As capas pretas e os magistrados.

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Favreto, Toffoli e Gilmar não deveriam participar de julgamentos ou decisões que envolvam partes com que mantinham vínculos

Todos conhecem o Batman, o homem-morcego que usa uma vistosa capa preta, semelhante às togas dos juízes e às becas dos membros do Ministério Público e advogados.

A toga começou a ser usada na Roma Antiga e é um dos símbolos da magistratura. A vestimenta representa, além do sacerdócio de um juiz, a imparcialidade. Um juiz pode faltar, mas outro o substituirá com o mesmo manto, isenção e honestidade. Quando todos se levantam na chegada de um magistrado ao recinto de um tribunal, não o fazem para homenagear o indivíduo, mas sim em respeito à toga que ele veste e ao papel que irá desempenhar.

Lembrei-me do Batman — que faz justiça à sua maneira em Gotham City — após a chicana aloprada urdida pelo desembargador Favreto. Talvez lhe caísse melhor a beca de um advogado, tal o fervor para livrar da cadeia um condenado em segunda instância. Por coincidência, Rogério Favreto foi filiado ao partido do condenado por quase 20 anos e trabalhou na Casa Civil do governo Lula, ao lado de José Dirceu.

Há no ordenamento jurídico brasileiro dispositivos claros para tratar o impedimento e a suspeição de juízes, reforçados, inclusive, por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Para a jurista Eliana Calmon, primeira mulher a integrar o Superior Tribunal de Justiça, essas regras não estão sendo aplicadas, nem mesmo, ao STF. “Isso precisa ser falado!”, afirmou em um programa de TV. Foi Calmon quem, em outra oportunidade, cunhou a curiosa expressão: “bandidos de toga”.

De fato, nem sempre a Constituição, os tratados e as capas asseguram a isenção, a independência e a imparcialidade.

Daqui a menos de dois meses, o ministro Dias Toffoli deverá assumir a presidência do STF. O que esperar do ex-advogado da CUT, do PT, das campanhas eleitorais de Lula à Presidência da República e do ex-subchefe de José Dirceu na Casa Civil, reprovado em dois concursos para juiz? A recente decisão de soltar o também condenado em segunda instância José Dirceu sem sequer tornozeleiras, por meio de um habeas corpus de ofício, pode ser um sinal do que vem pela frente.

E o que dizer do ministro Gilmar Mendes? A sua suspeição foi levantada pelos procuradores da República da Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro, por conta de ligações dele com réus. Conforme amplamente divulgado, o ministro foi padrinho de casamento da filha de Jacob Barata Filho. Além disso, Barata é um dos sócios da empresa Auto Viação Metropolitana, que tem, no quadro societário, uma empresa administrada por Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, cunhado de Gilmar Mendes. E é ético o seu instituto, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), receber quaisquer patrocínios? A lei permite que ministros deem aulas e até tenham empresas, desde que não sejam administradores. Dessa forma, como listou a “Crusoé” — revista semanal digital — jorram patrocínios para eventos do IDP, provenientes de empresas e entidades como Souza Cruz, Interfarma, Febraban, Fecomércio, J&F etc. Ainda que não haja relação direta entre patrocínios e decisões, muitas das patrocinadoras têm ações e interesses no STF.

Na minha opinião, Favreto, Toffoli e Gilmar não deveriam participar de julgamentos ou decisões que envolvam partes com as quais mantinham vínculos ou relações pessoais próximas. O impedimento seria decorrente ou da legislação — que deveria ser mais abrangente — ou das suas próprias consciências. Como diz o provérbio, “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”.

Com as decisões polêmicas que têm sido tomadas — para dizer o mínimo —, o STF viu-se obrigado a alugar um espaço reservado no aeroporto de Brasília para isolar alguns ministros dos cidadãos. Neste caso, a capa mais adequada para as excelências seria a da invisibilidade de Harry Potter.

Enfim, a independência dos juízes passa pela forma com que são indicados para os tribunais superiores e pela vigilância da sociedade, já que nenhum órgão fiscaliza o STF e os seus ministros, e nem eles mesmos entre si. O brilhante procurador do MP de Contas junto ao TCU, Júlio Marcelo, manifestou a sua opinião: “A corrupção que comanda o Brasil sobrevive da certeza da impunidade, baseada em três pilares: foro privilegiado, prescrição e visão de mundo de Gilmar, Toffoli, Lewandowski e Marco Aurélio. Parecem sofrer quando um corrupto é preso. O STF hoje faz parte do problema, não da solução”. Assino embaixo.

O Judiciário, notadamente o STF, precisa resgatar a sua credibilidade e reafirmar a sua imparcialidade. Capas pretas até Harry Potter e Batman usam.

Artigo publicado no jornal O Globo – disponível na internet 17/07/2018

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. 

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