Câncer e realidade econômica.

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São avanços recentes no diagnóstico e tratamento de câncer, com grande impacto científico e social, um novo tratamento que consiste em reprogramar células de defesa do organismo; a detecção precoce de vários tipos de tumor, por coleta de sangue periférico (biópsia líquida não invasiva); um dispositivo (parecido com uma caneta) que permite identificação mais precisa de limites entre tecido normal e o comprometido; e a aplicação intraoperatória da radioterapia.

As chaves para esta aceleração foram, sem dúvida, os avanços conseguidos nos conhecimentos da imunologia, na genômica, possibilitando a construção de painéis genéticos e mesmo a manipulação de genes. Além disso, progressos relativos a aplicações de espectrometria de massa permitiram diagnosticar características específicas de tecidos tumorais e, com isso, individualizar novas estratégias e táticas cirúrgicas.

As terapias alvo, desenvolvidas a partir da década de 1990, permitiram a ação inteligente das novas drogas, que impedem a proliferação de células malignas sem comprometer as normais.

As novíssimas abordagens baseadas na imunologia, a partir de 2010, estão sendo estendidas a diversos tipos de tumores. E sua principal característica é a reprogramação de células de defesa do próprio paciente para combater o tumor.

Todo este progresso, que vem de encontro ao desafio que representa o câncer como um problema de saúde pública, tem um preço muito alto para as pessoas e para a sociedade.

À desigualdade na distribuição de medicamentos e outros recursos para o diagnóstico e tratamento seguem-se as consequências: o crescimento das taxas de mortalidade por câncer, previsto pela OMS, será muito maior nos países mais pobres do que nos ricos.

Embora estejamos frente a conquistas revolucionárias no campo científico, elas às vezes geram um otimismo exagerado, que impõe aos países e às pessoas custos insuportáveis.

Ainda resta um longo caminho a percorrer entre os avanços dos laboratórios e o cotidiano dos tratamentos. Os principais obstáculos não resolvidos são os efeitos colaterais, a resistência às drogas e a abordagem das metástases. Outro grande problema é o custo. No clima atual, com os gastos em espiral das novas terapias anticancerígenas, os sistemas de saúde não são sustentáveis, afirma o presidente da Sociedade Europeia de Oncologia, Josep Tabernero.

A ideia que liga o progresso da ciência à cura do câncer como uma questão de tempo não corresponde ainda à realidade e, provavelmente, nem ocorrerá desta forma.

A tendência é que se torne uma doença crônica e que, portanto, não haverá uma bala de prata para acabar com ela. Diante disso, deve-se buscar que todos os pacientes disponham de um conjunto de medidas que assegure acesso a diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos — indispensáveis para obter o melhor resultado possível.

Para isso, será necessário também repensar o modelo de negócio da indústria farmacêutica, sobretudo no que tange ao desenvolvimento de novas drogas. E ampliar a participação dos setores acadêmicos, criando formas mais eficientes de parcerias público-privadas voltadas para acelerar a entrega de novas terapias a custos mais acessíveis, que possam trazer benefícios a a todos, sem discriminação dos mais pobres.

Devemos agora começar a tomar decisões realistas, cada vez mais baseadas em evidências cientificas e na realidade econômica. Os cientistas e profissionais de saúde, os que tomam decisões políticas e a indústria precisam repensar e ajustar suas agendas em benefício da sociedade.

Artigo publicado dia 02/11/2017 no jornal O Globo – disponível na internet 03/11/2017 

Nota: O presente artigo não traduz necessariamente a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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