Desde o primeiro momento, sabia-se que por trás do movimento dos caminhoneiros havia um locaute
Demorou uma semana, mas saiu a primeira prisão. A Polícia Federal trancou Vinicius Pellenz, da empresa Irapuru, de Caxias do Sul (RS). Ele é acusado de intimidar motoristas de outras empresas: “Ô nego, para teu caminhão. (…) Não leva milho, não faz nada para a Agrosul”.
Desde o primeiro momento, sabia-se que por trás do movimento dos caminhoneiros havia um locaute de empresas transportadoras. O que não se sabia era que havia mais que isso. Havia intimidações, como a de Pellenz, agromilícias, golpistas e jagunços infiltrados nas obstruções de rodovias. Em apenas 12 horas, o aplicativo “SOS Caminhoneiros”, do governo federal, recebeu dois mil pedidos de ajuda de motoristas. A PF abriu 54 investigações.
O pitoresco empresário Emílio Dalçoquio Neto, de Itajaí (SC), subiu num carro de som e pediu que se incendiassem os caminhões de sua transportadora que tentassem trafegar. Como a transportadora é dele, vá lá. Como a Dalçoquio já teve as finanças incendiadas e entrou em recuperação judicial, entende-se.
A Federação das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo divulgou no seu site um vídeo mostrando a progressão do colapso que ocorreria se “os caminhões sumissem por cinco dias”. Acertou, mas poderá explicar a essência da profecia.
O general Sérgio Etchegoyen disse, com toda razão, que “quem apoiava a greve e apoiava as soluções teria a sua cota de responsabilidade com participação no financiamento disso”. Noves fora que quem não apoiava a greve terá que financiar a solução, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional tem um problema sobre a mesa: cobrar nos tribunais a cota de responsabilidade de quem fez locaute e formou piquetes de jagunços.
Uma boa notícia num mar de ruínas
Começa a circular nesta semana o livro “Quatro décadas de gestão educacional no Brasil”, do jornalista Antonio Gois. Ele entrevistou treze ex-ministros da Educação, de Eduardo Portella (1979-1980) a Renato Janine Ribeiro (2015). Todas as entrevistas estão na rede, no site Observatório da Educação, do Instituto Unibanco.
No espaço de uma geração, a percentagem do PIB investido na educação pública aumentou de 2,9% para algo em torno de 5,6%, e o número de crianças de quatro a 14 anos fora da escola caiu de 35% para 7%. O analfabetismo adulto foi de 25% para 8%.
Como seria natural, todos os ministros falam bem de si próprios, mas três personagens brilham. O primeiro é o professor Murilo Hingel, o esquecido colaborador de Itamar Franco (1992-1995). Ele foi o responsável pela descentralização intelectual de um ministério “inadministrável”, nas palavras de Eduardo Portela, um paquiderme chamado “Ministério da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia”, onde se pensava que Brasília mandava nisso tudo. Para começo de conversa, Hingel descentralizou a merenda escolar.
Entre outras iniciativas felizes, a administração de Paulo Renato Souza (1995-2002) criou os exames federais que permitem avaliar o desempenho das escolas. (Paulo Renato morreu em 2011.)
Graças à existência do Enem, na gestão de Tarso Genro foi possível a criação do ProUni. Na sua narrativa, está o melhor momento do livro. Ele teve a oposição da esquerda, da UNE, da academia e dos plutocratas do ensino privado. Ao completar dez anos, o ProUni concedeu 1,5 milhão de bolsas.
Para se ter uma ideia do que é o ProUni, a GI Bill de Franklin Roosevelt concedeu, numa década, 2,2 milhões de bolsas. Atribui-se a essa iniciativa o nascimento da classe média americana da segunda metade do século passado.
Golpe na pauta
A ministra Cármen Lúcia pautou para votação no Supremo a ação do petista Jacques Wagner que indaga se o Congresso pode instituir um regime parlamentarista por meio de uma emenda constitucional.
É muito difícil que o STF compre essa girafa. O parlamentarismo já foi rejeitado pelo povo brasileiro em dois plebiscitos, mas a turma que tenta virar o jogo no replay
não se cansa. Em 1961, o parlamentarismo mutilou os poderes presidenciais de João Goulart. Agora querem mutilar o direito de todos os eleitores.
Numa analogia maluca, dia desses poderão tentar revogar a Lei Áurea. Afinal, foi uma simples lei, sem qualquer amparo plebiscitário.
MCT x MST
O Movimento dos Sem Terra, com sua invasões e pneus queimados, ganhou um rival virulento, o Movimento dos Com Terra.
Em termos de violência, o MCT revelou-se muito mais perigoso que o MST.
Catraca e tomates
O ministro Gilmar Mendes pode liberar a catraca que solta presos da Lava-Jato, mas a decisão da juíza Renata Andrade Lotufo rejeitando a denúncia contra o cidadão que ofereceu R$ 300 para quem lhe acertasse um tomate joga luz sobre a divisão reinante no Judiciário.
Assim como Gilmar soltou “Paulo Preto” e Jacob Barata na defesa da liberdade individual, Lotufo sustentou que o arremesso do tomate foi um exercício da liberdade de expressão.
Antes de assumir a 4ª Vara Federal de São Paulo, a doutora foi juíza auxiliar do ministro Felix Fischer, do STJ. Ele é um dos mais severos magistrados no julgamento de réus da Lava-Jato.
Fachin sindical
O ministro Edson Fachin atribuiu-se poderes imperiais. O Congresso votou o fim do imposto que obriga os trabalhadores a entregar um dia de trabalho aos sindicatos e, de sua mesa no “Pretório Excelso”, ele diz que a decisão de acabar com o tributo “pode ser desestabilizadora de todo o regime sindical”.
O que o Congresso decidiu foi o fim de uma cobrança compulsória. Quem se considerar bem servido pelo seu sindicato decidirá pagar, como paga por tudo que interessa.
O “regime sindical” que o fim do imposto desestabiliza é o das roubalheiras e da pelegagem. Fachin sabe bem disso porque é o relator do processo que inclui figuras investigadas pela “Operação Registro Espúrio”. Nela, a Polícia Federal cumpriu 23 mandados de prisão e 64 de busca a apreensão de uma quadrilha que vendia registros de sindicatos. Num caso, cobravam R$ 4 milhões por um registro. Se a propina valia isso, a boca era boa.
Vale lembrar que nas tetas do imposto sindical não estão apenas guildas de trabalhadores, mas também as de cidadãos que se dizem representantes de empresários.
Alemanha 5×0
Diante da ruína e com Pedro Parente pedindo o chapéu, Pindorama está como a Seleção Brasileira em 2014, quando foi para o vestiário depois do primeiro tempo contra a Alemanha, com um placar de 5×0.
Tratava-se de voltar ao gramado e torcer para que os 45 minutos adicionais acabassem logo com o pesadelo.
Agora, trata-se de aguentar quatro meses, até a eleição de 7 de outubro.
Artigo publicado dia 03/06/2018 na página do jornal O Globo – disponível na internet 04/06/2018
Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.