Quebra de planos de saúde força consumidor a aceitar convênio pior.

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Quem precisa usar o plano de saúde sabe muito bem a dor de cabeça que é. Independentemente do valor pago como mensalidade, as operadoras sempre fazem questão de criar dificuldades. Mas nada se compara ao drama enfrentado por mais de 3 milhões de consumidores que se associaram a convênios de empresas que entraram em regime de liquidação especial ou faliram. Da noite para o dia, foram obrigados a transferirem os planos para outras companhias, cujos serviços são piores do que os prestados pelas firmas que quebraram.

Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) apontam que há hoje, em todo o país, 220 operadoras em regime especial de liquidação ou em processo de falência, por má gestão. Há casos de empresas cujos donos sumiram com todo o patrimônio, deixando a clientela a ver navios. Muitas das companhias prometiam convênios a preços baixos, sem a menor condição de prestar os serviços ofertados. Mas há casos de gigantes, como a Unimed Paulistana e a Unimed Brasília, que ruíram por incompetência administrativa e desvios de recursos.

A ANS alega que a quebradeira de empresas é pontual e representa muito pouco do universo de 50 milhões de brasileiros que têm planos de saúde. O problema é que, com o agravamento da crise econômica, o desemprego e a perda do poder de compra das famílias, muita gente deixou de pagar os convênios. Assim, as operadoras que já estavam com problemas de caixa ficaram de joelhos. O risco de a insolvência aumentar e de os consumidores se verem desprotegidos ficou maior.

Portanto, dizem os especialistas, é fundamental ficar atento à saúde das operadoras. E, sobretudo, saber o que fazer no caso de quebradeira de empresas. Pelas regras da ANS, os clientes podem recorrer a dois tipos de portabilidade para migrarem de plano: as extraordinárias e as especiais, ambas com carência de até 60 dias. Isso exige, porém, muita pesquisa, pois nem sempre o que é oferecido num primeiro momento pode se adequar ao perfil do consumidor. Pressa, nesse caso, significa perigo. A dica é vasculhar todo o contrato dos futuros convênios, ver os serviços previstos, os prazos das carências e as políticas de reajuste das mensalidades.

Os alertas valem, sobretudo, para os consumidores de planos individuais, familiares e coletivos empresariais com até 30 adesões, diz o advogado Rodrigo Araújo, sócio do escritório ACJ Advogados. “Esse público tem poucas opções de transferência. Acaba, na maioria dos casos, saindo prejudicado com a portabilidade”, afirma. “Muitos são transferidos para empresas com pouca capacidade de atendimento”, assinala. Os problemas, acrescenta ele, são comuns mesmo no caso de grandes empresas problemáticas. Os usuários também sofrem. “Foi o que se viu na Unimed Paulistana. Muitas pessoas fizeram a portabilidade para operadoras pequenas e sem tradição que ostentavam a bandeira Unimed”, conta. Os planos dessas empresas davam acesso muito restrito à rede credenciada e os preços eram maiores do que os cobrados pela firma falida.

Muitas falhas

“Infelizmente, os consumidores precisam ficar muito atentos”, destaca Araújo. Não sem razão. As pessoas que usam convênios médicos são o lado mais fraco da moeda e não contam com um agente fiscalizador e regulador forte o suficiente para protegê-los. A ANS demonstra estar muito mais preocupada em proteger os interesses das empresas do que os do público em geral. O motivo é simples: vários dirigentes, depois que deixam os cargos na agência, são cooptados pelas companhias.

Desde 2012, a ANS decretou um total de 265 portabilidades excepcionais, sendo 113 extraordinárias e 152, especiais. Os dois sistemas são alvos de críticas de Araújo. Ele diz que, em situações de encerramento de atividades de operadoras, antes de os prazos para a portabilidade serem autorizados, é aberto um período de 30 dias para a venda compulsória de toda a carteira de clientes da empresa sem que nenhum consumidor seja ouvido. Em alguns casos, há uma segunda etapa. Por meio de uma espécie de leilão público, as companhias podem assumir apenas parte dos beneficiários.

Dor de cabeça é geral

Mesmo no caso de empresas que não quebraram, mas optaram por repassar, espontaneamente, suas carteiras de clientes a outras operadoras, as dificuldades para os consumidores é grande. Que o digam os antigos clientes da Golden Cross. Em setembro de 2013, a companhia vendeu seus negócios para a Unimed-Rio. As duas empresas garantiram que os contratos não seriam alterados e a área de abrangência dos planos seria mantida.

