Chegamos à ruína: em nome da moratória pública, esfacela-se o serviço público.

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O PLC 257/2016, que tramita pelo Congresso Nacional com grandes chances de votação ainda no mês de agosto, visa disciplinar a moratória dos estados e municípios brasileiros junto à União, mas, de forma açodada e ainda experimental, joga nas costas dos servidores públicos, considerados cidadãos de segunda classe, o peso da responsabilidade para efeito de pagamento do rombo das contas públicas.

Efetivamente, o tropeço causado pelo malogro na administração pública terá um custo salgado e amargo, com a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal e retrocessos em termos de direitos adquiridos dos funcionários, podendo impactar nos investimentos, benefícios incorporados e com o aumento substancial do desconto da contribuição previdenciária.

Muitos estados da federação, quebrados e não conseguindo a rolagem da dívida para com a União, foram ao Supremo Tribunal Federal, que deliberou conceder prazo para um entendimento conciliatório e adiou o julgamento.

De forma pouco transparente, o Parlamento, mais do que depressa, quis colocar em votação o mencionado diploma, trazendo sérias consequências para o funcionamento dos serviços públicos, dos Judiciários estaduais e do Ministério Público, afetando sobremodo a carga de serviço, como se fosse possível, diante de um descomunal momento de crise, se reduzir a toque de caixa as despesas, a folha de pagamento e o próprio custeio.

A moratória propalada pela União é de manifesta inconstitucionalidade e, sem sombra de dúvida, será alçada à competência do Supremo Tribunal Federal o aceso debate a respeito do tema, haja vista que a União concede um benefício para adiar o pagamento com diferenças mais expressivas e atribui a conta para os servidores e funcionários públicos, os quais já estão sendo prejudicados com elevada inflação e repasse que sequer atinge o poder econômico e aquisitivo como um todo.

E a visão não é apenas dessa natureza, pois a maioria dos tribunais estaduais têm suas receitas comprometidas com a folha e nada disponibilizam em termos de investimentos, o processo eletrônico não tem recursos financeiros para as plataformas de manutenção e as contratações serão paulatinamente paralisadas com a escassez de verbas e redução drástica dos concursos públicos.

A se pensar na ideia do governo, de redução do gasto, mera e simples falácia, não se combate a causa que é a própria forma de agir da União, que apresenta uma dívida pública de trilhões e de todo impagável, agora, querendo manter anatocismo em relação aos estados e municípios, provoca em cascata um esvaziamento das funções públicas e traz sérios riscos de comprometimento na qualidade e poderá acarretar a solução de continuidade, com a situação de comarcas e foros esvaziados, juízos sem funcionários, pane no sistema informatizado e, mais grave ainda, a massa dos aposentados, diante da iminente reforma da previdência, não será reposta a médio prazo.

O Brasil literalmente quebrou pela irresponsabilidade da gestão e da falta de discernimento das finanças públicas e do orçamento, muito mais fora gasto do que arrecadado, até em razão da crise econômica e com o monumental número de empresas em recuperação ou falidas, as quais ultrapassam o limbo da liquidez e solvência do sistema empresarial.

Aos estados e municípios não resta outra chance ou qualquer oportunidade exceto de convergir com o projeto de lei complementar, pois, além de lhes dar maior folego e manutenção de rede, manobra para efeito de pagamento, liquida de vez com a responsabilidade fiscal e o custeio da maquina, na medida em que provoca sérios cortes.

Em linhas gerais, vamos artificialmente cortar as despesas, como se fosse possível, com o contingente de 130 milhões de processos tramitando em todo o Brasil mediante aumento de impostos.

Exatamente, é essa a interpretação que se extrai do projeto de lei: vamos cortas as despesas, sucatear serviços e arrecadar mais para minorar os efeitos do famigerado rombo provocado pelo governo, que não foi capaz de calcular os seus gastos e atender à finalidade da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Brasil, o mundo inteiro sabe, vive um momento econômico delicado, porém as políticas públicas não são da esfera dos servidores, e quem decidiu fazer Copa do Mundo e Jogos Olímpicos foram nossos governantes, os quais dilapidaram o patrimônio público e, à vontade, foram queimando o dinheiro que é do contribuinte.

Agora, pilhados em flagrante e na contramão da história, resolvem, numa só canetada, aprovar uma moratória antirrepublicana e altamente inconstitucional, a qual acabará por enterrar, em definitivo, as esperanças de melhora dos serviços públicos, inclusive na esfera da saúde e educação.

Não se explica como o Estado, que arrecada trilhões, não consegue atender minimamente à sociedade civil, a qual precisa contratar plano de saúde, ter escola particular, valer-se de acesso aos serviços, todos pagos e privatizados, de alto custo.

Enfim, essa terra brasilis em que nada funciona, agora, o governo federal, esmagado pela falta de recursos financeiros e pisoteados estados e municípios, cansados de passar o chapéu, resolvem, por meio de um projeto de lei complementar, aliviar a carga de comunas e estados e entregar a conta para o funcionário e servidor que terão seus direitos apagados, licenças não remuneradas e férias igualmente sem vencimentos proporcionais.

Ninguém conseguirá dormir com esse brutal e enorme barulho que recairá sobre a classe menos favorecida, isso porque, nos últimos cinco anos, a inflação real fora de 90%, e o repasse dado ao funcionalismo, em todas as classes e categorias, sequer atingiu a metade, assim, se explica como o poder aquisitivo está sendo debilitado e nossos governantes irresponsáveis, ladeados do Parlamento que somente visa às próximas eleições, e a pedido de governadores e prefeitos sem caixa algum, querem, na undécima hora, fazer prevalecer o pacto antirrepublicano da moratória pública.

A nossa legislação não disciplina, como em outros países, a falência de ente público, mas é bem o caso da União, passando por estados e municípios, poucos se salvam, e a repercussão, sem dúvida alguma, irá se alojar no custo da máquina e no peso de servidores, que, na maioria das vezes, é ciosa e cumpridora dos seus deveres.

Haverá, se aprovado for o caótico projeto, uma debandada geral e muitos irão procurar novas atividades rentáveis e que possam, adquirido o tempo de casa, requerer a aposentadoria longe dos problemas, das vicissitudes e dos incômodos de se ter uma máquina emperrada e, como sempre, pela falta de recursos financeiros.

Chegamos ao estágio da debacle, em nome da moratória pública, esfacela-se o serviço público, chicoteia o Estado de Direito, rasgam-se direitos adquiridos, interrompem a normalidade do Ministério Público e da magistratura dos estados na vã ideologia de mais impostos e menos serviços públicos, o país chegou na encruzilhada, no desfiladeiro e, se passar o projeto, pode se encomendar o terno para o enterro da máquina administrativa estadual.

Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.
Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Tem doutorado pela USP e especialização em Paris.
Laercio Laurelli é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal e Processo Penal.
Laercio Laurelli é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal e Processo Penal.

Crédito: Artigo publicado dia 11/08/2016 na página do  Consultor Jurídico   – disponível na web 12/08/2016

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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