Reforma da Previdência: igualdade ou perda de direitos?

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Analistas levantam dúvidas sobre proposta do governo

A Reforma da Previdência, apresentada esta semana pelo governo federal, gerou até agora mais dúvidas do que certezas de que a proposta irá sanar possíveis déficits no setor. Muitos pontos são questionados, e ainda poderão ser alterados na tramitação no Congresso. Economistas ouvidos pelo JB alertam para a necessidade de debate com a sociedade, questionam pontos como as mudanças na regra para professores e até levantam dúvidas sobre a real situação da Previdência.

A proposta estabelece a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres se aposentarem e tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Os homens com mais de 50 anos e as mulheres acima de 45 anos entrarão em uma regra de transição, com a aplicação de um pedágio de 50% do tempo que, na data de promulgação da Emenda, faltaria para atingir o número de meses de contribuição exigido. A regra de transição só vale para o tempo de aposentadoria, já para o cálculo do benefício valerá a nova regra proposta.

Para o economista Kaizô Beltrão, essa regra garante uma reforma suave. “Quem é elegível para se aposentar não é afetado. Se você ia se aposentar daqui um mês, você tem um pedágio de 50%, então você se aposenta daqui um mês e meio”, disse o professor da EBAPE/FGV.

O cálculo da nova regra deverá ser feito com o piso de 76% do valor da aposentadoria – que corresponderá a 51% da média dos salários de contribuição, acrescidos de um ponto percentual desta média para cada ano de contribuição. Neste caso, para conseguir aposentaria integral são necessários 49 anos.

Justificativas

O governo defende o perfil etário da sociedade brasileira vem mudando com o aumento da expectativa de vida e a diminuição da fecundidade (número de nascimentos), o que provoca um envelhecimento da população. De acordo com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, esse novo perfil se tornará insustentável sem uma reforma da previdência: “No atual ritmo, em 2060, vamos ter apenas 131 milhões de brasileiros em idade ativa (hoje são 141 milhões). No mesmo período, os idosos crescerão 263%”.

Além disso, há a justificativa de que as alterações são importantes para equilibrar as finanças da União, alegando um déficit do INSS. O déficit é a diferença entre o que é arrecado mensalmente por suas fontes próprias e o montante usado para pagar os benefícios previdenciários.

A 16ª edição da Análise da Seguridade Social, uma pesquisa realizada pela Anfip, Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, demonstra, em contrapartida, que apesar de uma redução, o resultado ainda é superavitário.

“A execução do Orçamento da Seguridade Social em 2015, conforme detalhado nesta obra, demonstra que o Resultado da Seguridade Social, ainda que tenha sofrido uma redução significativa em relação ao ano de 2014, ainda foi superavitário, mas, dependendo das políticas de governo a serem implementadas, poderá se agravar em 2016”, diz a pesquisa.

Para João Badari, advogado e especialista em direito previdenciário, as motivações indicadas pelo governo são falsas, e excluem do debate os grandes atingidos pelas mudanças. “O Déficit do INSS é uma falácia, porque o INSS é superavitário. O governo partiu de uma premissa falsa para realizar uma reforma da previdência, sem consultar a sociedade”, disse.

A pesquisa realizada pela Anfip ressalta que apesar do cenário adverso, em um ano de profunda queda na economia, as receitas totalizaram R$ 694,3 bilhões, superando em R$ 6,4 bilhões as de 2014.

“A maior arrecadação é a previdenciária, com R$ 352,6 bilhões. Esses valores incluem a compensação integral pela perda de receitas da desoneração da folha de pagamentos, inclusive a parcela não repassada, conforme Nota Técnica da Anfip”, diz a pesquisa.

Despesas

A Câmara dos Deputados aprovou em junho deste ano a proposta de emenda à Constituição (PEC) que prorroga até 2023 a permissão para que a União utilize livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas, a chamada Desvinculação de Receitas da União (DRU). A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais (educação, saúde e previdência social), que respondem por cerca de 90% do montante desvinculado.

