O chamado “centro” político, que é como a direita passou a se autodenominar, está em busca de um candidato que seja liberal, do ponto de vista econômico, e conservador, do ponto de vista dos valores, como diz o empresário varejista Flávio Rocha, dono do grupo Riachuelo. E acrescento: fiscalista, do ponto de vista da gestão.
A dimensão liberal – que não possui apelo eleitoral, mas garante a quem a defende apoio quase incondicional do mercado e da mídia – prioriza o capital, tanto no aspecto do livre mercado e da livre inciativa quanto na obtenção de lucros sem risco. E representa a retirada do Estado, tanto da prestação de serviços e da exploração da atividade econômica quanto da regulação da economia.
Significa, enfim, que o Estado não pode ter empresas estatais (como Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios etc.) nem exercer atividades que a iniciativa privada possa explorar, como nos setores de saneamento, energia, telecomunicações e até educação e saúde; nem tampouco poderá, via regulação, interferir na gestão ou no lucro das empresas privadas, nem mesmo mediante carga tributária proporcional ao lucro das empresas. Nessa perspectiva, a opção pelo “Estado Regulador” é um mito, apenas um discurso para justificar a retirada do Estado da exploração direta dessas atividades, sob a perspectiva de que a regulação será capaz de superar as “falhas de mercado”.
A dimensão conservadora, diferente da liberal, tem o objetivo de legitimar o candidato perante a população, porque proporciona um discurso ufanista em favor da família, da moralidade, da defesa das “pessoas de bem”, da “decência” e contra a corrupção, a “bandidagem” e a “degradação” dos valores éticos e morais.
Com esse tipo de abordagem, o candidato defende a liberação do porte de armas (“que atualmente estão nas mãos apenas dos bandidos”), combate a ideologia de gênero (liberdade reprodutiva e união homoafetiva), defende o fim do Estatuto da Criança e do Adolescente, condena o aborto em qualquer circunstância e as penas alternativas, defende cadeia para os corruptos e ladrões, especialmente para pequenos furtos, e até a pena de morte, sob a alcunha de “bandido bom é bandido morto”.
Esse discurso, que invariavelmente desconhece os direitos humanos, encontra terreno fértil nesse ambiente de pós-verdade, de fake news (notícias falsas), redes sociais sem regulação e de debate interditado porque sensibiliza tanto os ignorantes (desinformados) quanto os fundamentalistas religiosos e os defensores do Estado penal e repressor, que acreditam nesse tipo de retórica, haja vista o sucesso de gente como Bolsonaro.
A terceira dimensão, a fiscal, que se destina a cortar gastos, reduzir serviços públicos e pessoal, como forma de economizar para honrar os pagamentos dos juros e do principal das dívidas internas e externas, também não garante votos. Porém, tal como a dimensão liberal, seus defensores são apoiados quase incondicionalmente pelo mercado e pela mídia.
A visão fiscal, se não houver calibragem, pode, inclusive, levar à falência do Estado na prestação de serviços e no fornecimento de bens à população, dada a agressividade com que são congelados ou cortados recursos orçamentários destinados ao funcionamento da máquina pública, a programas sociais, à seguridade (saúde, Previdência e assistência), à educação etc. E a consequência disso, caso esta não seja revista, será o fim da paz social no país, ou, pelo menos, da possibilidade de que seja alcançada por meio de políticas sociais.
Ou seja, a visão fiscal é também a visão do Estado mínimo, que tem por finalidade “desregulamentar direitos e regulamentar restrições” e limitar a atuação do Estado às funções clássicas (segurança, justiça, saúde e educação) e restringir drasticamente as despesas com essas atividades, de preferência comprando tais serviços no setor privado, especialmente saúde e educação.
Alguém pode estar se perguntando como um candidato com esse tipo de agenda pode ganhar uma eleição. Pois pode, sim, mesmo com todas as contradições que essa agenda atrai.
Em primeiro lugar, porque conta com o apoio dos veículos de comunicação que, como regra, em lugar de fazer a mediação entre Estado e sociedade, preferem defender os interesses do capital.
Em segundo, porque o poder econômico vai financiar fortemente esse tipo de candidatura, ainda que seja por doação individual dos executivos dos grupos econômicos e financeiros.
Em terceiro lugar, porque vão explorar ao extremo a boa-fé das pessoas com o discurso moralista, justiceiro e de combate à corrupção e aos “privilégios”. E tem, nisso, até mesmo o apoio de grupos religiosos, como os pastores evangélicos e suas igrejas.
Em quarto lugar, porque os candidatos tentarão dar apelo eleitoral à agenda liberal e fiscal, vinculando os problemas éticos à presença do Estado na exploração da atividade econômica (citando Petrobras e Lava Jato) e a crise fiscal à corrupção e a supostos privilégios dos servidores públicos, como vem fazendo o governo Temer na campanha em defesa da reforma da Previdência.
E, em quinto, porque vão continuar com a narrativa de que a responsabilidade pela crise ética e pela crise econômica e fiscal foi culpa da esquerda, e que bastou retirar o governo anterior que a inflação e os juros caíram e o PIB e o emprego voltaram a crescer.
O que é mais preocupante, nesse movimento, é a divisão da esquerda e os riscos de uma candidatura abatida em pleno voo, sem substituto à altura. Por isso, ou os partidos e movimentos comprometidos com o Estado de bem-estar social e com um Estado a serviço da maioria se unem em torno de um programa, com ou sem Lula na disputa, ou o retrocesso continuará por mais 4 anos.
Artigo publicado no DIAP- disponível na internet 25/01/2018
Nota: O presente artigo não traduz necessariamente a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.