Uma semana depois de o Ministério do Trabalho dizer que a Reforma Trabalhista, em vigor desde 11 de novembro do ano passado, não vale para infrações cometidas antes da sua vigência e que vale para os contratos antigos, uma comissão de ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) avalia que alguns pontos da reforma implementada pelo governo Temer valem apenas para novos contratos de emprego. No parecer, que ainda será votado no plenário do Tribunal e começará a ser discutido no dia 6 de fevereiro, os ministros do TST argumentam que a reforma não pode retirar direitos adquiridos.
A proposta do TST obtida pela Agência Estadão Conteúdo, defende que o Tribunal deve aplicar a nova lei trabalhista apenas em contratos assinados após o dia 11 de novembro, em processos relacionados ao deslocamento entre a casa e o trabalho, às gratificações e às diárias de férias incorporadas ao salário. Se o contrato for anterior à nova lei, fica aberta a possibilidade para que o funcionário cobre da empresa na Justiça. O mesmo vale para a regra que permite a um não empregado representar a empresa na Justiça, o chamado “preposto”: só vale nas ações ajuizadas após 11 de novembro.
O parecer faz parte da proposta de revisão de 34 súmulas do tribunal. As súmulas são interpretações sobre temas específicos, que servem para uniformizar o entendimento dos juízes. A Agência Estadão Conteúdo obteve parte da proposta elaborada pela Comissão de Jurisprudência do TST, onde foram sugeridas mudanças em oito súmulas.
Nota técnica
Na nota técnica enviada a auditores fiscais no último dia 2, o Ministério do Trabalho orienta funcionários a “aplicar a legislação vigente na época da lavratura da ocorrência dos fatos geradores das infrações (e não a lei vigente na época da lavratura da autuação)”, diz trecho da nota assinada pela secretária de Inspeção do Trabalho, Maria Teresa Pacheco Jensen.
O texto ressalta que a Reforma Trabalhista deve ser aplicada “a partir do momento de sua entrada em vigor em diante, sem efeitos retroativos e com respeito aos atos jurídicos praticados na vigência dos dispositivos revogados”.
Mas, ao mesmo tempo que não reconhece a retroatividade para o caso de empresa que cometeu infração, o governo – por medida provisória – estabeleceu que a nova lei trabalhista se aplica na integralidade aos contratos de trabalho vigentes, mesmo aqueles firmados antes de novembro. O que também é criticado pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury. “A reforma não pode ser aplicada aos contratos antigos porque nesses contratos valia uma regra diferente”, diz.
Composta por três ministros, a Comissão argumenta que a reforma deve ser aplicada imediatamente “desde que não afete o direito adquirido do empregado ou do empregador”. A interpretação é que há “direito adquirido dos atuais empregados” pela “sistemática da lei velha” para casos em que a nova legislação pode suprimir benefícios previstos em contrato anterior à mudança.
Para valer, esse entendimento precisa da aprovação de 18 ministros – dois terços do plenário. Súmulas do TST não têm efeito vinculante como em alguns casos do Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, não obriga as demais instâncias a adotar o entendimento. O mundo jurídico, porém, encara uma súmula como um posicionamento sedimentado e que, por isso, influencia parte dos juízes.
Procurado, o Ministério do Trabalho reafirmou que a reforma vale para todos os contratos e cita como argumento a Medida Provisória 808. Assinada em novembro, o texto afirma que a reforma “se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes”. “Ou seja, vale tanto para os novos contratos, quanto para os que já estavam vigentes”, defende o ministério.
Para relator da reforma, proposta é um ‘desastre’
O relator da Reforma Trabalhista na Câmara, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), classificou a proposta de revisão das súmulas do Tribunal Superior do Trabalho como “um desastre”. Se aprovado, alerta o parlamentar, o novo entendimento sobre a lei pode até provocar desemprego.
Marinho alerta que súmulas com interpretação diferente do proposto pela lei aumentariam a insegurança jurídica. Com o argumento de que uma empresa não pode ter dois funcionários com tratamento legal diferente, o tucano diz que empresas poderiam demitir empregados para reduzir riscos. “Empresários seriam forçados a demitir e recontratar nova mão de obra para uniformizar a condição legal”, prevê.
Até a Comissão de Jurisprudência do TST reconhece o problema. “Não se ignora que semelhante exegese (comentário) apresente o efeito perverso de constituir um estímulo à despedida de empregados mais antigos e, portanto, mais onerosos para o empregador”, cita trecho da proposta. Apesar do risco, a comissão avalia que solução diferente da proteção aos contratos antigos “seria flagrantemente vulnerável a questionamento sob o prisma jurídico-constitucional”.