Na época, opositores do governo fizeram críticas à proposta, argumentando que a DRU implicará perda de recursos para a Previdência Social.

“Como é que a previdência está falida diante deste aumento? Além disso, tem a desoneração das empresas: como você diz que a previdência esta afetada se você não cobra as maiores empresas que devem para o INSS? Se você já esta quebrado, porque você vai deixar de cobrar quem te deve? Eles deveriam gerar melhor os recursos antes de mudar as regras da previdência”, acrescentou João Badari.

A desoneração da folha de pagamento é uma medida governamental com propósito de fazer crescer a produção: o governo eliminou a atual contribuição previdenciária sobre a folha e adotou nova sobre a receita bruta das empresas. Essa mudança já beneficia mais de 50 setores da economia. Ela foi debatida pelo Congresso entre os meses de maio e julho deste ano e as centrais sindicais defenderam que os setores desonerados da economia teriam de oferecer contrapartidas como a redução da jornada de trabalho, manutenção da arrecadação do INSS, e também que se evitasse prejuízo para a seguridade social.

“O negócio seria analisar empresa por empresa. A fiscalização não precisa ter uma reforma para acontecer”, disse Kaizô Beltrão.

Direitos e deveres

O texto da reforma diz que pretende reforçar “o princípio da igualdade e justiça social entre os trabalhadores”. Segundo a nova proposta, a idade para se aposentar será igualada entre homens e mulheres. Atualmente, não há uma idade mínima para o trabalhador se aposentar. Os chamados segurados especiais (agricultor familiar, pescador artesanal e o indígena que exerce sua atividade em regime de economia familiar) passariam a seguir a mesma regra de idade mínima dos segurados urbanos. Atualmente, eles podem se  aposentar com idade reduzida.

Também os professores, que antes poderiam se aposentar com tempo reduzido ao contabilizar o tempo em sala de aula, seguirão as mesmas regras estabelecidas para os demais trabalhadores. A única exceção seria para os trabalhadores com deficiência. O tratamento especial continua existindo, mas a diferença em relação aos demais não poderá ser maior do que 10 anos no requisito de idade e 5 anos no de tempo de contribuição. A exceção serve para policiais militares e bombeiros, que serão tratados posteriormente através de um Projeto de Lei que vai considerar as especificidades dessa área.

Entretanto, o ministro da Defesa Raul Jungmann disse nesta quinta-feira (8) que um projeto de lei complementar com mudanças nas regras previdenciárias para os militares já está em discussão e deve ser enviado à Casa Civil entre janeiro e fevereiro de 2017.

“A mulher não pode ter idade igual de contribuição que o homem. Porque a mulher exerce dupla jornada de trabalho, todo mundo sabe disso”, disse João Badari, acrescentando: “Outro ponto é que agora, se você pega a expectativa de vida de forma simples, no bairro nobre em São Paulo, o homem vive até os 80 anos, e na periferia, que já tem a expectativa de vida baixa, ele entra para trabalhar mais novo e falece antes, então ele contribui para o sistema, mas não usufrui dele. Ele se torna alguém que tem só obrigações e não direitos”, frisou.

Aprovação e debate

As regras só entram em vigor após a aprovação e promulgação da PEC pelo Congresso. Para as pessoas que já recebem aposentadorias e pensões, ou que já tenham completado condições de acesso, nada muda.

“A reforma não vai afetar o equilíbrio financeiro da previdência hoje. Todas essas mudanças são de médio e longo prazo para a situação não piorar”, disse Kaizô Beltrão.

“Não houve debate com a população, com assegurados e trabalhadores. A solução seria um debate do governo com a sociedade e as centrais dos trabalhadores para chegar num meio termo. O que está em jogo é o lado do governo, e não as particularidades do assegurado que está perdendo seus direitos” defendeu João Badari.
Crédito: Artigo publicado na página do JB Online – disponível na web 12/12/2016

 Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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