Nunca, mas nunca na minha vida eu ensinei alguma coisa ao meu pai. Nem mesmo o que eu sabia de cor: A capital da Suécia, os afluentes do Amazonas, as cores da bandeira do Congo Belga ou o que foram as Capitanias Hereditárias.
Papai sabia tudo e não precisava de ajuda dos filhos pra nada.
Na televisão valvulada e em preto e branco que ficava na sala da nossa casa, passava um seriado chamado Papai sabe tudo. Assistíamos sentados no chão comendo Mandiopã e ficávamos encantados com aquele pai que chegava em casa cansado, largava a pasta de couro no sofá e dizia:
– Olá querida! Olá crianças!
Na minha casa também era assim. O meu pai chegava cansado do Serviço de Meteorologia, colocava sua pasta 007 no sofá e dizia olá querida, olá crianças.
Para nós, ele era um poço de sabedoria.
Não sabia somente o que era um barômetro, um anemômetro, uma veleta ou um pluviômetro. Ele sabia o nome do presidente dos Estados Unidos, o que era Guerra Fria, sabia fazer raiz quadrada, sabia o que era trigonometria, além de todos aquele tipos de nuvens: Cirrus, Cirrocumulus, Stratocumulus e Autostratus.
Papai sabia tudo mesmo.
Além das coisas complicadas, sabia fazer um creme de aspargos, um cozido espanhol e uma bacalhoada portuguesa como ninguém. Papai sabia até mesmo o tempo de gestação de uma elefanta, onde ficava o infinito e sabia também quem era Nikita Khrushchev.
O que o meu pai falava estava dito e pronto.
Hoje é diferente. Perdi a conta de quantas coisas os meus filhos já me ensinaram nessa vida e continuam me ensinando todos os dias. Vivo chamando minha caçula aqui no escritório pra me ensinar a colocar o cartucho na impressora, pra me ensinar como faço pra escanear um documento, como pago uma conta no celular, como faço pra chamar o Uber.
E não é só na tecnologia que os filhos de hoje são bambas e ensinam aos pais. Minhas três filhas e o meu filho vivem me ensinando coisas da vida.
Ouvem, concordam, contestam, discutem e dão pitaco. Tenho certeza absoluta que nunca passou pela cabeça deles que o papai sabe tudo.
Discutem comigo sobre ecologia, urbanismo, educação, saúde, discutem a manchete daFolha, se os produtos são orgânicos ou não, discutem história, política, feminismo. Quando detectam algum machismo numa propaganda, fazem um discurso feminista capaz de deixar Betty Friedan de queixo caído.
Sinto aqui nesse lar, doce lar, que não sou mesmo o dono da verdade.
Eles não somente me ensinam coisas do dia a dia, como defendem a unhas e dentes suas posições.
– É golpe sim!
Nas finanças, talvez são mais craques do que eu.
– Pai, é melhor pagar a passagem em três vezes, sem juros!
– Pai, não vale a pena gastar suas milhas com uma viagem pro Rio de Janeiro
– Não, pai! Airbnb é muito melhor e mais barato que hotel!
Sinto que o mundo mudou e mudou pra melhor. Aqui em casa, nunca se ouviu coisa do tipo:
– Não discuta com o seu pai!
– Menino não tem que querer!
– Vai lá pra dentro que isso não é conversa de criança.
Aqui em casa, os episódios de Papai sabe tudo não passam de velhos filmes em preto e branco que estão lá, arquivados no Youtube.
Crédito: Artigo publicado na página da internet da Revista Carta Capital – disponível na web 08/07/2016
Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo