Quando a Justiça retornar do recesso, no dia 23, voltam a tramitar cerca de 1.400 processos que estavam suspensos à espera de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito do reajuste de planos de saúde para os idosos. A decisão final do STJ, publicada dois dias antes do início da pausa do Judiciário, em 19 de dezembro, reconhece a legalidade do aumento das mensalidades por faixa etária, a menos que se caracterize abusividade. A sentença, dizem especialistas, não facilita em nada a vida dos 5,8 milhões de brasileiros usuários de planos de saúde acima de 59 anos, que terão de continuar a recorrer à Justiça, caso considerem que os percentuais aplicados às mensalidades são abusivos.
— A decisão do STJ não deixa o consumidor numa situação vantajosa, pois, mesmo sendo abusivo o aumento, o usuário terá de ajuizar a ação para, somente após decisão, simplesmente readequar o reajuste — ressalta o subcoordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio, Eduardo Chow.
Professora aposentada, Ana Maria Gusmão, de 78 anos, desembolsa R$ 4.500 por mês com o seu plano de saúde, despesa que vem pesando no bolso. Depois de uma fracassada tentativa de acordo com a Bradesco Saúde, a professora decidiu recorrer à Justiça na esperança de reduzir a mensalidade.
— Sou aposentada do estado, e tenho usado o plano só para fazer exames. É um plano top, tenho interesse em mantê-lo, mas está cada dia mais difícil. Para mudar, há exigências de carência, e dificilmente se consegue um bom preço por planos individuais — afirma Ana Maria.
ORIENTAÇÃO PARA OS DEMAIS TRIBUNAIS
O contrato de Ana Maria é anterior à lei 9.656, de dezembro de 1998. Apesar disso, ressalta sua advogada, Luciana Gouvêa, a operadora enquadrou-o, em 2005, na nova legislação para reajuste:
— A operadora alega que os reajustes estariam de acordo com a lei vigente, o que não corresponde à verdade, por se tratar de um contrato anterior a dezembro de 1998. Sendo assim, devem ser respeitados os seus direitos conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor. Estávamos aguardando a decisão do STJ e agora resta saber a do juiz que se ocupa do processo.
A sentença do STJ, explica o presidente da Comissão de Relações Institucionais da OAB-RJ, o advogado Vitor Marcelo Rodrigues, é importante pois orienta os juízes das instâncias inferiores. Rodrigues afirma que, em decorrência dos aumentos abusivos nas mensalidades praticados pelos planos de saúde, centenas de ações foram distribuídas em Tribunais Estaduais com o intuito de discutir a validade da cláusula contratual que prevê esse aumento com base na mudança de faixa etária do usuário. Alguns desses processos foram julgados e, em grau de recurso, chegaram ao STJ (última instância para esse tipo de ação). Para evitar decisões conflitantes, dar mais celeridade, garantir a isonomia e a segurança jurídica no julgamento de recursos especiais que tratem da mesma controvérsia jurídica, esclarece Rodrigues, foram criados os chamados Recursos Repetitivos, pela lei 11.672/2008.
— Um recurso é considerado repetitivo quando se identifica que existe uma multiplicidade de recursos fundamentados em idêntica questão jurídica. É verdade que os magistrados não são obrigados a replicar a decisão do STJ, mas o entendimento da Corte superior tem papel importante de orientação — explica Rodrigues.
A analista de sistema Margaret Salles, de 62 anos, e o marido, o engenheiro civil Sérgio Salles, de 67, que pagavam R$ 9.592 pelos planos individuais da SulAmérica, obtiveram decisão liminar favorável na Justiça. Com o desfecho, a mensalidade de Salles caiu para R$ 2.680 e a de Margaret, para R$ 3.546, uma redução de quase um terço no desembolso mensal do casal com o plano.
— Nós, idosos, não podemos ficar sem plano de saúde, até porque não temos como contar com a saúde pública. Não é luxo, mas uma necessidade. Mas também não dá para desembolsar uma fortuna pelo direito de ter um atendimento médico digno — queixa-se Margaret, que ainda não tem a sentença final do seu processo.
