Câmara autoriza intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro

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 Depois de mais de 6 horas de discussão, a Câmara dos Deputados confirmou, na madrugada desta terça-feira (20), a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro. O decreto assinado pelo presidente Michel Temer teve 340 votos favoráveis, 72 votos contrários e 1 abstenção. O texto segue agora para o Senado Federal na forma do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 886/18.

A relatora da proposta, deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), incluiu duas sugestões ao Poder Executivo em seu parecer. Ela pediu que o governo federal apresente recursos federais em caráter continuado, a serem usados na segurança pública e nas áreas de assistência social.

A deputada também sugere que o Poder Executivo regulamente o poder de polícia das Forças Armadas e estabeleça diálogos com o Ministério Público e com o Judiciário para o controle externo da operação. Os dois pedidos foram feitos na forma de indicação, que são opinativos e não vinculam a atuação do Executivo federal, já que não é possível apresentar emendas ao decreto de intervenção.

A questão do financiamento foi ressaltada por Laura Carneiro. Ela afirmou que o governo do estado do Rio de Janeiro não tem recursos para custear a intervenção. “Durante dez meses, seriam necessários cerca de R$ 250 milhões adicionais para custeio e investimento das ações de intervenção, recursos de que o estado do Rio de Janeiro não dispõe”, esclareceu a deputada.

Interventor
O decreto assinado pelo presidente Michel Temer estabelece intervenção federal até o dia 31 de dezembro de 2018 com o objetivo de acabar com o grave comprometimento da ordem pública do estado do Rio de Janeiro. Para comandar a operação, foi designado como interventor o general Walter Souza Braga Netto.

O interventor será subordinado ao presidente da República e não estará sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção, podendo requisitar os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do estado necessários ao objetivo.

O general comandará todas as polícias do estado (civil, militar e Corpo de Bombeiros) e poderá requisitar ainda os bens, serviços e servidores dos órgãos estaduais, como a Secretaria de Segurança e a Secretaria de Administração Penitenciária para emprego nas ações determinadas pelo interventor.

As demais atribuições do estado continuam sob o poder do governador Luiz Fernando Pezão. Segundo o decreto, a intervenção tem o objetivo de acabar com o “grave comprometimento da ordem pública no estado”.

Crime organizado
A relatora destacou que, apesar de o Rio de Janeiro não ser a unidade federativa com maiores índices de violência, é a cidade com maior número de tiroteios – que impedem a circulação da população. Laura Carneiro ressaltou que a existência de zonas com a ausência do Estado também é fator determinante para o apoio à intervenção.

“Ao contrário do que acontece em outros estados, nos quais grande parte dos crimes violentos é pulverizada, no Rio de Janeiro estabeleceu-se zonas de controle bem delimitadas, onde o Estado não entra e que chegam a dar lugar a disputas territoriais entre quadrilhas rivais”, disse a deputada.

Laura Carneiro também chamou a atenção para os tiroteios que ocorrem à luz do dia no Rio de Janeiro. “Chegamos à triste marca de 450 tiroteios em 50 dias. Existe algum outro estado do Brasil que possuiu aplicativos de celular para saber onde há tiroteio? ”, questionou.

Emendas à Constituição

Como determina a Constituição Federal, o Congresso não poderá emendar o texto constitucional durante o período da intervenção. Com isso, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já confirmou que não será possível votar a PEC da Reforma da Previdência ou qualquer outra PEC durante a vigência da intervenção.

Quanto à tramitação, embora o presidente do Senado, Eunício Oliveira, tenha suspendido naquela Casa qualquer andamento de propostas de emenda à Constituição, Maia ficou de dar uma resposta em breve a questões de ordem formuladas nesse sentido.

 

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

Agência Câmara de Notícias 20/02/2018


Câmara aprova intervenção no RJ; Forças Armadas esperam Senado para poder entrar em ação

Por 340 votos a 72, com uma abstenção, o plenário da Câmara aprovou há pouco o decreto presidencial que, em vigência desde sexta-feira (16), pôs em vigência a intervenção federal no Rio de Janeiro, transferindo do governo do estado para as Forças Armadas a gestão da segurança pública. Depois de mais de sete horas de debates e duelos regimentais, o relatório aprovado, elaborado pela deputada Laura Carneiro (MDB-RJ), segue agora para votação no Senado já nesta terça-feira (20), pautado como primeiro item do dia.

