Crise na Ciência: falta de verbas e de comando na Faperj coloca pesquisadores em embate contra o estado.

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Uma série de investidas que desagradam a comunidade científica está provocando um embate entre pesquisadores e o Palácio Guanabara. Os motivos da disputa são o corte de recursos e as mudanças na cúpula da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj). A dívida do estado com a instituição já alcança R$ 450 milhões desde 2015. Hoje, membros do Conselho Superior do órgão vão se encontrar com o seu presidente interino, Gabriell Neves, secretário estadual de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social.

O tema principal da reunião será a indicação dos próximos diretores de Ciência e de Tecnologia da Faperj. Os nomes são escolhidos pelo governador Luiz Fernando Pezão a partir de uma lista tríplice elaborada pelos conselheiros do órgão. No entanto, uma instrução estabelecida recentemente atrasou o processo de seleção. Com isso, o mandato dos ocupantes desses cargos, Jerson Lima Silva e Eliete Bouskela, acabou em abril, antes da indicação de seus sucessores. Para evitar que a fundação fique “acéfala”, a comunidade científica reivindica que Silva e Eliete permaneçam em seus postos até março do ano que vem. O governo, porém, resiste à proposta.

PROCESSO BUROCRÁTICO

Integrantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) escreveram ontem uma carta ao Conselho Superior da Faperj reiterando que, para manter uma busca de “membros de alto nível”, é necessário manter as atuais diretorias de ciência e de tecnologia. A sugestão foi dada no início da semana por reitores das principais universidades e dirigentes de instituições de pesquisa fluminenses.

— A escolha da lista tríplice tornou-se mais burocrática — explica João Viola, pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e membro do Conselho Superior da Faperj. — Precisamos de alguns meses para nos comunicar com eventuais candidatos às diretorias, analisar seus currículos e se têm interesse em concorrer às vagas. As novas regras deveriam ser anunciadas mais cedo.

A mudança no processo de seleção é mais um sinal da instabilidade do comando da Faperj, que teve cinco presidentes desde julho de 2017 — o economista Augusto Raupp, a odontologista Maria Isabel de Castro de Souza, o secretário de Ciência e Tecnologia Gabriell Neves, o psicólogo Ricardo Vieiralves de Castro e, desde o início do mês, novamente Gabriell Neves.

A ciranda na presidência da fundação preocupa Viola:

— Esse é um problema administrativo enorme para um órgão que precisa estabelecer políticas a longo prazo, garantir continuidade de ações e, principalmente, negociar repasse de verbas com o governo — ressalta. — Não adianta trabalhar pensando apenas no que pode ser conseguido até o final de um mês.

Ao bater à porta de Pezão em busca de recursos, o quinteto que passou pelo comando da Faperj voltou para casa de mãos vazias. O governo estadual não repassa verbas para a fundação desde outubro de 2014. As bolsas de estudo são pagas, mas as pesquisas não recebem os financiamentos previstos em editais. O Palácio Guanabara acumulou uma dívida de R$ 450 milhões com o órgão desde 2015.

Nos últimos dois anos, o governo tem promovido investidas que podem aumentar ainda mais a penúria da Faperj. O estado é obrigado pela Constituição a destinar 2% de sua receita tributária líquida para o órgão. No entanto, em dezembro de 2016, um decreto assinado por Pezão estabeleu a redução em 30% desse orçamento. À época, um levantamento informal estimou que até 2 mil laboratórios poderiam ser fechados devido à falta de verbas. No mês passado, o Tribunal de Justiça (TJ-RJ) declarou que a medida é inconstitucional.

Em janeiro, deputados da bancada governista da Assembleia Legislativa aprovaram uma lei que reduz em 30% a receita que deve ser destinada à Faperj. O texto está sendo questionado na Justiça por parlamentares da oposição.

Segundo o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, é comum ver pesquisadores tirando dinheiro do próprio bolso para manter os laboratórios abertos, assumindo a manutenção de equipamentos e comprando insumos necessários para o trabalho.

— Estamos com medo que a saída dos diretores seja mais um processo do desmonte da Faperj, já que eram pessoas cientes da situação da ciência no estado — explica. — O Rio conta com 19 importantes instituições federais, em que metade do orçamento é pago pela União, e o governo fluminense é responsável pela outra metade. Esse pagamento não está sendo realizado.

Para Viola, os laboratórios que economizaram em suas despesas podem ficar totalmente sem recursos até o meio do ano. Por isso, muitos pesquisadores preferem encerrar seus trabalhos no Rio, trocando o estado por algum local onde podem contar com apoio financeiro governamental.

— Todos os dias conheço casos de pesquisadores que procuram estados vizinhos, principalmente São Paulo, ou vão para o exterior. É um verdadeiro êxodo — lamenta. — Só não é pior porque alguns projetos têm outra fonte de recursos, além daqueles que deveriam vir da Faperj. Infelizmente, mesmo que o estado resolva incentivar novamente as pesquisas, vai demorar anos para recuperarmos o ritmo antigo.

Procurado, o secretário Gabriell Neves não quis dar entrevista. Em nota publicada anteontem no site da Faperj, afirmou: “Continuarei empenhado em manter o pagamento de todas as bolsas, bem como continuarei trabalhando para retabelecer o pagamento de todos os auxílios devidos. A Faperj é um patrimônio do estado do Rio”.

Crédito: Renato Grandelle /O Globo 17/05/2018

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