Direito à desconexão: países regulamentam mensagens de chefia fora do expediente

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TRA-2104-DESCONEXAO - (crédito: Maurenilson Freire)

Na Austrália, um projeto de lei que garante aos trabalhadores o direito de não responderem a mensagens fora do horário de trabalho está em trâmite. A medida, que existe em países europeus, é alvo de jurisprudência no Brasil

O Senado da Austrália aprovou, em 8 de fevereiro, um projeto de lei que garante aos trabalhadores o direito de ignorar ligações e mensagens dos chefes fora do horário de trabalho, sem penalidades. Antes de entrar em vigor, a legislação precisa da aprovação final na Câmara dos Representantes. A medida permitirá que os trabalhadores australianos recusem comunicação profissional “irracional” fora do horário de trabalho, também penalizando com multas aqueles empregadores que violarem a regra.

O direito à desconexão, como ficou conhecido, faz parte de um conjunto de mudanças nas leis trabalhistas propostas pelo governo australiano que visam reforçar os direitos dos trabalhadores e que ajudariam a melhorar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Em entrevista a veículos locais sobre o projeto, o primeiro-ministro do país, Anthony Albanese, disse que a regulamentação pretende garantir que profissionais, que não recebem por uma jornada de 24 horas por dia, não sejam penalizados por não estarem disponíveis para seus chefes 24 horas por dia.

A Austrália não é o primeiro local do mundo a regulamentar a questão. Desde 2016, diferentes países da Europa aprovaram leis parecidas, como França e Espanha, motivados pelas novas relações de trabalho estabelecidas pelas tecnologias digitais.

No Brasil, não existe legislação que proíba que o trabalhador seja contactado pelo chefe fora de seu horário, mas há jurisprudência de decisões anteriores dos tribunais. 

Acordo

Na opinião de Fernando Hirsch, advogado e sócio da LBS Advogadas e Advogados, a regulação do contato entre lideranças e suas equipes por meios digitais deve ser realizada internamente nas empresa, em diálogo com todas as hierarquias. “O que é relevante é pactuar o limite do uso das ferramentas de comunicação, o que pode ser resolvido pela negociação coletiva de trabalho”, propõe.

Para o jurista, nessa situação, o trabalhador não é obrigado a manter ligado o seu celular ou outro mecanismo de contato, sob pena de esse período ser reconhecido como jornada de trabalho ou sobreaviso, e portanto, o serviço deve ser remunerado. “A legislação já limita a jornada de trabalho, então, é importante contar com normas coletivas que imponham limitações para o contato no celular particular do trabalhador”, diz.

O sobreaviso é uma condição de trabalho que o empregado, durante o momento de descanso, fica disponível para receber demandas do chefe. Ao designar algum trabalhador para o regime de sobreaviso, a empresa deve remunerar as horas laboradas ou destiná-las a um regime de compensação, evitando a ativação de um ou mais empregados fora do horário de trabalho. Nesse contexto, é aconselhado que o empregado esteja atento ao celular e tenha o mesmo cuidado e zelo nas respostas como no dia a dia, dentro do horário de trabalho convencional.

Garantias

Rodrigo Rodrigues, presidente da Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal (CUT-DF), fala que o contato via WhatsApp, que é o meio de comunicação mais acessado no país, é um instrumento das empresas para que as pessoas “estejam disponíveis 24 horas por dia e que respondam por demandas fora do horário de trabalho”. Segundo ele, a precarização do trabalho é um dos fatores que dificultam com que os profissionais digam não às demandas dos empregadores. “Menos da metade dos brasileiros estão em empregos com direitos trabalhistas plenos, como a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), por exemplo, e ficam mais suscetíveis a esses assédios”.

Nesse sentido, Rodrigues reforça a importância de normas que não coloquem sobre o trabalhador o ônus de resistir aos pedidos das chefias. “Caso essa lei seja implementada no Brasil, deve-se levar em consideração os diversos tipoa de contratação, que também fogem à formalidade, como a de  Microempreendedor Individual (MEI)”, pontua.

Hirsch também acredita que trabalhadores mais desprotegidos precisam de mais garantias, como uma legislação que limite a jornada para empregos sem vínculo. “O avanço tecnológico dos meios de comunicação com diversas novas ferramentas faz com que o trabalho não precise necessariamente ser realizado dentro da empresa, o que por um lado é muito bom. Mas é necessário instituir mecanismos de proteção aos trabalhadores, mesmo para os não empregados, para limitar a jornada de trabalho e a forma de contato com a empresa, para que seja respeitado o tempo de descanso e desconexão”, explica o advogado.

Desafios

Daniel Coelho Dias, advogado trabalhista do Ferraz dos Passos, acredita que para se adequar a uma possível regulamentação nesse sentido, as empresas, provavelmente, terão que aumentar seus quadros. “Isso acarreta no aumento do custo da operação, seja em razão da necessidade de contratação ou seja disponibilização de profissionais para regimes de plantão e sobreaviso, o que poderá acarretar em pagamentos adicionais”.

O advogado ressalta, também, que os empregadores terão desafios para alterar a cultura organizacional, reavaliando a urgência das demandas e mudando a perspectiva sobre a disponibilidade de trabalhadores que não estejam designados para a tarefa naquele período.

Ele sugere que algumas medidas que podem contemplar tanto trabalhadores quanto empregadores, como o estabelecimento de formas de controle das conversas, permitindo sua contabilização de forma precisa e viabilizando, por exemplo, a destinação deste tempo a bancos de horas, com compensação posterior.

Crédito: Lara Costa (estagiária sob a supervisão de Priscila Crispi) / Correio Brasiliense – @ disponível na internet 22/4/2024

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