O decreto só terá validade confirmada caso os senadores confirmem a aprovação dos deputados. Só então as tropas militares, já a postos no Rio de Janeiro, podem de fato entrar em ação sob o general Walter Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste. Em caso de rejeição pelos senadores, suspende-se – e, quando possível, reverte-se – os efeitos da medida, procedendo-se em ato contínuo o devido comunicado de recusa à Presidência da República, hipótese pouco provável.

Em atípica sessão de segunda-feira, fluminenses Maia e Laura Carneiro, relatora do decreto, conversam ao lado do paulista Arnaldo Faria de Sá. foto de Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

Em pouco mais de meia hora de leitura, Laura Carneiro não só encaminhou a aprovação da matéria, mas também sugeriu ao governo, como ontem (domingo, 18) disse a este site que o faria, uma previsão orçamentária para a execução das ações militares no combate ao crime organizado. Para a deputada, que diz descartar hipótese de golpe militar, a intervenção tem que assegurar o rigoroso respeito ao estado democrático de direito.

Ainda segundo a parlamentar fluminense, a medida extrema, “remédio amargo necessário”, impunha-se devido ao recrudescimento da violência e do crescimento do crime organizado no Rio. “Extrema é a condição à qual foi levada a população do Rio de Janeiro”, sintetizou, emocionada ao final do discurso e agradecendo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pela designação para relatar a matéria.

Laura Carneiro lê relatório e se emociona ao final de pouco mais de meia hora na tribuna. foto de Isabella Macedo/Congresso em Foco

PT, PCdoB e Psol estiveram em obstrução durante toda a sessão plenária, lançando mão dos instrumentos regimentais para retardar a votação. Obstruindo-se os trabalhos, excluiu-se, para cálculo do número mínimo de deputados exigido para promover votações, os 57 nomes do PT, os 11 do PCdoB e os seis do Psol. Nesse sentido, um leque de requerimentos, questões de ordem, discursos, encaminhamentos de bancada e outros direitos das minorias foi posto em campo por horas, levando a sessão madrugada adentro.

A 20 minutos da 1h desta terça-feira (20), a maioria governista aprovou um requerimento de encerramento das discussões, abrindo caminho para a rejeição de outros dois requerimentos de adiamento de votação, um por duas e outro por apenas uma sessão plenária deliberativa. A barreira das duas horas da manhã já havia sido rompida quando o relatório sobre o decreto foi aprovado, depois de muita troca de ofensas, alguma gritaria e das já tradicionais vaias mútuas.

Prós e contras

Depois do discurso de Laura Carneiro, seguiu-se o rito regimental para a etapa de discussão, em que três deputados a favor da intervenção e três contra falaram por três minutos, cada um, da tribuna do plenário. De um lado, a oposição dizia que a medida tem intenção multifacetada e serve a interesses escusos do governo Temer, como a mudança do foco das denúncias de corrupção e o mascaramento da insuficiência de votos governistas para aprovar a reforma da Previdência; de outro, membros da base defendiam a pertinência do decreto, face ao descontrole da segurança pública do Rio, e acusavam oposicionistas de se posicionar ao lado da criminalidade e contra os anseios da população.

Aprovado em um plenário atipicamente cheio, decreto segue para votação no Senado. Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

Favorável ao decreto, Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) afirmou que essa é uma “noite histórica” e aproveitou para criticar o PT, afirmando que as razões da crise de segurança no Rio têm nomes e siglas partidárias. “Gostaria de dizer claramente ao povo do RJ para ficar atento ao que acontece aqui hoje. Crise no RJ tem nomes e siglas partidárias. MDB teve, ao longo das décadas, PT e PCdoB como sócios e responsáveis pela desgraça da segurança do Rio”, discursou o deputado. “Intervenção federal já, é o que o Rio de Janeiro precisa.”

