Orçamento: Governo pode ter de fazer cortes para cumprir déficit de 2016.

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Diante da incerteza em relação ao comportamento da arrecadação de 2016, os técnicos do Ministério da Fazenda se debruçam sobre as calculadoras para fechar as contas deste ano. Parte da equipe econômica já vê risco de ter de contingenciar o Orçamento para garantir o cumprimento da meta de déficit fiscal primário, de R$ 170,5 bilhões, prevista para este ano. A maior preocupação no momento é com as receitas vindas do programa de repatriação, que virou alvo de disputa entre estados e União. Os governadores já ameaçam, inclusive, recorrer à Justiça para colocar as mãos nesse dinheiro.

Pelas contas da área econômica, o montante arrecadado com a regularização de ativos que foram enviados ilegalmente ao exterior pode chegar a R$ 50 bilhões. O valor inclui Imposto de Renda (R$ 25 bilhões) e multa (mais R$ 25 bilhões) que os contribuintes terão de pagar para acertar as contas com o Leão. Desse total, R$ 12,25 bilhões devem ser repassados a estados e municípios, ficando R$ 37,75 bilhões para a União.

No entanto, os governadores têm pressionado o Palácio do Planalto a aumentar a fatia desse bolo. Eles afirmam que a Receita Federal só quer partilhar o que obtiver com o IR, mas que os estados também têm direito a uma parte da multa. O Congresso tentou incluir essa benesse na repatriação por meio de um projeto de lei, que não foi votado ontem por falta de acordo.

MEIRELLES: DIVISÃO DO EXCEDENTE

Os estados reagiram imediatamente. O governador do Piauí, Wellington Dias, afirmou que eles poderão até recorrer à Justiça para garantir os recursos da multa. Isso, no entanto, não deve ser necessário, pois o Planalto ainda acena com essa possibilidade. Integrantes da equipe econômica ouvidos pelo GLOBO afirmam que o governo já aceita dar aos estados uma parte da multa caso o total supere R$ 25 bilhões. O excedente a esse montante seria partilhado meio a meio.

O próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, citou essa hipótese ontem ao falar com a imprensa em Nova York, onde se reuniu com investidores:

— O que passasse deste valor passaria a ser metade dos estados e metade da União — disse Meirelles. — Eu acho que isso é uma proposta razoável, na medida em que possa haver uma arrecadação muito positiva. É uma forma de equilibrar também as finanças dos governos estaduais.

Um técnico do governo afirmou que essa questão pode ser tratada independentemente de mudanças na lei de repatriação:

— Inclusive pode ser um outro texto a ser editado até 31 de outubro (prazo final para adesão dos contribuintes ao programa).

Esse técnico disse que a maior preocupação do governo é com o fato de o Congresso ter tentado fazer várias mudanças na repatriação. Nas últimas semanas, foram discutidas alterações de prazo e na base de cálculo do IR. Isso, argumentou, pode ter gerado insegurança nos contribuintes e acabar reduzindo a arrecadação. Até agora, a Receita Federal já contabilizou o pagamento de R$ 11 bilhões em impostos e multa com a repatriação.

Outro integrante da área econômica lembrou que, se a repatriação render menos de R$ 30 bilhões ao governo federal e a frustração nas receitas como um todo ficar acima de R$ 10 bilhões, será preciso passar a tesoura nas despesas. Até setembro, a frustração de receita líquida já superava os R$ 6 bilhões em relação ao início do ano. Ele explicou que o Fisco tem tido dificuldades em projetar a arrecadação do ano devido à forte recessão. Isso leva empresas a recorrerem a créditos tributários para adiar o pagamento de impostos:

— Todo mês o (Jorge) Rachid (secretário da Receita) tem frustração de receitas.

Ao mesmo tempo, os gastos continuam subindo. Somente as despesas com benefícios da Previdência, que são obrigatórias, cresceram R$ 5,4 bilhões em relação ao projetado no início do ano.

— Ainda não sabemos qual seria o valor do contingenciamento, mas ele está ficando mais provável diante das perdas. É preciso considerar o tamanho da frustração da arrecadação tributária, o valor da repatriação e das despesas obrigatórias e dos restos a pagar que não podem ser postergados — afirmou o técnico do governo.

Para o especialista em contas públicas Felipe Salto, um corte no Orçamento no fim do ano é quase certo. Ele estima que o déficit primário poderá chegar a R$ 187,5 bilhões este ano caso a equipe econômica não segure os gastos. E afirma ainda que, diante da frustração nas receitas, o governo deveria anunciar logo medidas de gestão, como a revisão de incentivos, para melhorar o quadro fiscal de 2016.

— Este ano é um desafio. Acho que terá de haver um contingenciamento adicional. A dinâmica da receita está muito pautada na atividade, e estamos na maior depressão da história — afirmou Salto.

Existe ainda a incerteza em relação ao resultado fiscal dos estados, que estão em crise. Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, os governos regionais (estados e municípios) deveriam registrar um resultado primário equivalente a zero este ano. Mas suas contas, que também dependem da repatriação, são incertas.

Devido a essa situação, o Tesouro Nacional deve conceder um aval de R$ 7 bilhões para operações de créditos dos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A sinalização foi dada ontem à noite a um grupo de dez governadores e sete representantes dos estados, que se reuniram com representantes do Ministério da Fazenda.

Para viabilizar a operação, o governo deve divulgar na semana que vem a situação da capacidade de endividamento dos estados. Só receberá sinal verde quem tiver capacidade de pagamento e boa classificação de risco. A medida ainda precisa ser confirmada pela Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex).

Projeções da equipe econômica indicam que estados e municípios poderiam ter superávit primário de R$ 800 milhões este ano, mas isso depende da aprovação da renegociação das dívidas de estados com a União. Se os estados terminarem o ano com déficit, o governo federal poderá compensar o resultado, o que aumentará ainda mais seu rombo.

Segundo os dados do Tesouro, o déficit acumulado no ano, até agosto, é de R$ 71,4 bilhões. No acumulado em 12 meses, chega a R$ 120,3 bilhões.

Crédito: O Globo 13/10/2016

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