Demitido pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, da presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira (Inep), Marcus Vinicius Rodrigues afirmou ao GLOBO que o ex-chefe é “gerencialmente incompetente” e “não tem controle emocional” para comandar a educação brasileira.
Ele disse que a portaria suspendendo a avaliação da alfabetização no país este ano, apontada como motivo da demissão, foi apenas um “pretexto” de Vélez para retirá-lo do cargo.
Segundo Marcus Vinicius, a suspensão dos testes para crianças de 7 anos, que estão aprendendo a ler e escrever, foi um pedido do secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim, que é muito próximo a Vélez, e que dificilmente o ministro não teria sido informado da medida pelo auxiliar. Vélez alegou internamente que foi surpreendido, após repercussão negativa da portaria publicada na segunda-feira, que ele revogou no dia seguinte.
Apesar de classificar Vélez como uma “pessoa do bem”, Marcus Vinicius desqualificou a formação acadêmica do ministro, dizendo que ele “não teve acesso a boas faculdades” e diz que Vélez é “refém” das próprias limitações. A demissão de Marcus Vinicius abre mais uma crise dentro do MEC, que desde o início do mês está conflagrado por uma disputa de espaço entre diferentes grupos: a ala técnica, os militares e os seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho, que compõem o núcleo ideológico da pasta. Marcus Vinicius é doutor em Engenharia de Produção e foi professor da Fundação Getulio Vargas.
Por que o senhor foi demitido?
A minha demissão é um processo de crise que já vem desde o início, a partir do momento em que eu não aceitei as indicações do ministro com caráter ideológico para ocupar diretorias (do Inep). Acho que foi exatamente nesse momento que o processo de distanciamento teve início. O ministro me fez várias indicações de profissionais que tinham uma postura ideológica não adequada para gestão. E eu entendi que isso não seria adequado para a educação do Brasil.
Uma dessas indicações foi do Murilo Resende, ligado a Olavo de Carvalho que iria assumir a coordenação do Enem?
Sim. O Murilo, apesar de uma boa formação, não tinha perfil para um cargo tão relevante.
Mas o governo aponta que a demissão ocorreu porque o senhor publicou a portaria que suspendeu a avaliação da alfabetização prevista para este ano e que foi revogada pelo próprio ministro no dia seguinte.
A portaria foi apenas um pretexto, mesmo porque o Inep não cometeu nenhum erro. A portaria começou a ser feita há aproximadamente três semanas por uma equipe do Inep com uma equipe do MEC, ligada à Secretaria de Alfabetização. Eles chegaram a uma minuta da portaria. Essa minuta foi analisada na terça-feria por mim. Eu senti falta de referência da medição da alfabetização. Os diretores do Inep que estavam na reunião disseram que essa era a postura da Secretaria de Alfabetização. Na dúvida, eu pedi ao senhor (Carlos) Nadalim, que é o titular (da Secretaria de Alfabetização do MEC), que me mandasse isso formalmente. E ele me mandou um ofício muito claro dizendo que a Secretaria de Alfabetização estava pedindo ao Inep para não inserir a medição da alfabetização.
O ministro alegou que não sabia da suspensão da avaliação. Ele foi surpreendido com a medida?
Eu não posso dizer que ele não sabia. Mas o secretário de Alfabetização é provavelmente o colaborador mais próximo do ministro hoje. Os dois moravam na mesma cidade, são grandes amigos. Acho que dificilmente o Nadalim não tenha informado ao ministro sobre uma coisa tão importante. Mesmo porque o Nadalim não foi punido. Se o Nadalim tivesse traído o ministro, provavelmente seria exonerado.
O senhor acha então que a demissão foi um ato injusto para dar uma satisfação em meio à polêmica?
A minha demissão não foi uma injustiça. Foi um ato de incompetência gerencial de um ministro que não tem poder de gestão, não tem controle emocional para dirigir a Educação do Brasil. Pesou o fato de eu ser ligado à ala militar; de ser amigo do grande profissional que é o (Antonio Flávio) Testa (sociólogo que trabalhou desde a campanha e foi dispensado por Veléz durante a transição após um desentendimento). E pesou o fato de termos um modelo de gestão aplicada no Inep muito destoante do que vem sendo aplicado no MEC.
Quais problemas essa falta de gestão provocará?
Os problemas já começam agora, com as entregas que deveriam ser realizadas. Provavelmente o MEC vai entregar muito pouco. A educação é um das bandeiras do governo Bolsonaro, pelo qual trabalhei desde julho e vou continuar trabalhando. É uma alternativa para o Brasil. Infelizmente, alguns cargos vitais, como na Educação, estão sendo ocupados por pessoas honestas, de boa vontade, mas sem habilidade gerencial e sem uma inteligência emocional adequada.
O ministro está refém do grupo ideológico?
O ministro está refém dele mesmo, das limitações dele. Todos nós temos limitações. O ministro não teve acesso a boas faculdades, não teve avesso a uma formação densa. E isso faz com que não tenha uma visão global.
A produção acadêmica do ministro na plataforma Lattes teria sido inflada, segundo informações da imprensa. O senhor concorda?
Nunca me considerei um educador ou intelectual. Meu doutorado é na Coppe (instituto de pós-graduação e pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), fui professor durante 20 anos na Fundação Getulio Vargas. O ministro tem o doutorado dele na Gama Filho, essa instituição já fechou. No currículo dele, a maior parte das aulas (dadas) foi na Universidade (Federal) de Juiz de Fora, que é uma grande universidade, sim, e em uma instituição de pequeno porte em Maringá. Essa falta de experiência do ministro, sem uma formação densa, com publicações limitadas, sem conhecimento de gestão, prejudica a visão que ele tem do Brasil e da educação brasileira. Não vejo como ter uma gestão de sucesso.
O senhor disse que vai continuar colaborando com o governo. Vai ocupar algum outro cargo?
Quero tirar um mês de férias e depois colocar meus negócios em dia. Voltar para a minha empresa. Pretendo continuar apoiando o governo e, caso seja adequado, não agora, mas no futuro, voltar a ajudar na própria máquina pública.
Crédito: Renata Mariz/O Globo – disponível na internet 27/03/2019