Primeiro a encaminhar voto contra, o líder do Psol, Ivan Valente (SP), classificou o decreto como improviso do governo. “Esse decreto não tem justificativa. É um improviso total, é o campeão do improviso”. Citando casos de corrupção envolvendo Temer e muitos de seus aliados, o deputado também criticou fala do ministro da Defesa, Raul Jungmann, sobre mandados coletivos de busca e apreensão cogitados pelo governo, com a ameaça de que casas de trabalhadores poderão ser invadidas. “É desviar o foco da crise para a segurança pública”, declarou Ivan, advertindo para a sinalização de uma agenda de “Estado penal” em vez de um Estado de bem estar social.

 

Efeito eleições: plenário chegou a registrar quase 450 deputados, de um total de 510, em plena madrugada de segunda para terça-feira (três estão na cadeia). foto de Isabella Macedo/Congresso em Foco

Por sua vez, o vice-líder do governo na Câmara Darcísio Perondi (MDB-RS) escolheu a tática do confronto com a oposição. “Vocês defendem a Venezuela! Defendem Cuba! Defendem a Coreia do Norte! Que moral vocês têm? Ouvi aqui excrescências sem precedentes. Por exemplo, que a intervenção vai representar a violência contra as crianças do Rio de Janeiro”, reclamou o emedebista. “Povo do Rio de Janeiro, olhe para os deputados e deputadas da oposição não só do Rio de Janeiro, mas de todo o Brasil. Olhem o que estão fazendo com vocês. Famílias enlutadas, que choram, que perderam trabalhadores!”

Já Chico Alencar (Psol-RJ), que falou contra a intervenção, aludiu à fala do ministro da Justiça, Torquato Jardim, em novembro passado, sobre a ligação de autoridades com o crime organizado no Rio. “Não há crime organizado sem a conivência e a participação do Estado, das forças governamentais, do Legislativo”, declarou Chico, para quem a verdadeira e mais perigosa quadrilha é a capitaneada por Temer, com o poder da caneta presidencial – na descrição do Ministério Público Federal, em denúncias já apresentadas, o “quadrilhão do PMDB”.

Criminosos

Antes do início das discussões, Rodrigo Maia divulgou para a imprensa um discurso e o leu diante dos pares. “Forças Armadas, Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal estão sendo convocadas pelo presidente da República, que é o comandante delas, para uma missão fundamental na defesa da democracia: combater, e vencer!, o crime organizado”, declamou Maia, fiador da gestão Temer e ele mesmo investigado pelo crime de caixa dois e até “caixa três” de campanha.

Deputado licenciado, ministro da Defesa foi acompanhar votação em plenário e ouviu acusações. foto de Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

Em um lance que se encaixa na votação deste início de semana, com protagonismo de Maia, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), mais cedo anunciou sua decisão de suspender a votação de propostas de emenda à Constituição (PECs) enquanto o decreto estiver em vigência. O governo, embora não admita publicamente, sabe das muito escassas chances de aprovação da reforma da Previdência, considerada impopular. Sabe também que PECs, caso da reforma, não podem ser promulgadas enquanto perdurar intervenção da União em quaisquer dos entes federativos, nos termos da própria Carta Magna.

Nesse sentido, poderia ser barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o “jeitinho” encontrado pelo Palácio do Planalto para manter as aparências de não desistência da proposta: Temer disse ter acertado com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), que suspenderia a intervenção caso conseguisse os 308 votos necessários para aprovar a PEC. Com a condição, prontamente aceita por Pezão, de que não seria desfeita a estrutura organizacional montada para que as Forças Armadas entrem em ação.

Em outro flanco, Maia consultaria o Supremo para saber se, enquanto a intervenção estiver em curso, o Parlamento pode ao menos discutir e votar a reforma da Previdência, deixando para promulgá-la ao fim do decreto. Assim, a observância à lei estaria resguardada e nada mais haveria no caminho das mudanças pretendidas por Temer. A estratégia já havia encontrado amparo em entendimentos já manifestados por consultores do Congresso e juristas.

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Crédito: Fábio Góis e Isabella Macedo/Congresso em Foco – disponível na internet 20/02/2018

 

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