O texto ainda não ficou pronto, mas equipe econômica e parlamentares aliados já se articulam para convencer grupos de pressão. O arsenal do governo para a batalha pode incluir ajustes no texto, como idade mínima menor, e campanha nas redes sociais a favor da reforma.
Convencer o Congresso a aprovar mudanças nas regras dessas categorias será importante para que o governo Jair Bolsonaro cumpra a promessa de combater privilégios. Isso porque é exatamente nesses grupos que as despesas com aposentadorias e pensões custam mais, proporcionalmente. Segundo levantamento feito a pedido do GLOBO pelo economista Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado, o governo precisou desembolsar no ano passado R$ 53,8 mil por pessoa para pagar os benefícios dos servidores públicos civis. Para os militares, essa média sobe para R$ 143,9 mil per capita . Para efeito de comparação, o INSS, que paga os benefícios da iniciativa privada, tem déficit per capita de R$ 5.311.
A conta do déficit proporcional é uma forma de evidenciar os desequilíbrios nos regimes. Em valores absolutos, o rombo no INSS é o maior. Chegou a R$ 186 bilhões no ano passado e deve alcançar R$ 218 bilhões neste ano. O gasto por beneficiário no regime é mais baixo porque os valores dos benefícios são menores e o número de inativos é maior. Nas outras categorias, é justamente o contrário: aposentadorias altas e menos inativos.
— Essa estimativa revela, acima de tudo, desigualdade — diz Nery.
No caso dos servidores, um dos pontos críticos de negociação deve ser a respeito da regra que permite que funcionários mais antigos se aposentem com benefício integral (integralidade) e direito aos mesmos reajustes de quem está na ativa (paridade). Isso é garantido a quem entrou na carreira até 2003, com regras mais facilitadas, dependendo do ano de ingresso. A proposta enviada pelo presidente Michel Temer, que pode ser parcialmente aproveitada pela equipe de Bolsonaro, exige que o servidor cumpra nova idade mínima, de 65 anos, para homens, e 62, para mulheres, para ter acesso à aposentadoria mais vantajosa. Hoje, eles já precisam atingir idade de 60 anos (homens) e 55 anos (mulheres) para requerer o benefício. O endurecimento da regra contribuiu para travar o andamento da proposta de Temer.
Mesmo reservadamente, fontes da equipe econômica relutam em falar em um “plano B” para lidar com o lobby do funcionalismo. Mas há acenos no cardápio. O primeiro deles, reconhecido pelas próprias entidades, é estipular uma idade mínima menor. Se o limite ficar em 62 anos para homens e 57 para mulheres, o texto será mais suave que o de Temer, mesmo que seja mantida a exigência de idade mínima para ter acesso à integralidade.
Redução de desigualdade
Outra possibilidade levantada por especialistas é considerar o tempo na carreira com salário mais alto para restringir o acesso ao benefício integral. Assim, um servidor que não atingiu a idade mínima, mas tem mais anos na carreira poderia ter regra de transição mais suave. Isso impediria que funcionários que contribuíram por mais tempo sobre salários mais baixos se aposentem com o rendimento do topo da carreira, mesmo tendo poucos anos no último cargo.
As regras da integralidade e paridade fazem parte das demandas das entidades que representam os servidores. A sinalização é que, se repetir a regra proposta por Temer, será difícil começar a negociação.
— Conversamos com centenas de parlamentares. A gente tem uma situação em que alguns servidores que já estão na transição por conta das reformas anteriores, que deveriam trabalhar mais um ano, teriam que trabalhar mais dez — critica Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanence de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate).
Na avaliação do economista Helio Zylberstajn, professor da Fipe e autor de uma das propostas que estão à disposição da equipe econômica, a reforma deve abranger todas as categorias para ganhar força.
— A gente tem que mexer nessas desigualdades, porque a sociedade não aceita mais diferenças. Se a reforma não mexer com todas as categorias, perde força junto à população — afirma.
Raul Velloso, especialista em contas públicas, acrescenta que um dos argumentos é o esgotamento do sistema:
— É chegar e dizer: não importa se você tem ou não privilégio, o que importa é que o sistema atual não tem como ser pago, está quebrado.
Já para os militares, o cenário está mais nebuloso. Voltou à mesa até mesmo a possibilidade de a categoria sequer fazer parte da proposta de reforma, como ocorreu no projeto de Temer. Na sexta-feira, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, disse que “não pode garantir” se os militares entrarão ou não. Hoje, os integrantes das Forças Armadas não têm idade mínima para aposentadoria e podem ir para a reserva após completarem 30 anos de serviço. Como a contribuição é baixa, de 7,5% sobre o soldo, o Tesouro precisa bancar 92% das despesas.
A concessão aos militares, porém, pode aumentar o atrito com servidores. Os sindicatos do funcionalismo reivindicam a inclusão das Forças Armadas para que, na visão deles, o esforço não fique concentrado no serviço público.
Governo pretende expor privilégios da Previdência para ter o apoio da opinião pública
O governo deve recorrer ao mesmo instrumento que fez diferença nas eleições para defender a reforma da Previdência: as redes sociais. A estratégia, defendida por parlamentares e técnicos que participam da elaboração da proposta, é expor o que consideram privilégios para convencer a opinião pública a apoiar a medida.
A deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL-SP), da base do governo, afirma que será preciso recorrer ao mesmo expediente da campanha eleitoral.
— Na Câmara, a gente vai ter que usar muito a tribuna, e também nossos meios de comunicação, nossas redes sociais, para mostrar ao povo a realidade. As redes sociais que foram responsáveis por toda a campanha do presidente Bolsonaro serão usadas também para explicar para a população quem é quem nesse bolo todo — disse a parlamentar.
No governo Temer, o lobby dos servidores contribuiu para que a reforma não passasse. Dentro da equipe econômica, a pressão da categoria é vista como mais forte do que a de sindicatos da iniciativa privada — em geral contrários à medida, mas com a diferença de que não atuam de dentro da máquina em Brasília.
A expectativa é a de uma batalha pelo apoio da população. Entidades de sindicatos ligados ao funcionalismo afirmam que a categoria já passou por três reformas nos últimos 20 anos: uma em 1998, outra em 2003 e a criação do fundo complementar em 2013. Por isso, mudanças mais drásticas agora seriam uma espécie de “reforma da reforma”.
— Temos servidores que já passaram por mais de três reformas e, agora, correm o risco de verem as regras mudarem de novo no final do segundo tempo — critica Petrus Elesbão, presidente do Sindilegis, que representa os servidores do Legislativo, que tem o maior déficit per capita .
Além da guerra midiática, o governo se prepara para uma batalha jurídica. Dentro da equipe econômica, um time jurídico elabora formas de evitar a judicialização. A expectativa, porém, é que, mesmo que a reforma passe no Congresso, a batalha no Supremo Tribunal Federal (STF) será muito provável.
Crédito: Marcello Corrêa/O Globo – disponível na internet 21/01/2019