Na prática, porém, não foi bem assim, diz a administradora Marluce Gonçalves de Almeida, 56 anos. Sem opção de escolha para migrar para outro convênio, ela conta que os hospitais credenciados pelo plano antigo não foram mantidos. “Todas as clínicas que atendiam a Golden Cross só permaneceram nos seis primeiros meses da transferência para a Unimed-Rio. Depois disso, a rede encolheu e ficamos numa situação muito complicada”, ressalta. Para piorar, a Unimed Rio, com sérios problemas administrativos, acabou sofrendo intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Para Marluce, não houve preocupação do órgão fiscalizador e regulador com os consumidores na hora da transferência de clientes da Golden Cross para a Unimed-Rio. “Claramente, houve uma queda na qualidade de serviços e na quantidade de clínicas disponíveis. Mas ninguém faz nada. Por isso, já pensei duas vezes em rescindir o contrato e ir para outra empresa. Só não faço isso porque o convênio ficará mais caro”, diz.

A mesma situação é enfrentada pela professora Mercedes Valls Lolla Salles, 53, que foi pega de surpresa com a transferência dos clientes da Golden Cross para a Unimed-Rio. “Não avisaram nada. A impressão é de que tudo ocorreu de um dia para o outro e ficamos desprotegidos”, relata. Além de clínicas e hospitais, ela também observou restrições na oferta de médicos. “Era mais fácil encontrar bons profissionais. Na migração, tive acesso a bons serviços apenas durante o primeiro mês. A partir daí, tudo complicou. Demorei meses para encontrar um endocrinologista”, afirma.
Por meio de nota, a Unimed-Rio informou que a responsável pelos atendimentos em Brasília é a Central Nacional Unimed (CNU), “com equipe de atendimento disponível 24h para realizar os agendamentos”.

Barreiras da burocracia

Os especialistas são claros: não há, hoje, consenso sobre como evitar problemas decorrentes das portabilidades extraordinárias ou especiais, ou mesmo em processos de leilão ou de compra de carteiras de uma operadora por outra. Mas é possível amenizar os impactos da troca de plano por meio da portabilidade regular ou convencional, que permite aos consumidores migrarem para convênios da mesma operadora, ou de outra empresa, por vontade própria.

Kayo Leite, do escritório Miranda Leite Advogados, recomenda esse tipo de portabilidade somente no caso de complicações financeiras das operadoras. “Os clientes devem ficar atentos e formalizar reclamações aos Procons e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Isso ajuda todos os participantes do plano”, diz.

A principal recomendação é para que os beneficiários fiquem atentos às intervenções feitas pela agência reguladora. O alerta também vale para casos de reincidentes suspensões de comercialização de planos de saúde. Apesar de ser uma medida meramente punitiva, os primeiros sinais de operadoras perto de um processo de falência são a má prestação de serviços.

Fazer a portabilidade regular foi um tormento para o produtor musical Tony Alves, 47 anos. Ele afirma que foi obrigado a superar uma série de “armadilhas”, mesmo cumprindo todas as exigências, que não são poucas (veja quadro). Ao observar todas as dificuldades enfrentadas pela Unimed Paulistana, ele tomou à frente e adotou os procedimentos necessários para transferir o sogro, que era beneficiário de um plano da empresa para outra antes do encerramento definitivo das operações.

Doença

Em consulta a corretores, Alves foi informado que a portabilidade era impossível para a idade do sogro, de 75 anos, e diagnosticado com um câncer no estômago ainda em 2015. Mesmo em consulta ao site da ANS, ficou sem respostas. “Como o plano era individual, havia pouquíssimos convênios compatíveis. Os que estavam disponíveis pertenciam a operadoras de que nunca havia ouvido falar, a preços bem mais altos”, conta. Não fosse pela insistência e horas de estudo para entender as normas da portabilidade, teria desistido.

“O que dá a entender é que as operadoras colocam os mais diversos empecilhos para que as pessoas desistam da portabilidade convencional. Principalmente quando a mudança envolve uma pessoa idosa e com doença preexistente. São colocadas todas as barreiras possíveis”, critica. Felizmente, a portabilidade foi feita. Tony transferiu o convênio do sogro para uma administradora de benefícios coletivos por adesão.

Caso as dificuldades persistam, o caminho deve ser a Justiça, recomenda Renata Vilhena Silva, do escritório Vilhena Silva Advogados. “É preciso documentar todas as etapas percorridas para mostrar ao Judiciário que, mesmo decorrido o prazo previsto, o consumidor não teve a portabilidade aceita”, diz.

Justificativas da ANS

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ressalta que, antes das portabilidades extraordinárias e especiais, as operadoras com problemas simplesmente saiam do mercado sem que os consumidores tivessem a garantia de aproveitar a carência e a cobertura parcial temporária já cumpridas. “Portanto, essas portabilidades são mecanismos importantes para proteger os consumidores de empresas que estão em processo de saída ordenada do mercado”, diz. E mais: as empresas são obrigadas a informar a todos os consumidores tanto a data de início quanto o fim do período para a troca de plano.

Crédito: Matéria de Rodolfo Costa e Hamilton Ferrari para o Blog do Vicente do Correio Braziliense – disponível na web 19/07/2016

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