Um pesadelo. É assim que o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, resume os efeitos para a indústria brasileira se houver um acordo de livre comércio com a China.
Essa possibilidade virou assunto depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmar que o governo negocia a criação de uma área de livre comércio entre Brasil e China. Quando foi questionado sobre detalhes desse plano, no entanto, o ministro disse que apenas defendeu mais integração entre os dois países.
O que pode parecer um estímulo ao comércio seria, no cenário atual, um grande problema para a indústria brasileira, segundo Castro, que representa as empresas exportadoras.
“Só a China ganharia com esse acordo hoje, a indústria brasileira não teria nada a ganhar”, diz. “No futuro, quando o Brasil tiver realizado todas as reformas necessárias e reduzido custos de logística e de burocracia, poderemos ter preços competitivos e aí sim um acordo seria bem vindo.”
Castro aponta que as empresas brasileiras não conseguiriam competir com os preços dos produtos chineses. “O Custo Brasil é muito elevado, gira em torno de 30% (um produto brasileiro é, em média, 30% mais caro que o mesmo produto feito no exterior). Aí estaríamos abrindo o mercado, mas sem preço competitivo.”
Uma zona de livre comércio tem o objetivo de estimular as trocas entre os países e prevê a redução ou a eliminação das tarifas alfandegárias entre os países-membros.
Os números
A resposta sobre o que ocorreria se houver um acordo de livre comércio está nos números da balança comercial com a China, que é o principal destino das exportações brasileiras. No ano passado, o saldo comercial entre os dois países ficou positivo para o Brasil em US$ 29 bilhões.
O detalhe importante, no entanto, está nos tipos de produtos.
Os bens manufaturados representaram apenas 2% das exportações brasileiras para a China em 2018. Os semimanufaturados, 8%. A grande maioria é composta por produtos básicos, com 90% das vendas brasileiras aos chineses. A soja triturada foi o tipo de produto mais vendido pelos brasileiros aos chineses no ano passado.
Exportações do Brasil para a China (2018)
A economista Vivian Almeida, professora do Ibmec, diz que a medida poderia ter “um impacto irreversível para a indústria brasileira, que já não é competitiva”.
“Os números falam por si só. Olhando o que é hoje o comércio do Brasil com a China, vemos que vamos sair do patamar de 90% de produtos básicos para 100% (nas exportações para os chineses)”, disse Almeida.
Por outro lado, 98% das compras de produtos chineses pelo Brasil no ano passado foram de manufaturados. Menos de 2% das importações foram de produtos básicos.
A economista diz que “se o objetivo é crescer de forma mais múltipla e diversa, além de beneficiar a indústria brasileira, esse não é o melhor caminho”.
Ela destaca que esse diálogo ocorre em meio a uma mudança de eixos no cenário internacional.
“A China está se apropriando do espaço deixando pelos Estados Unidos com relação ao que convencionamos chamar de globalização. A China se apropriou desse espaço economicamente — pelo crescimento que vem apresentando nas últimas décadas — e politicamente — pelo espaço deixado pelos EUA na gestão Trump ao não apoiar o multilateralismo.”
Outra questão nesse debate é o Mercosul, já que o Brasil faz parte da união aduaneira. Por isso, segundo Castro, o Brasil não poderia negociar sozinho um acordo de livre comércio com a China.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) informou, por meio de assessoria de imprensa, que as discussões ainda estão no estágio inicial e que é necessário “entender mais claramente” os termos do acordo. A federação diz que manifestará seu posicionamento “quando as negociações estiverem mais maduras”.
Cúpula do Brics
A fala do ministro Guedes sobre o livre comércio com os chineses aconteceu durante seminário do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics.
Nesta semana, a cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) de 2019 ocorre em Brasília, sob o comando do presidente Jair Bolsonaro, um crítico do multilateralismo e fiel aliado do governo americano de Trump.
Rompendo com uma tradição iniciada em 2013, em que o país anfitrião da cúpula passou a convidar outras nações para um encontro extra ampliado, o governo brasileiro decidiu manter a reunião deste ano restrita aos cinco integrantes.
No ano passado, por exemplo, a África do Sul promoveu, após a reunião exclusiva do Brics, encontros expandidos envolvendo 19 nações africanas, além de Argentina, Turquia e Jamaica. Já na última cúpula realizada no Brasil, em Fortaleza, em 2014, todos os líderes sul-americanos estiveram presentes.
O início da cúpula foi ofuscado pela invasão da Embaixada da Venezuela em Brasília. O grupo de invasores, ligado ao autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, só deixou o local no fim da tarde de quarta-feira, dia 13 de novembro.