Quilo poderá ganhar um novo padrão de medida hoje.

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Novas definições do Sistema Internacional de Unidades serão decididas por representantes de 60 países na França

Quanto pesa uma massa de um quilo? Parece uma pergunta fácil, mas dependendo de onde se está no planeta, e da calibragem da balança usada, a resposta pode variar. E foi de olho nestas diferenças que em 1875 representantes de 17 nações – entre eles D. Pedro II, então imperador do Brasil – assinaram a Convenção do Metro, tratado que pela primeira vez estabeleceu padrões internacionais para essa e outras duas unidades fundamentais, o quilo e o segundo.

Com o tempo, outras medidas básicas foram sendo agregadas ao conjunto – ampere para a intensidade de uma corrente elétrica, kelvin para a temperatura, candela para a luminosidade e mol para a quantidade de uma substância -, no que se tornou o que é hoje o Sistema Internacional de Unidades (SI). E agora representantes dos já 60 países signatários do acordo preparam a mais ampla revisão destes padrões da História. Em votação prevista para esta sexta-feira, último dia da 26ª Conferência Geral de Pesos e Medidas (CGPM) que acontece desde terça-feira em Versailles, França, eles devem aprovar alterações em suas definições para que todos estejam relacionados a fenômenos ou constantes físicas universais.

Isso porque, de início, algumas destas unidades tinham como referência objetos físicos, como uma barra para o metro e um cilindro para o quilo. Mas, como disse o filósofo e escritor americano Marshall Berman, tudo que é sólido se desmancha no ar. Assim, mesmo armazenados em condições ideais de preservação, lentamente estes chamados “protótipos” foram mudando.

No caso do quilo, um cilindro de liga de platina e irídio fabricado em 1889 e guardado em um cofre do Escritório Internacional de Pesos e Medidas (BIPM, na sigla em francês) em Sèvres, nas cercanias de Paris, comparações recentes com outros protótipos constataram uma perda de 50 microgramas na sua massa. Não é muito, o equivalente a mísero um grão de areia, mas o suficiente para demonstrar o risco do modelo de padrões baseados em protótipos como o apelidado de “Le Grand K” (“O Grande K”) no longo prazo.

Professor Carlos Augusto de Azevedo: Presidente do Inmetro

– O padrão material se deteriora, muda com o tempo, mas com o padrão imaterial das constantes físicas não teremos este problema nunca mais – explica o físico Carlos Augusto de Azevedo, presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que já está na França para a votação desta sexta, dando um exemplo da importância da precisão destas medidas. – Quando se carrega um navio com açúcar aqui no Rio, ele não está sendo vendido pelo peso local, mas pela massa padrão, com uma margem de erro que deve ficar abaixo de um milésimo de 1%. Num navio com milhares de toneladas de carga, é um erro cujo valor econômico já dá para comprar um apartamento na Vieira Souto (avenida da orla de Ipanema, uma das regiões mais valorizadas da cidade).

Assim, já em 1967, com o advento dos relógios atômicos, o segundo, antes definido em termos de observações astronômicas, passou a corresponder à duração de 9.192.631.770 de transições de estado de átomos de césio 133, que ocorrem a uma frequência fixa de exatos 9.192.631.770 hertz (vezes por segundo).

A seguir foi a vez do metro, cuja barra protótipo padrão armazenada em Sèvres também estava se deteriorando, tornar-se a primeira unidade baseada numa constante universal: a velocidade da luz. Primeiro, com o avanço da física ótica e dos lasers, ele foi redefinido em 1960 como uma quantidade específica de ondas de luz emitidas por átomos de criptônio 86, mas a partir de 1983, em outra mudança, a medida passou a ser definida como a distância percorrida pela luz no vácuo em 1/299.792.458 segundo.

Já a candela, objeto de diferentes padrões de flamas ou filamentos incandescentes usados por vários países até 1948, teve como primeira referência geral a radiação emitida por um chamado “corpo negro” em condições específicas de equilíbrio térmico a baixas temperaturas. As dificuldades técnicas para realizar esta medida, aliada aos desenvolvimentos na fotometria e radiometria, no entanto, levaram à substituição da definição por uma ligada à unidade de potência watt que por uma série de transformações e equações acabam relacionadas a propriedades quânticas universais dos processos de transferência de energia governados pela Constante de Planck.

E agora é a vez do quilo, ampere, kelvin e mol finalmente terem suas definições também baseadas em constantes físicas. No caso do quilo, sai o protótipo do “Grande K” e entra também a Constante de Planck, que como produto de energia e tempo também pode ser transformada em referência de massa por meio da célebre equação E = mc2 descrita por Albert Einstein em sua Teoria da Relatividade. Alteração que, no entanto, em nada vai mudar o resultado que vemos em nossas balanças no dia a dia.

– As pessoas na rua não vão notar qualquer diferença, ninguém vai ficar mais “pesado” de uma hora para outra – explica Estefania de Mirandés, secretária-executiva do Comitê Consultor para Unidades do BIPM, que encabeçou as discussões e redação das novas definições. – Trabalhamos muito duro justamente para assegurar esta continuidade, de forma que as mudanças de referência e definição em nada afetem o valor absoluto do quilo.

Já o mol, hoje definido como a quantidade de algo num sistema em número igual aos de átomos contidos em 0,012 quilo de carbono 12, passará a ser totalmente independente do padrão de massa, respondendo diretamente à Constante de Avogrado.

O kelvin, por sua vez, deixará de estar atrelado às propriedades da água sob condições específicas, o que aumenta as incertezas nas medições em casos de temperaturas muito altas ou muito baixas, para ser ligado à Constante de Boltzmann, que relaciona a energia cinética de uma partícula em um gás à sua temperatura.

Por fim, o ampere sai de uma definição pouco prática envolvendo condutores hipotéticos de comprimento infinito e a força magnética entre eles para ser expresso em termos da carga elétrica elementar dos elétrons.

Segundo Estefania, mais que uma resposta à deterioração do “Grande K”, os novos padrões de referência são resultado do avanço no conhecimento científico e tecnológico da Humanidade.

– Em metrologia sempre podemos fazer melhor, e o ponto por trás de todas as novas definições é diminuir as incertezas nas medições – diz. – Temos muita confiança em todas as equações usadas, que formam uma descrição tão boa da natureza, com uma precisão tão grande, que agora podemos usá-las como padrões para medidas usando nossas capacidades técnicas.

Capacidade técnica que o Inmetro já conta para produzir protótipos padrões secundários e terciários do “novo” quilo que serão usados, por exemplo, para aferir as balanças produzidas e usadas no Brasil e outros países da região cujos institutos de metrologia não têm tecnologia suficiente para tanto, garante Azevedo.

– É uma questão de soberania nacional e muito importante para o comércio exterior – afirma. – O Brasil está entre os dez países no topo da metrologia mundial em capacidade técnica e, a partir do estabelecimento do novo padrão primário, vamos construir padrões secundários e terciários que serão difundidos por toda corrente de comércio, com referência, hierarquização e rastreabilidade fundamentais para todo este processo.

rédito: Cesar Baima /O Globo – disponível na internet 16/11/2108

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