Ministério do Planejamento aponta 655 mil imóveis cadastrados como patrimônio federal, dos quais 179 são prédios desocupados. Auditoria do TCU vê inconsistências na base de dados. Gasto do governo com aluguel atinge R$ 1,56 bilhões
O incêndio no prédio da Polícia Federal em São Paulo, ocupado por sem-teto e organizado por uma associação que cobrava até aluguel, descortinou o descaso com o patrimônio público e o desperdício dos governos das três esferas, sobretudo a federal. A União é proprietária de milhares de imóveis, num total de R$ 68 bilhões, mas não tem qualquer controle. “É a maior e a pior imobiliária do mundo”, disse Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
O especialista afirmou que, no ano passado, enquanto a União gastou R$ 1,56 bilhão de aluguel para acomodar órgãos públicos, recebeu aproximadamente a metade disso, R$ 795,1 milhões, pela locação de imóveis próprios para terceiros. Sem contabilizar os prédios abandonados, como o da Polícia Federal de São Paulo. “Esses números também só se referem aos três Poderes na área federal, sem contar estatais e imóveis de estados e municípios”, alertou Castello Branco.
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que a base de dados do sistema da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão apresenta falhas. Conforme a Corte de contas, foram avaliados dados constantes do Sistema Integrado de Administração Patrimonial (Siapa), que é uma ferramenta de apoio à administração do patrimônio imobiliário da União, voltado para imóveis dominiais — aqueles que não são ocupados pela administração pública, mas cedidos a terceiros por meio de instrumentos de regularização fundiária. “Estão sob o controle do Siapa imóveis cuja avaliação, em meados de 2016, chegava a R$ 68 bilhões”, afirmou o TCU, por meio da assessoria de imprensa.
O tribunal constatou inconsistências nos dados de aproximadamente 596 mil imóveis controlados pelo Siapa. O ministro-relator do TCU, Benjamin Zimmerman, determinou à SPU que apresentasse plano de ação para sanear as irregularidades encontradas. Segundo Castello Branco, qualquer imobiliária do mundo tem um sistema organizado, capaz de disponibilizar informações como valores, se estão desocupados, em que local são. “A SPU não tem”, disse.
Descaso
O secretário-geral da ONG Contas Abertas foi diretor da SPU na década de 1990. “O descaso ocorre há vários governos. O patrimônio da União é o patinho feio, embora seja uma fonte de recursos viável. Antes ficava no Rio, como órgão da Fazenda. Veio para Brasília e está no Planejamento, mas nunca foi tratado com a competência que merece”, ressaltou.
Para Castello Branco, os superintendentes da SPU nos estados são indicações políticas. E o patrimônio não para de crescer. “Quando quem pega financiamento com a Caixa não paga, a União recolhe os bens e fica com o imóvel. A todo momento entram novos. E o governo não consegue fazer nada com aquilo, porque não tem nem ideia do que tem”, sentenciou.
O cadastro da SPU também não é aberto ao público, diz. “De tempos em tempos, a União anuncia que vai vender imóveis, mas não se sabe se foi vendido, quanto foi arrecadado. Há muita dificuldade de transparência nesta área”, lamentou. Ao abrir o orçamento de 2017 das três unidades gestoras do patrimônio da União, Castello Branco verificou que as duas rubricas que mais consumiram o dinheiro público foram terrenos e aquisição de imóveis. “Dos R$ 113,8 milhões, quase R$ 100 milhões são para isso”. O descaso e o desperdício geram vítimas, como no caso do prédio da Polícia Federal de São Paulo.
O Ministério do Planejamento informou, em nota, que acompanha o caso do prédio na capital paulista por meio do superintendente Robson Tuma e solicitou a instauração de inquérito para investigar as causas e eventuais responsabilidades pelo incêndio que resultou no desabamento. “O patrimônio é vasto e a SPU está se modernizando para melhor informar os dados referentes aos imóveis da União no país. Hoje, há 655 mil imóveis cadastrados nos sistemas da Secretaria (Siapa e Spiunet), dos quais 33.238 estão cadastrados como de uso especial (usados para atividades administrativas e prestação de serviços públicos) e 179 são prédios desocupados. A partir de janeiro de 2019, os sistemas serão substituídos pelo SPUnet, que permitirá o controle e a atualização das informações referentes a imóveis da União em tempo real”, acrescentou a pasta.
Crédito: Simone Kafruni/Correio Braziliense – disponível na internet 04/05/2018