Seja formada por um ‘dream team’ ou um por catado da terceira divisão, não há equipe econômica que escape dos contorcionismos na elaboração dos orçamentos
Pressionada pelo calendário fiscal, a equipe econômica do governo de Michel Temer está atualizando as projeções para 2017 dos principais indicadores da economia. Essas projeções são necessárias para a elaboração do Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA), que define a expectativa oficial para a evolução das receitas e despesas públicas e o consequente resultado primário. Quarta-feira, 31 de agosto, é a data limite legal para o envio do documento ao Congresso.
As principais premissas da peça orçamentária em elaboração, de acordo com o próprio secretário de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo, são a correção das despesas públicas, em 2017, pela inflação prevista para 2016 e a das receitas, a partir da previsão de que o total do PIB, no ano que vem, será 1,6% superior ao volume da produção do ano em curso. É com essas apostas que o governo Temer considera possível manter a meta do déficit fiscal primário da União em R$ 139 bilhões, no ano que vem.
Não é preciso ir muito longe para compreender que são hipóteses talvez excessivamente otimistas. No caso da variação do PIB, base para a determinação da previsão de receitas públicas, a projeção oficial, já inflada em relação ao crescimento de 1,2% estimado anteriormente, está acima da projeção média do mercado, estabilizada há um mês em 1,1%.
É verdade, como argumenta Carlos Hamilton, que se pode localizar entre analistas um viés de alta para a evolução do PIB, em 2017. Mas, se há, de fato, quem aposte em crescimento de 1,5% e mesmo 2%, existem também projeções de expansão inferior a 1%, como as ainda mantidas por instituições como o Ibre/FGV e o FMI.
Isso sem falar que a relação entre variação da atividade econômica e arrecadação federal não é exatamente de 1 para 1. Não se pode esquecer que metade das receitas públicas deriva de tributos sobre o consumo e que o consumo das famílias, que responde por quase dois terços do PIB, continuará retraído, em 2017, em razão da alta do desemprego, dos rendimentos em queda e do endividamento familiar ainda elevado.
Mais incerto ainda é o que pode acontecer com as despesas. Carlos Hamilton anunciou que, para determinar o volume de despesas no PLOA, o governo usará os critérios para fixação de teto para o total dos gastos públicos contidos na proposta de emenda constitucional (PEC 241/2016), ainda em início de tramitação na Câmara dos Deputados. Assim, o montante total dos gastos de 2017 corresponderia ao volume de despesas em 2016 reajustado em 7,2%, que é a projeção oficial prevista para a inflação de 2016.
São pelo menos dois os problemas dessas projeções. O primeiro é a previsão de inflação que, no momento, está abaixo da média das projeções do mercado. O outro diz respeito à baixa probabilidade de que a PEC do teto de gastos passe intacta pelo Congresso, diferentemente do assumido pela equipe econômica em suas estimativas para o resultado fiscal.
É visível a intenção de mostrar ser possível fechar as contas sem recorrer a aumentos de impostos — o que é considerado pelos especialistas, no mínimo, muito difícil. Trocando em miúdos, há, mais uma vez, um objetivo político por trás da numeralha. Trata-se do mesmo objetivo que impediu até agora a adoção de um contingenciamento de gastos que garantisse a meta fiscal de 2016 e que pode levar o governo a a ter de revisar, exatamente como os antecessores, a meta fiscal no fim do ano.
A verdade é que, na espinhosa tarefa de administrar os conflitos distributivos que habitam o coração das questões orçamentárias, seja formada por um dream team ou por um catado de economistas da terceira divisão, não há equipe econômica que escape dos contorcionismos na elaboração dos orçamentos. Também não há diferenças entre elas quando classificam de “realistas” previsões que têm tudo para se mostrarem, um pouco mais na frente, fora da realidade.
Crédito: Artigo publicado na coluna opinião do jornal O Globo – disponível na web 19/08/2016
Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.