico, a área ocupada pela cidade não deve expandir. As novas construções podem ocupar vazios infraestruturados, suficientes para a demanda. Evitam-se o esvaziamento de bairros consolidados e o aumento dos custos de manutenção da cidade. Custo zero para o Erário.

Universalizar o saneamento. É uma vergonha que as cidades brasileiras, o Rio também, tenham mais da metade de seus domicílios sem esgoto adequado, apesar da importância para a saúde pública e para a economia urbana.

Universalizar os serviços públicos. Favelas e loteamentos populares precisam ser incorporados ao domínio constitucional. Isso inclui urbanizá-los e manter os serviços públicos permanentemente. Custo: programa já realizado demonstra que é viável com os recursos disponíveis. Milhares de empregos.

Reduzir a insalubridade das moradias. Oferecer assistência técnica para reforma de moradias insalubres. Custo: financiamento simplificado diretamente às famílias. Milhares de empregos.

Planejar a metrópole. Criação de política de governança para a cidade metropolitana. Custo ínfimo.

Como se vê, são temas comuns às grandes cidades brasileiras, salvo o trem-metrô, um potencial que só o Rio tem. Quanto do Brasil que ora temos se deve à situação calamitosa das grandes cidades? Mas se o Brasil custa a despertar para essa realidade que compromete o seu desenvolvimento, o Rio, pela gravidade de sua crise, não pode esperar.

Sua dimensão urbanística é crucial para a sua recuperação. 

Artigo publicado no jornal O Globo – disponível na internet 04/11/2017 

Nota: O presente artigo não traduz necessariamente a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

DEIXE SEU COMENTÁRIO

Por favor, insira seu comentário!
Por favor, digite seu nome!