De fato, os gastos com saúde dobram com o envelhecimento, afirma com o superintendente adjunto para inflação da FGV/Ibre, Salomão Quadros. Enquanto as despesas com planos de saúde e medicamentos representam 7% para a a população em geral, no orçamento dos idosos pesam praticamente o dobro, 12%. Só em 2016, os preços de planos de saúde para essa faixa etária ficaram 13,2% mais altos. Os dados são da inflação dos idosos, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3i) da FGV/Ibre, que registrou alta de 6,07% em 2016, um pouco abaixo dos 6,29% acumulados pelo IPCA.
Procurado sobre a queixa de Ana Maria, o Bradesco Saúde disse que não comenta casos levados à apreciação do Judiciário. Já a SulAmérica, operadora dos Salles, afirma que os reajustes aplicados estão em conformidade com as regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e acrescenta que incidem na mensalidade os reajustes anual e de mudança de faixa etária, conforme informado aos clientes no ato da contratação do plano.
Na avaliação de Claudia Silvano, presidente da Associação Brasileira de Procons (ProconsBrasil), a decisão do STJ tem como ponto positivo o fato de reforçar que não podem ser aplicados percentuais “desarrazoados ou aleatórios” que onerem excessivamente ou discriminem o idoso:
— Isso é positivo para o beneficiário. Pegávamos contratos em que, quando a pessoa passava de 60 anos, o reajuste chegava a 70%. Isso fazia com que o usuário fosse chutado do plano. Esta é a grande questão.
Para Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde, que representa as empresas do setor, a decisão da Corte põe um ponto final no debate sobre a discordância do reajuste por faixa etária. Ela acrescenta:
— O cálculo de reajuste das mensalidades leva em consideração, entre outras questões, o equilíbrio nas despesas assistenciais entre jovens e idosos, o chamado sistema de mutualismo.
Especialista em direito à saúde, o advogado Rodrigo Araújo discorda de Solange. Araújo afirma que, na verdade, o que se discute não é se deve ou não ser permitido o reajuste etário para idosos, mas o quão maior pode ser de fato esse custo:
— O Estatuto do Idoso, ao excluir os reajustes etários que, àquela época, estavam previstos para 60 e para 70 anos, pretendeu diminuir o impacto que o aumento total de 500% entre a primeira e a última faixa etária (permitido pela ANS) causava para os idosos. Manter esses mesmos 500% e antecipar o último reajuste para 59 anos não é proteger o idoso, mas obrigá-lo a cancelar o plano de saúde antes por absoluta falta de condição para continuar pagando.
E a sentença do STJ, diz o advogado Caio Fernandes, deixa claro que o reajuste por faixa etária é válido desde que haja tal previsão no contrato, que sejam atendidas as normas legais, que os percentuais aplicados não sejam incoerentes.
ESPECIALISTA DEFENDE AUMENTO DE FAIXAS
Para diluir o peso desse reajuste, a diretora-executiva da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab), Luciana Silveira, defende a revisão das regras sobre os reajustes por idade. Ela acredita que aumentar o número de faixas, para além dos 60 anos, seria pertinente neste momento em que se debate a reforma da Previdência e a ampliação da idade mínima para aposentadoria para 65 anos. Ela lembra que o novo parâmetro manterá o brasileiro mais tempo no mercado de trabalho e assim numa carteira de saúde corporativa.
— Não é simples de se fazer, pois está na lei e no Estatuto do Idoso. Mas acredito que diluir mais os reajustes seria uma das saídas para aliviar os gastos e, assim, permitir que o idoso continue pagando seu plano de saúde. Não adianta lutar contra o idoso. Todos seremos idosos. O que temos de fazer é buscar uma solução razoável — diz.
Consultada, a ANS se limitou a informar as regras previstas de reajustes. No caso dos planos anteriores à lei 9.656/98, vale o que está no contrato. Para os posteriores à lei, é previsto reajuste anual por variação de custos, e também os por faixa etária, tanto para pessoas físicas ou jurídicas.
Crédito: Matéria publicada no dia 15/01/2017 por Ione Luques com a colaboração de Daiane Costa/Coluna Defesa do Consumidor do O Globo – disponível na web 16/01/2017