Com o aumento do preço dos planos de saúde coletivos empresariais, as corporações estão voltando suas atenções para reduzir as despesas com o benefício. Nos dois últimos anos, o investimento médio em saúde por funcionário subiu 21%, para R$ 271,21, segundo pesquisa da consultoria Mercer Marsh Benefícios, com 690 empresas de diversos setores, sendo dois terços delas com faturamento anual superior a R$ 100 milhões. Entre 2012 e 2017, o peso do benefício dentro da folha de pagamento de pessoal dessas corporações avançou de 10,38% para 12,71%. Na indústria, essa taxa chega a 50% em alguns casos.
Negociar a redução do percentual de reajuste e ratear despesas com os colaboradores já não basta, explicam especialistas. A saída tem sido a implementação de programas para melhorar a utilização do benefício, com ações de prevenção e promoção de saúde para reduzir a sinistralidade, calculada com base na relação entre a despesa assistencial e a receita da operadora.
Além da Mercer Marsh, outras grandes consultorias internacionais atuam nesse novo fronte. A Alvarez & Marsal, por exemplo, que mantém atividades em gestão de saúde há 15 anos, tem agora um departamento organizado no Brasil para projetos nessa área. Grandes companhias como Avon, Bridgestone e Tigre já implementaram programas para melhorar os resultados a partir de ações casadas com a cobertura médica de seus funcionários.
— É uma tentativa das empresas de forçar uma melhor negociação com as operadoras e seguradoras de saúde. Se esse avanço não ocorrer na discussão sobre o reajuste, ele virá com base nos resultados obtidos a partir de uma melhor gestão da saúde dos funcionários — reconhece Rodrigo Rodrigues de Aguiar, diretor de desenvolvimento setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Emmanuel Lacerda, gerente-executivo de Saúde e Segurança da Indústria do Sesi, destaca que o plano de saúde já é o maior gasto na folha de pessoal do setor:
— Na indústria, que tem dez milhões de beneficiários de planos de saúde, há empresas em que, olhando apenas para o chão de fábrica, esse custo chega a 50% da folha. O atual sistema é insustentável. A remuneração na saúde suplementar é baseada em volume e serviço, e há alto índice de desperdício. É preciso casar custo com qualidade em resultado.
A área de saúde suplementar está entre as mais de 40 levantadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) como chave para a competitividade do setor no país. E conta com estudo dentro do Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022, listando entraves e propostas de solução, entregue aos candidatos à Presidência.
NÚMERO MENOR DE AFASTAMENTOS
A dificuldade de negociar com as operadoras e o salto no custo dos planos estão no centro do movimento, explica Gonzalo Grillo, à frente da área de Healthcare da Alvarez & Marsal no país:
— A inflação médica, que mede a variação de custos médico-hospitalares, cresce três vezes mais que a inflação geral. Isso pesa no reajuste dos planos empresariais, que é calculado em cada operadora. Assim, as empresas ficam em desvantagem (na negociação) e acabam tendo de aceitar altas taxas de reajuste.
É custo alto mesmo para gigantes multinacionais, pontua Grillo. No início deste ano, Google, JP Morgan e Berkshire Hathaway se uniram para anunciar a criação de uma empresa sem fins lucrativos para fazer a gestão de saúde dos seus dois milhões de funcionários.
— Juntos, são o segundo maior empregador dos EUA, depois do Walmart, e têm maior poder de negociação junto às operadoras. Mas isso não é suficiente para resolver o problema. É preciso repensar a prestação do serviço e sua inserção na companhia, controlar e monitorar gastos, adotar ações de promoção de saúde. Estudos mostram que metade dos gastos dos planos são com hospitalização de segurados — comenta o executivo.
No Brasil, a ANS regula apenas o reajuste dos planos individuais ou familiares, que este ano foi de 10%. Os beneficiários desse tipo de plano, contudo, somam 17% do total de 47,3 milhões válidos em maio. Os outros 37,9 milhões são do tipo coletivo, sendo 31,5 milhões deles empresariais, sem aumento anual regulado. Mas isso pode mudar.
— Desde 2016, uma Resolução Normativa da agência obriga as operadoras a apresentarem a memória do cálculo para o aumento de custo dos planos empresariais. A partir deste mês, vamos começar a discutir uma proposta para que esses cálculos sejam auditados por consultorias independentes — conta Aguiar.
