Uma nota técnica publicada pela Controladoria-Geral da União defende que a divulgação por servidores federais “de opinião acerca de conflitos ou assuntos internos, ou de manifestações críticas ao órgão ao qual pertença” em suas redes sociais são condutas passíveis de de apuração disciplinar. O documento foi assinado no dia 3 de junho e é de responsabilidade da Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos (CGUNE).
Esta não é a primeira vez que o tema vem à tona no governo federal. Em maio, uma nota técnica elaborada pela Comissão de Ética do Ibama também pretendia coibir as manifestações políticas contrárias ao governo nas redes sociais dos agentes ambientais.
Em outra ação vista como tentativa de cerceamento da opinião dos servidores federais, o Ministério da Justiça elaborou um dossiê sigiloso contra servidores associados a grupos antifascistas.
A nota é uma manifestação interpretativa da CGUNE “quanto ao alcance e conteúdo dos arts. 116, inciso II e 117, inciso V, da Lei nº 8.112/1990, visando, especialmente, promover a justa adequação destes às hipóteses de condutas irregulares de servidores públicos federais pela má utilização dos meios digitais de comunicação online”.
As principais conclusões do documento são:
- A divulgação pelo servidor de opinião acerca de conflitos ou assuntos internos, ou de manifestações críticas ao órgão ao qual pertença, em veículos de comunicação virtuais, são condutas passíveis de apuração disciplinar;
- As condutas de servidores que tragam repercussão negativa à imagem e credibilidade de sua instituição, na forma da alínea anterior, caracterizam o descumprimento do dever de lealdade expresso no art. 116, II, da Lei nº 8.112/90;
- As responsabilidades estatutárias e éticas impostas ao servidor público atuam como circunstâncias limitadoras dos seus interesses privados, permitindo a sua responsabilização disciplinar por condutas irregulares praticadas na esfera privada, desde que estas estejam relacionadas às atribuições do cargo em que se encontre investido;
- A solução de conflitos de entendimento e interesses que extrapolem a esfera comum dos debates de ordem interna deve, ordinariamente, ocorrer no âmbito do próprio órgão de lotação do servidor, por meio dos canais internos competentes;
- A identificação funcional do servidor nas mídias sociais, por si só, não é motivo de responsabilização disciplinar, exigindo, além da efetiva divulgação do conteúdo, a verificação de impropriedades no teor das manifestações nele expostas, especialmente no que diz respeito à possível repercussão negativa à imagem ou credibilidade de sua instituição ou em relação aos demais servidores da casa.
Crédito: Congresso em Foco – disponível na internet 30/07/2020
Leia a íntegra da nota técnica >>> Nota_Técnica_1556_2020_CGUNE_CRG
CGU: Esclarecimento sobre a nota técnica 1.556/2020
Em relação à Nota Técnica nº 1.556/2020, a Controladoria-Geral da União (CGU) esclarece que o documento é fruto de um trabalho estritamente técnico da Corregedoria-Geral da União, órgão integrante da estrutura da Controladoria-Geral da União, e tem por base estudos doutrinários, manuais técnicos, legislação em vigor e orientações semelhantes de diversos órgãos públicos.
Dentre essas orientações, cite-se:
- Recomendação nº 14, da Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União
- Provimento nº 71, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça
- Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal)
O trabalho da CGU ocorreu em razão de mudanças nas condições de trabalho recentes e dos avanços tecnológicos que vinham demandando análise sobre o alcance de alguns dispositivos da Lei nº 8.112/1990, que, se encontram, até certo ponto, superados pela evolução natural da sociedade e dos meios de comunicação. Um exemplo é o conceito de “recinto da repartição” contido no artigo 117, V, da Lei nº 8.112/1990, que veda ao servidor a realização de ato de apreço ou desapreço no “recinto da repartição”. No momento, em que grande parte dos servidores estão trabalhando à distância, fora do conceito geográfico de “recinto da repartição”, uma interpretação estrita desse dispositivo poderia terminar por dar margem a situações de franca impunidade.
Acrescente-se que essa era uma demanda já apresentada por vários órgãos de corregedoria.
É importante esclarecer que a CGU não tem qualquer restrição à realização de críticas por parte dos agentes públicos. O que a CGU considera como passível de apuração disciplinar são aqueles atos que extrapolem os limites do razoável.
Além disso, as orientações contidas na Nota Técnica questionada não se referem a eventual tratamento que deva ser dado a opiniões políticas ou sobre o governo por parte de algum agente público. O foco da Nota Técnica são questões interna corporis, relacionadas ao respeito e ao decoro que todos devem ter com questões que sempre possuem embasamento técnico.
Repare que não se trata, em hipótese alguma, de censura ao servidor. A internet não é – e não pode ser – um território sem lei, em que o agente público possa veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.
Quando assume um cargo ou emprego público, o agente se propõe a ser leal com a instituição a que serve. Não tem sentido ele assumir legalmente esse compromisso e, ao mesmo tempo, adotar ações que maculem a sua instituição. Eventuais críticas ou sugestões de melhoria de processos e fluxos podem – e devem – ser feitas, inclusive, nos canais oficiais.
A edição da Nota Técnica mencionada quis, apenas, deixar claro a interpretação dos artigos 116, II (ser leal às instituições a que servir), e art. 117, V (promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição), ambos da Lei nº 8.112/1990, para demonstrar que tais regras podem alcançar aquelas condutas de agentes públicos, realizadas em redes sociais, que tenham o objetivo de veicular informações que comprometam a credibilidade das instituições.
É importante observar ainda que o posicionamento contido na Nota é semelhante ao que vigora na própria iniciativa privada, com amparo em julgados do Tribunal Superior do Trabalho. A título de exemplo, observe nada impede que um empregado de algum veículo de comunicação possa externar posicionamento divergente do seu empregador de maneira respeitosa e decorosa. Críticas agressivas, contudo, obviamente, podem vir a ser objeto de questionamentos.
Cite-se jurisprudência sobre o assunto (AIRR 1649-53-2012.5.03.0007, da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Relator: Ministro Douglas Alencar Rodrigues):
“A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho não proveu agravo de instrumento de uma operadora de caixa que pretendia reverter sua demissão por justa causa aplicada pela █████████████ em razão de ofensas postadas pela empregada no Facebook contra a própria empresa e os clientes”1 (Grifo nosso).
Fonte: www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2020/07/esclarecimento-sobre-a-nota-tecnica-1-556-2020