Nos próximos dias 24 e 25, haverá audiência pública no Rio para discutir o reajuste dos planos individuais ou familiares. Reivindicações relativas aos coletivos empresariais, porém, poderão ser levadas ao encontro, informou a ANS.
Entre 2008 e 2016, a inflação geral no Brasil, medida pelo IPCA, do IBGE, avançou 74,83%, ou uma média de 7,23% ao ano, segundo levantamento da CNI. Já a inflação médica saltou 237,77%, em 16,43% ao ano, mais que o dobro do IPCA.
— Damos subsídios para a empresa levar à mesa de negociação. O perfil da saúde de uma empresa já indica caminhos a seguir, como adoção de acompanhamento de doentes crônicos, assistência nutricional e outros — afirma Helder Valério, gerente de Gestão e Promoção de Saúde da Mercer Marsh Benefícios.
Com 5.200 funcionários, sendo 60% deles de mulheres, e uma carteira total de 12 mil vidas, contando os dependentes, a Avon do Brasil implementou um programa de gestão de saúde.
— O custo dos planos empresariais está cada vez mais elevado. Mas o que a operadora vinha fazendo para promover saúde? Fica muito fácil assinar o contrato, virar as costas e apresentar uma conta estratosférica de reajuste todo ano. Implementamos um programa de saúde e qualidade de vida com uma série de ações e viramos o jogo — afirma Meire Blumen, gerente de Saúde e Qualidade de vida da Avon.
Clínicas odontológica e médica, com ginecologista, serviço de nutricionista, programas de estímulo a atividades físicas, copagamento de medicamentos e acompanhamento de crônicos estão entre as ações adotadas pela Avon. A empresa trabalha com duas operadoras de saúde. Em 2017, uma delas apresentou proposta de reajuste de 20%, mas, como a taxa de sinistralidade dos funcionários estava muito abaixo disso, o percentual caiu à metade.
— Reduzimos os gastos e, ao mesmo tempo, registramos queda em afastamentos de funcionários e aumento de produtividade — diz Meire.
DADOS DO TRABALHADOR SÃO SIGILOSOS
A FenaSaúde, que reúne grandes operadoras no país, afirma que as ações de gestão e promoção de saúde podem ser sentidas na diminuição das despesas médicas, que terão reflexo no momento de atualizar o contrato com a operadora de saúde.
— Após levantar o perfil de saúde dos funcionários, pode-se avaliar, por exemplo, se é preciso oferecer um plano de saúde completo ou apenas o que dá cobertura hospitalar e para exames de maior complexidade. E optar por um outro serviço, como um contrato com clínicas especializadas — diz Grillo.
A ANS alerta, porém, que esses contratos diretos com clínicas correm por fora do ambiente regulado pela agência.
— Ao oferecer serviços por meio de um contrato privado, que não passa por operadora ou seguradora de saúde, não há monitoramento da ANS, deixando o beneficiário sem garantias — conta Aguiar.
Otávio Pinto e Silva, sócio na área trabalhista do Siqueira Castro Advogados, explica que, pela lei, as empresas têm de manter um Sistema de Medicina e Segurança do Trabalho, monitorando a saúde dos empregados, prevenindo e combatendo acidentes e doenças relacionadas à atividade:
— O médico responsável pelo programa deve sugerir medidas específicas, como alteração de métodos de trabalho, adoção de equipamentos de proteção, exercícios laborais. Mas os dados de saúde de cada trabalhador não podem ser divulgados de forma aberta para a empresa. Em caso de uso inadequado desses dados, uma série de penalidades pode ocorrer.
Pela legislação trabalhista, as empresas não têm obrigação de oferecer planos de saúde a seus funcionários, diz Flávia Azevedo, sócia da área Trabalhista do Veirano Advogados. O benefício só pode ser reduzido ou modificado conforme previsto em contrato:
— O benefício pode estar previsto no contrato de trabalho, em norma interna da empresa ou em acordo ou convenção coletiva. Para mexer no benefício saindo do que está previsto em convenções coletivas, é preciso recorrer ao sindicato.
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Crédito: Glauce Cavalcanti/O Globo – disponível na internet 16/07/2018